domingo, 14 de maio de 2023

Vinicius Torres Freire – O esgotamento do Bolsa Família

Folha de S. Paulo

Programa ainda vai ajudar a reduzir bem a pobreza em 2023, mas essa fonte vai secar

renda dos brasileiros cresceu em 2022, dizem os números do IBGE divulgados na semana passada. A informação causou certa indiferença. É compreensível.

O ano de 2021 havia sido o pior de uma década tenebrosa. Ainda assim, a despiora foi maior para os mais pobres. Na média, o aumento da renda domiciliar per capita foi de 6,9%. Para os 10% mais pobres, de 57,3%.

Com o Bolsa Família de Lula 3, o aumento de renda dos mais pobres deve ser expressivo em 2023. Mas, daqui em diante, será muito difícil que a vida dessas pessoas melhore por meio de aumento de transferência de renda.

Antes de mais nada, explique-se a "melhora". O rendimento médio por pessoa entre os 10% mais pobres passou de R$ 102 por mês em 2021 para R$ 162 em 2022. É miséria.

Em 2021, a falta de trabalho foi a pior da década, afora o 2020 do início da epidemia. O governo das trevas enxugou o auxílio emergencial. Foi o terror social. Em meados de 2022, Jair Bolsonaro veio com o Auxílio Brasil porque sua candidatura naufragava. Era um programa social improvisado, ruim, mas que pagava mais.

Mesmo assim, em 2022 o rendimento domiciliar per capita foi dos menores da década. Foi 4% menor do que em 2014, na média. Para o décimo mais pobre da população, 9,5% menor.

A melhoria de 2021 para 2022 deveu-se "principalmente ao Auxílio Brasil. Esse aumento das transferências também levou a uma menor oferta de trabalho de jovens pouco escolarizados, o que forcou um aumento dos salários de trabalhadores menos qualificados", diz Daniel Duque, pesquisador da área de Economia Aplicada da FGV-IBRE.

Embora o Auxílio Brasil tenha feito diferença, a maior parte dos rendimentos vem do trabalho: 72%, mesmo no caso décimo mais pobre do país; 86% entre aqueles no décimo seguinte de renda.

De 2021 para 2022, 74% do aumento da renda do décimo mais pobre veio de aumento da renda do trabalho, segundo dados da Pnad/IBGE compilados por Duque.

Em relação a 2019, porém, o aumento da renda derivada do trabalho respondeu por 33% do aumento da renda dos 10% mais pobres; o Auxílio Brasil, por 67%, nas contas deste jornalista. É um aumento excepcional em vários sentidos. Outros assim não serão possíveis.

Em 2019, a despesa com o programa foi de R$ 41,8 bilhões, perto da média de 2012-2019, de R$ 41,3 bilhões. Em 2022, aumentou para R$ 91,5 bilhões, sob o nome de Auxílio Brasil. Neste 2023, deve ser de R$ 167 bilhões. Os valores são corrigidos pela inflação.

A despesa com o Bolsa Família deve chegar a 9% do gasto federal neste 2023. Em 2010, último ano de Lula 1, era de 2% do total. Em 2014, último ano de Dilma 1, de 2,5%.

De onde tirar mais?

Quase 80% da despesa federal vai para Previdência/INSS (44%), salários e aposentadorias de servidores (18,7%), BPC (9%, para pessoas com deficiência e pobres idosos), seguro-desemprego e abono (3,2%) e Bolsa Família.

O governo está no vermelho. O aumento de impostos que virá mal cobrirá o déficit.

O investimento em obras, equipamentos etc. equivale a menos de um quarto do Bolsa Família. Mesmo se for a R$ 75 bilhões, como quer Lula 3, chega a 45%. A fim de aumentar em um tico o crescimento, é preciso investir mais.

O país é pobre, de resto.

O valor médio do Bolsa Família foi de R$ 670 em abril. Equivale a 51% do salário mínimo. O salário mínimo equivale a 46% do rendimento médio do trabalho ("salário") e a muito mais do que o rendimento mediano. Os valores do Bolsa Família e do salário mínimo estão no limite, dada a baixa renda (PIB per capita) do país.

Melhoria na tributação pode atenuar minimamente a pobreza. É preciso acelerar o crescimento. Tornar o país mais produtivo, encontrar setores que "puxem" o investimento. A fonte da transferência extra de renda vai secar.

 

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