terça-feira, 9 de maio de 2023

Míriam Leitão - As mudanças do marco fiscal

O Globo

Congresso já tem lista de medidas para fortalecer o arcabouço, como a inclusão do aumento de capital de todas as estatais dentro do limite

O Congresso deve incluir no projeto do arcabouço fiscal algumas medidas para torná-lo mais forte. O que está sendo pensado, segundo fontes que acompanham a negociação no Congresso, é que quando o governo não cumprir a meta fiscal ficará proibido de dar aumento real ao funcionalismo, abrir concurso público e conceder novas renúncias fiscais. Algumas exceções serão fechadas. Por exemplo, todo aumento de capital de estatais estará incluído no limite de gastos, inclusive as estatais não financeiras. O novo piso da enfermagem também ficará dentro do limite.

O que muitos economistas disseram é que a proposta da Fazenda tinha méritos, mas era necessário ter formas de garantir o cumprimento da meta. Nem o governo, nem o Congresso acham aceitável criminalizar o administrador público que não cumprir a meta. Mais eficiente, dizem, é proibir determinadas despesas em caso de descumprimento.

As reações a essas propostas devem vir principalmente do PT. O partido chegou a discutir a possibilidade de propor alternativas ao arcabouço, o que não faria qualquer sentido, dado que ele é o partido do governo. E pediu sugestões ao professor Ricardo Carneiro, um economista petista defensor da antítese de tudo o que foi proposto pelo Ministério da Fazenda. Se iniciativas assim forem adiante restará provado que, na área econômica, o PT não precisa de oposição.

O governo tem dado sinais contraditórios na economia. A equipe econômica quer manter diálogo com o Banco Central, apesar de os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet terem deixado claro que acham os juros altos demais. O presidente e a direção do PT querem briga com o Banco Central. Lula já falou contra a autonomia do BC.

Nesse meio de campo conflagrado, atuará daqui para diante o atual secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo. Ele foi indicado ontem pelo presidente e por Haddad para ser o diretor de Política Monetária do Banco Central. Galípolo é bem visto no Congresso, portanto não deve ter dificuldades na sabatina e na aprovação. O processo deve ser rápido, até porque a diretoria de Política Monetária está há quase dois meses sem titular. O problema é que ele fará falta no Ministério da Fazenda porque tem se mostrado um hábil articulador entre executivo e Congresso.

Galípolo foi escolhido porque era difícil encontrar alguém que preenchesse dois requisitos. Não provocasse dúvidas no mercado financeiro e agradasse o presidente Lula. O escolhido para a diretoria de Fiscalização é o funcionário de carreira, Ailton Aquino dos Santos. Ailton é o primeiro negro a assumir uma diretoria no Banco Central. É bom que seja ele, mas é um espanto que tenha demorado tanto a haver negros no comando da instituição.

O ministro Haddad terá que se empenhar na defesa do novo marco fiscal. As ideias que estão sendo incorporadas ao arcabouço no Congresso vão no sentido de torná-lo mais forte. A proibição de aumento real de salário, de abertura de concursos para contratação de servidores e de concessão, pelo executivo ou pelo legislativo, de renúncia tributária são medidas coerentes com a ideia de sanear as contas públicas. Seria estranho o oposto, não cumprir a meta e poder contratar aumento de despesa permanente. O piso da enfermagem passará a ficar dentro da meta para evitar o precedente. Outras categorias poderiam exigir a mesma coisa. A inclusão de aumento de capital de todas as estatais dentro do limite de gastos dá garantia de que não vai se repetir um caso como o da Emgepron, que recebeu um aporte bilionário no governo Bolsonaro, por fora do teto.

Tornar o marco fiscal mais crível é fundamental num governo que tem tido tanto ruído na economia. Propôs mudança no marco do saneamento e foi derrotado no Congresso. Se propuser o fim da autonomia do Banco Central, vai perder também. O sinal dado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, foi de que se o presidente Lula quiser desprivatizar a Eletrobras também não terá sucesso.

O governo Lula tem aberto muitos conflitos na área econômica, sem demonstrar ter uma estratégia. Isso alimenta a instabilidade. Se existe algo que o país não precisa é de uma crise econômica, quando ainda enfrenta os reflexos de uma tentativa de golpe de estado. Revelações diárias vão deixando cada vez mais claro que os conspiradores queriam mesmo era uma quartelada.

 

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