O Globo
Medidas extremas transformam regulamentação
necessária dos meios digitais numa pressão indevida
É absurda a decisão do Supremo Tribunal
Federal (STF), por meio do ministro Alexandre de Moraes, de obrigar o Telegram
a retirar sua mensagem contra o Projeto de Lei (PL) 2.630, chamado PL das Fake
News, e no lugar obrigar o aplicativo a assumir que sua mensagem anterior é
“flagrante e ilícita desinformação, atentatória ao Congresso Nacional, ao Poder
Judiciário, ao Estado de Direito e à democracia brasileira”.
A começar pelo apelido que viralizou — PL
das Fake News —, até a decisão um tanto alargada de Moraes ao assumir também a
relatoria do caso, unificando-o ao já aberto inquérito das fake news em 2019, o
debate sobre o Projeto de Lei 2.630 ganhou dimensão política distorcida.
Tecnicamente, trata-se do projeto da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade
e Transparência na Internet, de autoria do senador Alessandro Vieira.
Tratando-o como “das fake news”, seus
próprios defensores contribuíram para a própria derrota na guerra da
informação, dando margem a que temas como censura, democracia ou ditadura sejam
apensados indevidamente à discussão. No afã de “defender a democracia”, medidas
extremas têm sido tomadas pelo Judiciário, transformando a regulamentação
necessária dos meios digitais, já definida em diversos países democráticos no
Ocidente, numa pressão governamental indevida.
O ministro da Justiça, Flávio Dino, ao dizer que há outros caminhos para regulamentar os novos meios, ou pelo Supremo ou pelo próprio governo, ajuda a dar a impressão de que há uma ação conjunta para controlar os meios digitais. O caso recente é exemplar. Não acho nada de mais que Telegram ou Google defendam seus pontos de vista, que critiquem o projeto que está no Congresso. O debate é para abrir a discussão, dentro do Congresso, não numa repartição do governo.
O que não podem fazer é usar a tecnologia
que controlam para divulgar suas posições. Não podem ir além do que são. Se
querem ter opinião, defender posições, têm de assumir que não são plataformas
agnósticas, sem controle sobre o que circula em suas redes, mas também
interferem no conteúdo, não são apenas hospedeiros sem nenhuma responsabilidade
pelo que é publicado. Devem, portanto, se submeter à legislação brasileira, sob
a qual estão todos os jornais, televisão, rádios, órgãos de comunicação, de
acordo com suas especificidades.
O deputado Orlando Silva destaca muito bem
que o Telegram nunca participou das audiências públicas nem dos debates no
Parlamento. Em vez de tentar fazer prevalecer sua opinião dentro do Congresso,
quer jogar a opinião pública contra os parlamentares que não concordam com suas
posições. O comportamento já foi denunciado pelo presidente da Câmara, Arthur
Lira, que o considerou “abusivo”.
Deputados e senadores passaram a receber
ataques individualizados pelas redes sociais, e os pronunciamentos publicados
por Google e Telegram têm esse objetivo. Qualquer pessoa pode até dizer que o
projeto permite a censura, mas não pode mentir ou cometer crime. Mentindo não
estão, estão dando uma opinião, uma visão que considero equivocada, mas têm o direito
de fazê-lo.
Têm todo o direito de publicar anúncios
defendendo seus pontos de vista, o que o Supremo proibiu o Google de fazer.
Essa proibição é absurda. Não podem é usar os algoritmos para privilegiar a
opinião dos que são contra o Projeto de Lei no site de busca. A plataforma
deixa de ser um mecanismo de busca para se transformar em instrumento de
indução de opinião. Querem o melhor dos dois mundos: poder dar opinião quando
convém e não ter responsabilidade sobre o que divulgam.
Tema espinhoso.
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