domingo, 14 de maio de 2023

Míriam Leitão - As lutas de Lula. Que lutas lutar?

O Globo

Presidente assumiu em um momento de crise, mas deve focar no que realmente importa: consolidar a democracia

O presidente Lula, ao assumir, enfrentou emergências em vários ministérios e uma tentativa de golpe de estado que tinha como participantes até militares da ativa. Seus primeiros atos para derrotar a conspiração foram rápidos e eficientes. Precisou acudir as urgências e, em algumas, tem se saído bem. Suas propostas econômicas de revogar a independência do Banco Central, dar vantagens por decreto a empresas estatais no saneamento, reestatizar a Eletrobras não vão prosperar. São lutas em que será derrotado. No caminho, sofrerá desgastes e talvez tenha que fazer concessões inaceitáveis em pontos do seu projeto.

É comum dizer que essas medidas não serão aprovadas porque esse Congresso é liberal, a favor da austeridade e o presidente Lula está com uma pauta de esquerda. Acho que isso precisa ser repensado. Nem uma coisa, nem outra. Quem esteve do lado de Bolsonaro, no parlamento ou fora dele, aprovou a intervenção serial numa empresa de capital aberto, como a Petrobras, capitalização fora do teto de gastos de estatais militares, uma reforma da previdência militar que elevou gastos e vantagens para um grupo de servidores, o não pagamento de dívidas vencidas da União e estouro eleitoreiro dos cofres. Tudo isso fere princípios liberais e de austeridade. Foi feito por Bolsonaro com aprovação dos parlamentares da direita brasileira. São liberais de conveniência.

Por outro lado, a mudança do marco do saneamento é mesmo de esquerda? Olhe a obra das estatais do setor. No Brasil, 44% da população não têm acesso à coleta de esgoto e isso, evidentemente, atinge os mais pobres. Estamos falando de uma pauta do século XIX. A melhor bandeira é a busca da universalização o mais rápido possível do serviço e o novo marco do saneamento tem até data para isso. Na privatização da Eletrobras, foram investidas parte da poupança no FGTS de 370 mil trabalhadores, e esse patrimônio está se desvalorizando a cada declaração de Lula. O BC já poderia ter aberto a janela para a queda dos juros, porque a inflação está caindo. Mas o Banco Central autônomo é um avanço no combate à inflação.

O presidente Lula assumiu o país em situação muito difícil, por isso não deve atirar para todos os lados ao mesmo tempo. Deveria ter foco nas questões mais importantes. A primeira é consolidar a democracia. Foi em nome dela que milhões, que não votariam nele, o fizeram desta vez.

Lula foi perfeito no momento agudo. No dia 8 de janeiro, ele recusou a GLO que militares golpistas e os bolsonaristas queriam. Fez uma intervenção pontual e precisa na segurança pública do Distrito Federal. Foi imediatamente ao Planalto para mostrar que o poder não estava vazio. Reuniu os poderes, a federação e fez uma caminhada, com carga altamente simbólica, até o Supremo Tribunal Federal. Líderes que têm rapidez e precisão nos momentos dramáticos são essenciais. E Lula teve.

Para derrotar completamente o golpe, o governo tem que investigar e esclarecer todas as ramificações da conspiração. E fazer um bom governo para consolidar a certeza de que problemas são resolvidos com respeito à lei e ao Estado Democrático de Direito.

Neste aspecto, com a devida vênia dos ministros do Supremo que a apoiam, é ruim a indicação de Cristiano Zanin para ministro. Fere o princípio da impessoalidade. Ministros que foram rápidos em condenar o desrespeito a esse princípio, agora abrem alas para Zanin.

O governo Lula já fez muito. E não está parado. Sim, as nomeações estão lentas, a articulação não está funcionando, mas enfrentou a emergência humanitária na Terra Yanomami. Já retirou grande parte dos garimpeiros de lá, o que parecia uma missão impossível. Está enquadrando os CACs, o que parecia outra missão difícil. O ministro dos Direitos Humanos defende os direitos humanos, a ministra do Meio Ambiente sempre foi uma guerreira da proteção ambiental. O ministro da Justiça não está tramando um golpe como o seu antecessor. A ministra da Saúde defende a saúde, a vacinação e jamais diria o que falou o general Pazuello, “eu não conheço o SUS”.

Vivemos o horror muito recentemente com um presidente incentivando pessoas a invadir hospitais no meio da pandemia, porque dizia que não havia pandemia. Lá dentro os médicos enfrentavam uma guerra pela vida. Vir depois de um governo destes é muito difícil. Lula precisa se perguntar que lutas vai lutar.

 

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