O Globo
Se a nova política industrial brasileira —
a neoindustrialização — for avançar nesta picada, melhor nem começar. Não se
aprende com a História. Subsídio à indústria automotiva? Já foi. Já houve.
Várias vezes. Não deu certo. Iniciativa fracassada, cuja volta só se explica
sob a forma de carinho a empresário não competitivo.
Justo será apor o “mais” à questão. Mais
subsídio à indústria automotiva? Em 2023? Sim. Neoindustrialização. Velhos
recursos pela nova industrialização. A equação não fecha. Novos recursos para
adiar a falência da indústria velha. Os termos adequados.
O governo acarinha; nós pagamos a conta — que ficará maior, acrescido o custo do improviso: programa ruim, de ineficiência comprovada e divulgado sem cálculos elementares; a Fazenda que rebole para que o esqueleto (o arcabouço) tenha caixa. Assim o presidente se engaja em campanha para minimizar prejuízo setorial.
Mais subsídio para a indústria automotiva,
incentivo ora dedicado à figura do carro popular. É criativo. Desonera-se em
nome de bem que não existe faz tempo — o carro popular. Sejamos criativos
também. O pacote — a campanha — não será produto de trama muito diferente desta
que fantasio. O industrial pátrio encontra Lula e chora miséria. A blitz do
chororô. Padrão. A culpa é do mundo. Pede socorro. O presidente se compromete a
ajudar. Mas, adverte, tem de ser para benefício do povo. Com impacto no preço
do carro popular. Que — repita-se — não existe mais. Detalhe.
A intenção é boa. Né? Romântica. Avante! Na
base do dá-teu-jeito-aí, Lula manda Geraldo Alckmin levantar o troço. Surge o
“Mais Carros, Minha Vida”. Surge, no ritmo do chutão, sem qualquer estudo. No
abafa. E não tardaria até que tivéssemos o presidente da República abrindo
evento — suposta apresentação do pacote — para então anunciar que o anúncio,
razão de ser do convescote, não ocorreria. O programa não estava pronto.
Faltara a etapa matemática. Precisaria de mais 15 dias.
Na exposição de motivos para o projeto, que
só chegaria ao jurídico à véspera do evento, a equipe de Alckmin, também
vice-presidente, esteve à vontade para simular quanto a União deixaria de
arrecadar com a medida rebatendo (abatendo) o impacto via projeção de aumento
de receitas em decorrência das vendas de automóveis geradas pelo programa. Que
tal? A esse nível de profissionalismo chegamos.
A Lei de Responsabilidade Fiscal — convém
lembrar — continua vigente. Ainda. E veda essa modalidade de comércio de
terrenos na Lua. Novos gastos, incluídos os tributários, precisam ser
compensados, sob apontamento objetivo, ou com cortes de despesas — isso, nem
pensar — ou novas receitas. Aumento de impostos, por exemplo. (Questão de
tempo.) Nunca com a perspectiva de arrecadação sonhada sob projeto que pode dar
errado. Dará.
Beabá. E frustração. O empresário queria a
cousa para já. Fez beiço. Será que o governo poderia ao menos anunciar os
parâmetros, os critérios? Sim. Não há cálculos, nem os simples. Nada que
impedisse o informe de que serão contemplados os consumos de carros até R$ 120
mil, o mais barato entre nós a cerca de R$ 65 mil, sob descontos com teto de
quase 11%. Programa temporário, que Fernando Haddad quer que dure entre três e
quatro meses — a maneira que encontrou para expressar ser contrário ao bicho.
Programa de quatro meses é programa
inexistente — deseja Haddad. Terá sorte se ficar em um ano. Esses impulsos
sempre nascem provisórios. Acabam ficando. Fato é que nem o prazo — o prometido
— sabe-se ao certo. Ao certo se sabe que, a — pechinchando — R$ 60 mil, um
automóvel talvez seja acessível para a classe média. Talvez. Certamente não
será popular. Nem para a classe média.
Isso, a fachada, não importa. A vida do
“Mais Carros, Minha Vida” é a do industrial automotivo brasileiro. O programa é
(popular) para ele. Para que ao menos mantenha os empregos. Não é o que se diz?
Não é mais para abrir postos. É para manter. No mundo real, nem isso se pode
garantir. Todo mundo sabe. Leva o subsídio; e não será cobrado quando demitir.
Demitirá.
Desoneração, mais uma, setorial. Atraso.
Que, destaque-se, afronta a lógica existencial do recém-aprovado arcabouço
fiscal — que não parará de pé sem aumento de receitas. O que faz o governo?
Abre mão de receitas. Ninguém fez a conta, mas é renúncia bilionária. O
Planalto pendurando mais incentivo ineficaz. Carregando a copa da árvore que a
reforma tributária terá de podar com rigor. Teria.
Você acredita? Um governo que não corta
despesas promete entregar superávits. Promete entregar superávits o governo que
engorda os gastos. Um governo gastador que, prometendo rever desonerações
setoriais para entregar superávit, oferta (mais) desoneração para fabricante de
automóvel a combustível fóssil. Em 2023. Acredita?
Meu carro,Minha vida.
ResponderExcluirTá