terça-feira, 30 de maio de 2023

Carlos Andreazza - Mais Carros, Minha Vida

O Globo

Se a nova política industrial brasileira — a neoindustrialização — for avançar nesta picada, melhor nem começar. Não se aprende com a História. Subsídio à indústria automotiva? Já foi. Já houve. Várias vezes. Não deu certo. Iniciativa fracassada, cuja volta só se explica sob a forma de carinho a empresário não competitivo.

Justo será apor o “mais” à questão. Mais subsídio à indústria automotiva? Em 2023? Sim. Neoindustrialização. Velhos recursos pela nova industrialização. A equação não fecha. Novos recursos para adiar a falência da indústria velha. Os termos adequados.

O governo acarinha; nós pagamos a conta — que ficará maior, acrescido o custo do improviso: programa ruim, de ineficiência comprovada e divulgado sem cálculos elementares; a Fazenda que rebole para que o esqueleto (o arcabouço) tenha caixa. Assim o presidente se engaja em campanha para minimizar prejuízo setorial.

Mais subsídio para a indústria automotiva, incentivo ora dedicado à figura do carro popular. É criativo. Desonera-se em nome de bem que não existe faz tempo — o carro popular. Sejamos criativos também. O pacote — a campanha — não será produto de trama muito diferente desta que fantasio. O industrial pátrio encontra Lula e chora miséria. A blitz do chororô. Padrão. A culpa é do mundo. Pede socorro. O presidente se compromete a ajudar. Mas, adverte, tem de ser para benefício do povo. Com impacto no preço do carro popular. Que — repita-se — não existe mais. Detalhe.

A intenção é boa. Né? Romântica. Avante! Na base do dá-teu-jeito-aí, Lula manda Geraldo Alckmin levantar o troço. Surge o “Mais Carros, Minha Vida”. Surge, no ritmo do chutão, sem qualquer estudo. No abafa. E não tardaria até que tivéssemos o presidente da República abrindo evento — suposta apresentação do pacote — para então anunciar que o anúncio, razão de ser do convescote, não ocorreria. O programa não estava pronto. Faltara a etapa matemática. Precisaria de mais 15 dias.

Na exposição de motivos para o projeto, que só chegaria ao jurídico à véspera do evento, a equipe de Alckmin, também vice-presidente, esteve à vontade para simular quanto a União deixaria de arrecadar com a medida rebatendo (abatendo) o impacto via projeção de aumento de receitas em decorrência das vendas de automóveis geradas pelo programa. Que tal? A esse nível de profissionalismo chegamos.

A Lei de Responsabilidade Fiscal — convém lembrar — continua vigente. Ainda. E veda essa modalidade de comércio de terrenos na Lua. Novos gastos, incluídos os tributários, precisam ser compensados, sob apontamento objetivo, ou com cortes de despesas — isso, nem pensar — ou novas receitas. Aumento de impostos, por exemplo. (Questão de tempo.) Nunca com a perspectiva de arrecadação sonhada sob projeto que pode dar errado. Dará.

Beabá. E frustração. O empresário queria a cousa para já. Fez beiço. Será que o governo poderia ao menos anunciar os parâmetros, os critérios? Sim. Não há cálculos, nem os simples. Nada que impedisse o informe de que serão contemplados os consumos de carros até R$ 120 mil, o mais barato entre nós a cerca de R$ 65 mil, sob descontos com teto de quase 11%. Programa temporário, que Fernando Haddad quer que dure entre três e quatro meses — a maneira que encontrou para expressar ser contrário ao bicho.

Programa de quatro meses é programa inexistente — deseja Haddad. Terá sorte se ficar em um ano. Esses impulsos sempre nascem provisórios. Acabam ficando. Fato é que nem o prazo — o prometido — sabe-se ao certo. Ao certo se sabe que, a — pechinchando — R$ 60 mil, um automóvel talvez seja acessível para a classe média. Talvez. Certamente não será popular. Nem para a classe média.

Isso, a fachada, não importa. A vida do “Mais Carros, Minha Vida” é a do industrial automotivo brasileiro. O programa é (popular) para ele. Para que ao menos mantenha os empregos. Não é o que se diz? Não é mais para abrir postos. É para manter. No mundo real, nem isso se pode garantir. Todo mundo sabe. Leva o subsídio; e não será cobrado quando demitir. Demitirá.

Desoneração, mais uma, setorial. Atraso. Que, destaque-se, afronta a lógica existencial do recém-aprovado arcabouço fiscal — que não parará de pé sem aumento de receitas. O que faz o governo? Abre mão de receitas. Ninguém fez a conta, mas é renúncia bilionária. O Planalto pendurando mais incentivo ineficaz. Carregando a copa da árvore que a reforma tributária terá de podar com rigor. Teria.

Você acredita? Um governo que não corta despesas promete entregar superávits. Promete entregar superávits o governo que engorda os gastos. Um governo gastador que, prometendo rever desonerações setoriais para entregar superávit, oferta (mais) desoneração para fabricante de automóvel a combustível fóssil. Em 2023. Acredita?

 

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