O Globo
Presidente assumiu em um momento de crise,
mas deve focar no que realmente importa: consolidar a democracia
O presidente Lula, ao assumir, enfrentou
emergências em vários ministérios e uma tentativa de golpe de estado que tinha como
participantes até militares da ativa. Seus primeiros atos para derrotar a
conspiração foram rápidos e eficientes. Precisou acudir as urgências e, em
algumas, tem se saído bem. Suas propostas econômicas de revogar a independência
do Banco Central, dar vantagens por decreto a empresas estatais no saneamento,
reestatizar a Eletrobras não vão prosperar. São lutas em que será derrotado. No
caminho, sofrerá desgastes e talvez tenha que fazer concessões inaceitáveis em
pontos do seu projeto.
É comum dizer que essas medidas não serão aprovadas porque esse Congresso é liberal, a favor da austeridade e o presidente Lula está com uma pauta de esquerda. Acho que isso precisa ser repensado. Nem uma coisa, nem outra. Quem esteve do lado de Bolsonaro, no parlamento ou fora dele, aprovou a intervenção serial numa empresa de capital aberto, como a Petrobras, capitalização fora do teto de gastos de estatais militares, uma reforma da previdência militar que elevou gastos e vantagens para um grupo de servidores, o não pagamento de dívidas vencidas da União e estouro eleitoreiro dos cofres. Tudo isso fere princípios liberais e de austeridade. Foi feito por Bolsonaro com aprovação dos parlamentares da direita brasileira. São liberais de conveniência.
Por outro lado, a mudança do marco do
saneamento é mesmo de esquerda? Olhe a obra das estatais do setor. No Brasil,
44% da população não têm acesso à coleta de esgoto e isso, evidentemente,
atinge os mais pobres. Estamos falando de uma pauta do século XIX. A melhor
bandeira é a busca da universalização o mais rápido possível do serviço e o
novo marco do saneamento tem até data para isso. Na privatização da Eletrobras,
foram investidas parte da poupança no FGTS de 370 mil trabalhadores, e esse
patrimônio está se desvalorizando a cada declaração de Lula. O BC já poderia
ter aberto a janela para a queda dos juros, porque a inflação está caindo. Mas
o Banco Central autônomo é um avanço no combate à inflação.
O presidente Lula assumiu o país em
situação muito difícil, por isso não deve atirar para todos os lados ao mesmo
tempo. Deveria ter foco nas questões mais importantes. A primeira é consolidar
a democracia. Foi em nome dela que milhões, que não votariam nele, o fizeram
desta vez.
Lula foi perfeito no momento agudo. No dia
8 de janeiro, ele recusou a GLO que militares golpistas e os bolsonaristas
queriam. Fez uma intervenção pontual e precisa na segurança pública do Distrito
Federal. Foi imediatamente ao Planalto para mostrar que o poder não estava
vazio. Reuniu os poderes, a federação e fez uma caminhada, com carga altamente
simbólica, até o Supremo Tribunal Federal. Líderes que têm rapidez e precisão
nos momentos dramáticos são essenciais. E Lula teve.
Para derrotar completamente o golpe, o
governo tem que investigar e esclarecer todas as ramificações da conspiração. E
fazer um bom governo para consolidar a certeza de que problemas são resolvidos
com respeito à lei e ao Estado Democrático de Direito.
Neste aspecto, com a devida vênia dos
ministros do Supremo que a apoiam, é ruim a indicação de Cristiano Zanin para
ministro. Fere o princípio da impessoalidade. Ministros que foram rápidos em
condenar o desrespeito a esse princípio, agora abrem alas para Zanin.
O governo Lula já fez muito. E não está
parado. Sim, as nomeações estão lentas, a articulação não está funcionando, mas
enfrentou a emergência humanitária na Terra Yanomami. Já retirou grande parte
dos garimpeiros de lá, o que parecia uma missão impossível. Está enquadrando os
CACs, o que parecia outra missão difícil. O ministro dos Direitos Humanos
defende os direitos humanos, a ministra do Meio Ambiente sempre foi uma
guerreira da proteção ambiental. O ministro da Justiça não está tramando um
golpe como o seu antecessor. A ministra da Saúde defende a saúde, a vacinação e
jamais diria o que falou o general Pazuello, “eu não conheço o SUS”.
Vivemos o horror muito recentemente com um
presidente incentivando pessoas a invadir hospitais no meio da pandemia, porque
dizia que não havia pandemia. Lá dentro os médicos enfrentavam uma guerra pela
vida. Vir depois de um governo destes é muito difícil. Lula precisa se
perguntar que lutas vai lutar.
Grande artigo!
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