segunda-feira, 15 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

‘Opep das florestas’ terá de tornar real a promessa ambiental

O Globo

Brasil, Congo e Indonésia pretendem fazer da preservação uma mercadoria tão valiosa quanto o petróleo

O principal item na pauta da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Brazzaville, prevista para o mês que vem, é a aliança entre países com grandes áreas de floresta tropical, ativo valorizado em razão do combate às mudanças climáticas. A iniciativa, cujo objetivo é unificar o discurso e os compromissos de preservação perante os países ricos, vem sendo chamada informalmente de “Opep das florestas”, numa referência ao cartel que controla os preços do petróleo.

Comparecerão à cúpula na capital da República Democrática do Congo países de América do Sul, África Central e Sudeste Asiático. Apenas três dos presentes — Brasil, Congo e Indonésia — concentram 52% das florestas tropicais do planeta. Lula faz questão de levar também Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Guiana, Suriname e Venezuela — integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) —, além de outros países africanos e asiáticos de grande cobertura florestal, de modo a reunir 80% das florestas tropicais do planeta.

A agenda oficial prevê a troca de experiências na preservação e exploração das florestas úmidas na Bacia Amazônica, na Bacia do Congo e na região do Bornéu-Mekong, no Sudeste Asiático. De acordo com o governo congolês, a proteção e o desenvolvimento das florestas precisam se assentar sobre três pilares: cooperação científica, cadeias de produção sustentáveis e mecanismos inovadores de financiamento para a biodiversidade.

Parece evidente que este último objetivo é o mais relevante para Brasil, Congo e Indonésia. Apresentando-se como um grupo unido, o novo cartel das florestas terá sem dúvida maior poder de barganha diante de países ricos que poderão depender da preservação de florestas para cumprir suas metas na redução de emissões de gases.

No caso do Brasil, o pedido de ajuda financeira vem desde o governo passado, que não tinha credibilidade para receber apoio. Com a troca de comando no Planalto, a Casa Branca anunciou no mês passado que pedirá ao Congresso US$ 500 milhões para o Fundo Amazônia, destinado a financiar projetos ambientais. O Reino Unido prometeu recentemente mais € 80 milhões. Dinheiro começa a aparecer, mas ainda é pouco. Sem falar na necessidade de aplicá-lo com eficiência para evitar que se perca nos ralos da corrupção e do desperdício.

Não há dúvida de que, se vingar a tal “Opep das florestas”, ela terá muito mais trabalho para protegê-las que os produtores de petróleo para manipular os preços de óleo e gás. Não é difícil viajar, fazer reuniões e assinar atas de lançamento de tratados e entidades. Mas é preciso que funcionem, indo além das citações retóricas em pronunciamentos políticos.

É indiscutível a necessidade de iniciativas que disseminem pelo planeta as boas práticas de preservação florestal, capazes de ocupar e sustentar de outra forma as populações que hoje vivem da derrubada de árvores e da devastação. Só na hora em que se transformar em medidas concretas veremos se a promessa de transformar as florestas em pé numa mercadoria tão valiosa quanto o petróleo tem chance de se tornar realidade.

Iniciativa de reerguer indústria naval revela que PT nada aprendeu

O Globo

Depois de vários fracassos, Petrobras é mais uma vez usada para sustentar construção de navios no Brasil

O novo presidente da Transpetro, Sérgio Bacci, informou que a empresa constituiu um grupo de trabalho com o objetivo de formular um plano para o Brasil voltar a construir navios. Operadora de uma rede de 8.500 quilômetros de gasodutos e oleodutos, dona de terminais marítimos e de uma frota de navios, a subsidiária da Petrobras será usada para, com suas encomendas, sustentar os estaleiros beneficiados pelo programa. Eis uma evidência contundente de que o PT não parece ter aprendido nada com os erros que cometeu nos 13 anos em que ficou no Palácio do Planalto.

O argumento dos defensores da proteção a qualquer setor é sempre o mesmo: gerar empregos. Bacci lembrou que a indústria naval empregava 82 mil em 2004 e agora apenas 20 mil. Fica subentendido que, com o mercado garantido pelas encomendas da Transpetro, esse número voltará a crescer.

Também foi assim nos governos anteriores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da ex-presidente Dilma Rousseff. Com a descoberta do pré-sal, as gestões petistas idealizaram a Sete Brasil, semiestatal que, de partida, encomendou 29 sondas submarinas a estaleiros — alguns construídos só para o negócio —, com investimentos totais previstos de US$ 26,4 bilhões.

Quase nada ficou pronto, porque a Sete, além de naufragar em dívidas, tinha destaque no esquema do petrolão, desbaratado pela Operação Lava-Jato. O dinheiro da Petrobras era desviado em favor de políticos e partidos, entre os quais o PT. Para dar uma ideia do prejuízo, só um acionista — o fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, o Petros — firmou na Justiça um acordo para receber R$ 900 milhões como ressarcimento pelo investimento perdido na Sete Brasil.

Não foi a primeira aventura naval brasileira. Nos governos Ernesto Geisel e João Figueiredo, tentou-se até exportar navios, fortemente subsidiados. O resultado foi um calote de US$ 500 milhões na Carteira de Comércio Exterior (Cacex) do Banco do Brasil. No final do governo Figueiredo, em 1984, estourou o escândalo da Sunamam (Superintendência Nacional da Marinha Mercante), agência que dava aval fajuto a estaleiros com que estava em atraso, para eles levantarem dinheiro junto aos bancos. Nada deu certo. Depois da ditadura, foi lançado o Programa de Modernização e Expansão da Frota da Transpetro (Promef), também sem resultados positivos.

Agora, mais uma vez a Petrobras será usada na tentativa de substituir importações num setor em que o Brasil não tem chance diante dos estaleiros asiáticos. Fala mais alto, porém, a ideia fixa do governo petista de “reindustrializar” o país por meio de subsídios, esquemas de proteção e reservas de mercado. Se o plano for adiante, os acionistas da Petrobras, controladora da Transpetro, arcarão com os prejuízos de mais esse erro empresarial cometido em nome do Estado. Num segundo momento, o contribuinte será chamado a capitalizar estatais em apuros. E o país estará novamente diante do naufrágio da mesmíssima iniciativa que tantas vezes já viu soçobrar.

 Queda à vista

Folha de S. Paulo

Surgem sinais de corte do juro do BC, que depende da responsabilidade do governo

Mesmo com as incertezas vigentes na economia internacional e na conjuntura doméstica, que ainda resultam em riscos para a inflação, começa a se consolidar a perspectiva de redução da taxa básica de juros no segundo semestre.

Embora o Comitê de Política Monetária tenha mantido a Selic em 13,75% ao ano, a ata da reunião trouxe sinais de que há maior conforto com o balanço de riscos adiante.

O Copom mantém a cautela, ao destacar fatores que ainda podem dificultar a convergência da inflação para a meta de 3% em 2024.

Em especial, há incerteza em relação à nova regra de controle das contas públicas que substituirá o teto de gastos, ao passo que as expectativas para o índice de preços ao consumidor permanecem elevadas e ainda distantes dos objetivos do Banco Central.

Contudo o órgão reconhece que a divulgação de uma norma fiscal pelo governo contribuiu para reduzir o risco de cenários mais adversos de descontrole da dívida e disparada da taxa de câmbio, da inflação e dos juros no mercado.

A proposta ainda precisa ser votada no Congresso, e espera-se que o Parlamento endureça a versão vinda da Fazenda, retomando os gatilhos de ajuste e punições no caso de descumprimento das metas de superávit nas contas.

A economia também dá sinais incipientes de desaceleração. Embora o resultado do primeiro trimestre tenha sido sólido, em parte devido ao excelente desempenho do agronegócio, acumulam-se evidências dos efeitos da restrição monetária. O crédito e o ritmo de criação de novos empregos mostram acomodação, o que sugere um menor vigor da demanda.

O risco ainda presente é a persistência de projeções elevadas para o IPCA —de 6,1% e 4,2% para este ano e 2024, respectivamente. Porém, com o avanço da tramitação da regra fiscal e outros fatores capazes de reduzir pressões inflacionárias, como a queda das matérias-primas internacionais e de preços no atacado, além da valorização do real, o prognóstico é de acomodação dos juros.

Tal trajetória já é incorporada pelo mercado, que indica a taxa básica em torno de 11,5% no final de 2023. É uma melhora em relação ao início do ano, quando as desastrosas declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra a responsabilidade fiscal fizeram disparar o custo do dinheiro.

A retórica agressiva só gerou perda de tempo. Com a melhora das últimas semanas, as expectativas apenas retornaram ao patamar anterior à celeuma presidencial.

É preciso muito mais. Consolidar juros de um dígito em 2024 e adiante demandará seriedade na definição de metas fiscais e, principalmente, no seu cumprimento.

Cerrado sob pressão

Folha de S. Paulo

Foco brasileiro e internacional no desmate deve englobar mais do que a Amazônia

A queda de 38% no desmatamento da Amazônia de janeiro a abril merece festejo. Mas há que tomar com grãos de sal a flutuação em tais cifras, que implica diversos fatores e consequências.

De pronto, ressalta a ameaça crescente sobre o cerrado. Nessa que é a savana mais biodiversa do mundo, a perda teve alta de 17% e está 48% acima da média histórica para os quatro primeiros meses do ano.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais apontou no período perda de 1.132 km² no bioma amazônico, ante 2.206 km² no cerrado. Quase o dobro, em termos absolutos, e proporcionalmente o quádruplo —o domínio savânico tem metade da área da floresta chuvosa a oeste e norte.

Mesmo a boa-nova vinda da Amazônia pede cautela. Considerando o cômputo oficial do corte raso pelo Inpe, que começa em agosto, a mata tropical acumula quase 6 mil km² de destruição, a maior área desde 2015 —indicando que o último semestre sob Jair Bolsonaro (PL) foi, aí também, devastador.

A Amazônia tem a atenção internacional e doméstica devida. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reativou a proteção de terras indígenas, e Marina Silva retomou o bem-sucedido plano de combate ao desmatamento de sua gestão anterior no Meio Ambiente.

Passa da hora, entretanto, de ampliar o foco sobre o cerrado. Por lei, proprietários podem derrubar ali de 65% a 80% de mata; na Amazônia, 20%. A savana conta só 7% da área protegida em unidades de conservação (UCs), contra quase metade da floresta do norte.

O cerrado tem 25 mil km² de terras públicas não destinadas e boa parte de seus 300 mil km² são pastos subutilizados. As primeiras, hoje alvo de grilagem, deveriam ter prioridade para as UCs, e as pastagens, para expansão agrícola.

A região abriga mananciais de água decisivos para abastecimento energético, agrícola e urbano. Mas 9 entre 10 de suas bacias tiveram vazões reduzidas desde 1985, resultado da combinação de perda de vegetação e mudança do clima.

Há dúvidas sobre a vontade do poder público de priorizar o cerrado. Na Casa Civil, Lula instalou Rui Costa, ex-governador da Bahia, estado que concentrou em seu governo perdas no bioma; já o Congresso acoita na bancada ruralista obstáculo a medidas ambientais.

Ajudaria se a União Europeia incluísse a savana brasileira na restrição, anunciada em abril, a commodities ligadas ao desmatamento.

O poder dos mitômanos

O Estado de S. Paulo

Na política da pós-verdade, Trump e George Santos parecem ganhar mais votos quanto mais desmoralizam a realidade; para competir com essa gente, é preciso provar que a verdade é valiosa

Na política da pós-verdade, Trump e Santos ganham votos ao desmoralizar realidade.

Em 2022, Long Island (NY) elegeu um deputado republicano que se dizia descendente de vítimas do Holocausto e do 11 de Setembro, diplomado em prestigiosas universidades, executivo da Broadway e Wall Street, multimilionário e filantropo. Hoje, seus eleitores se descobriram representados por um picareta indiciado por 13 crimes federais.

O surpreendente é que não são revelações surpreendentes. Já nas eleições, adversários denunciaram George Santos como um mentiroso descarado. O jornal local Leader endossou o candidato democrata, mesmo querendo apoiar um republicano, mas Santos era “tão bizarro, inescrupuloso e cara de pau que não podemos”. A maioria do eleitorado, ao contrário, só queria ser representada por um republicano, por mais cara de pau que fosse. Muitos se arrependeram, mas em vão, porque os republicanos, de quem depende a deposição de Santos, estão preferindo a lealdade à decência.

Santos não é só trapaceiro. É mitômano. Mas um mitômano que emprega sua psicopatia a favor da trapaça. “É o congressista que os EUA merecem”, disse a revista The Economist, que acrescentou: “É o homem certo para uma democracia em que vencer importa mais que qualquer coisa”. O mesmo vale para Donald Trump, que ascendeu à Casa Branca contando mentiras facilmente desmontáveis e tentou sequestrá-la com a maior mentira da democracia moderna americana: a de que as eleições foram “roubadas”. Mas, por incrível que pareça, Trump, que continua a mentir entre uma diástole e uma sístole, ainda é o presidenciável republicano favorito. Na política da pós-verdade, gente como Trump e George Santos parece ganhar mais votos quanto mais desmoraliza a realidade.

Mentiras são o pão de muitos políticos desde que existe a política. Mas elas eram fabricadas para se passar por verdades. “Tal como se diz que a hipocrisia é o maior tributo à virtude, a arte de mentir é o mais forte reconhecimento do poder da verdade”, disse William Hazlitt. Não mais. O prefixo “pós” sugere que a verdade já não é essencial, tornou-se obsoleta – e, em muitos sentidos, agora é indesejada por uma parte dos eleitores. Na política da pós-verdade as emoções são elevadas acima da razão, como princípio da ação política. As mentiras já não são contadas para convencer os eleitores de uma falsa realidade, mas para inflamar seus preconceitos, ressentimentos, paranoias.

Como disse o criador do termo “política da pós-verdade”, David Roberts, ela é uma cultura “na qual a política – a opinião pública e as narrativas da mídia – se tornou quase inteiramente desconectada das políticas públicas – a substância da legislação”. A política se torna uma disputa eleitoral permanente, mas não, como outrora, por visões de Estado, e sim pela autopromoção e comoção pública, como nos reality shows e nas redes sociais.

“Infelizmente, a mágica do retorno pós-eleições à normalidade parece ter se perdido. A política democrática hoje é consumida por um senso de extrema urgência, em que não há lugar para concessões. Essa política é um choque de duas imaginações apocalípticas”, diagnosticou o escritor Ivan Krastev. “À esquerda, ativistas ambientais acreditam que, se não agirmos já, então, amanhã ou depois de amanhã, não haverá mais vida humana na Terra. A direita nativista, de sua parte, é guiada não pelo medo do fim da vida como tal, mas pelo medo de que nosso ‘modo de vida’ esteja a ponto de acabar. Ambos compartilham um senso de que estamos empenhados em uma ‘luta final’.”

As democracias foram transformadas “pelo poder dos sentimentos de modo que não podemos ignorar ou reverter”, disse William Davies, no livro Estados Nervosos. Isso não significa que os que creem em uma política baseada em evidências e racionalidade devem abandonar suas convicções. Mas precisam encontrar modos de disseminálas com paixão genuína. Se quiserem recuperar seu protagonismo no drama democrático, precisarão de fórmulas criativas para atrair os apáticos à vida pública e esfriar a cólera dos zelotas. Mas, para competir com os mentirosos profissionais, precisarão provar que a verdade não é só valiosa, mas arrebatadora.

A construção de um mau caminho

O Estado de S. Paulo

Indicação de Zanin para o STF sintetizaria o Lula 3: fiel a seus caprichos e indiferente ao interesse público. Dizem que Zanin é um bom advogado, mas isso não basta para ser um bom ministro

A cada dia, a indicação de Cristiano Zanin ao Supremo Tribunal Federal (STF) é dada como mais certa. Segundo o Estadão, o presidente Lula da Silva estaria decidido a indicar seu advogado para a Corte, apesar de todas as pressões contrárias do próprio PT. Além disso, o terreno para a indicação parece cada vez mais preparado no Judiciário e no Legislativo. Em entrevistas, ministros do Supremo, bem como os presidentes do Senado e da Câmara, têm dito não haver objeções ao nome de Zanin.

Chama a atenção que, nas manifestações de apoio a Cristiano Zanin, o máximo que se diz é que se trata de um advogado competente. “Eu reputo (Zanin) como um ótimo advogado”, disse o ministro Gilmar Mendes. Não há dúvida de que isso é um grande elogio, mas a questão é: basta ser um bom advogado para ser ministro do Supremo?

Segundo a Constituição, os integrantes do STF devem ser “cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. É um patamar exigente. Compor a Corte constitucional requer mais do que uma excelência na práxis da advocacia. É preciso ter notável saber jurídico. E aqui, sem desmerecer Cristiano Zanin, é de justiça reconhecer a completa ausência de qualquer conhecimento sobre ele. Não se sabe o que ele pensa. Suas posições jurídicas são uma incógnita. Não há nada a indicar sua específica compreensão do Direito e da Constituição. Ou seja, simplesmente não se sabe qual é, de fato, o seu saber jurídico.

Para preencher o requisito constitucional, não basta ter profundo conhecimento do Direito. É preciso que esse conhecimento seja notável. Não deve pairar nenhuma dúvida sobre ele. Caso contrário, já não será “notável”. Essa dimensão pública do saber jurídico da pessoa indicada para o Supremo relaciona-se diretamente com o papel da Corte, que precisa dispor de autoridade.

A população não precisa gostar dos ministros, tampouco concordar com suas posições. Mas é imprescindível que não haja nenhuma sombra sobre seu saber jurídico. Por isso, não é nenhum demérito, a princípio, não preencher os requisitos constitucionais. As exigências específicas para integrar o Supremo – notável saber jurídico e reputação ilibada – expressam o necessário cuidado com a Corte constitucional, de forma a que ela tenha condições de exercer adequadamente sua função contramajoritária de defesa da Constituição.

Esse cuidado com o STF, indicando pessoas que indiscutivelmente cumprem os requisitos constitucionais, é aspecto essencial do zelo pelo Estado Democrático de Direito. De outra forma, a Constituição ficará desprotegida. As decisões da Corte que eventualmente contrariem a opinião da maioria da população serão mais vulneráveis à resistência. O caráter jurídico dos julgamentos do STF será mais facilmente contestado. Nada disso é mera questão teórica. Para defender eficazmente as liberdades fundamentais e as instituições democráticas, o Supremo precisa ter autoridade reconhecida, com ministros de reputação ilibada e notável saber jurídico. Não basta ser um bom advogado.

É frequente a avaliação de que, nesses primeiros meses de governo, Lula da Silva tem escutado pouco e agido de forma teimosa – ou mesmo arbitrária – em muitos assuntos. De certa forma, a indicação de Cristiano Zanin para o STF seria a síntese perfeita desse modo obnubilado de governar. Ao efetuá-la, o presidente explicitaria que, indiferente às exigências constitucionais, é fiel apenas a seus impulsos, gostem os outros ou não.

Por óbvio, esse jeito de governar gera sérios problemas ao País. O despotismo serve para realizar caprichos, não para identificar e implementar o interesse público. No entanto, em geral, há a possibilidade de retificar o rumo. Por exemplo, mesmo que não haja expectativa de nenhuma grande mudança em Lula, é possível esperar que, no segundo semestre, ele não erre tanto como tem errado até agora. O problema é que, em relação à indicação ao STF, não há essa possibilidade de correção. Feita a escolha equivocada, não há volta, como Lula bem sabe.

A responsabilidade dos bancos centrais

O Estado de S. Paulo

Especialistas alertam que BCs precisam aprimorar as normas de controle de risco dos bancos

Os principais bancos centrais (BCs) do Ocidente estão sendo criticados – duramente – por não exercerem da forma adequada seu papel de fiscalizador das instituições financeiras sob sua supervisão. O detonador das observações negativas sobre sua atuação é a crise bancária que afeta especialmente o mercado norteamericano, mas que também levou à compra do Credit Suisse pelo seu maior concorrente, o UBS.

Se a crise se alastrar, poderá afetar a ainda frágil retomada da economia mundial, como alertaram os ministros da Fazenda da Ásia numa reunião no início do mês na Coreia do Sul. Suas preocupações foram resumidas no discurso do ministro japonês, Shunichi Suziki: “Os crescentes riscos financeiros observados na recente turbulência do setor bancário nos Estados Unidos e na Europa podem prejudicar a recuperação econômica global”.

Na sexta-feira, chamou a atenção o tom severo com que o Banco Central Europeu (BCE) foi tratado pelo Tribunal de Contas Europeu abordando questões técnicas. O BCE, afirma o comunicado, tem sido muito negligente na supervisão dos maiores credores da zona do euro, ao se pedir maiores garantias de que “o risco de crédito seja administrado e coberto adequadamente”. Os auditores indicaram que o banco central dos europeus não foi suficientemente agressivo ao pressionar os bancos da zona do euro a reduzir o elevado nível de inadimplência dos empréstimos. O BCE teria sido lento nos critérios para capital mínimo das instituições bancárias.

O relatório, de 121 páginas, veio coroar uma série de comentários desfavoráveis aos bancos e alertas de que a crise bancária não terminou, feitos por especialistas. Uma das vozes críticas foi de Lucrezia Reichlin, professora de economia da London Business School, numa entrevista divulgada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

A economista reconheceu que, nos últimos anos, os bancos centrais intervieram proativamente como provedores de liquidez e aprenderam a fazer isso melhor do que no passado. O senão que ela levanta é que o sistema atual do modelo de negócios dos bancos, em muitos países, não exige que os empréstimos sejam totalmente garantidos por depósitos. A recente crise é um lembrete doloroso da “instabilidade fundamental” desse modelo, afirmou Reichlin.

Num artigo para o Financial Times, outro especialista, Amit Seru, professor da Universidade Stanford, informou que no Silicon Valley Bank, um dos bancos que entraram em colapso em março, nos Estados Unidos, 92,5% dos depósitos não eram segurados no fim do ano passado.

No caso de iliquidez de um banco, as autoridades monetárias de um país precisam considerar como atuar para evitar que outras instituições financeiras sejam contagiadas. E aí que mora o perigo para o bolso das pessoas – às vezes, o banco central usa o dinheiro dos contribuintes para evitar o impacto da falência de um banco.

No âmago desses e de outros alertas estão a preocupação com os rumos da economia mundial e a necessidade de aprimorar a fiscalização e o controle do sistema bancário, essencial para o funcionamento adequado de qualquer economia.

Economia desacelera devagar e inflação resiste

Valor Econômico

A maior parte do esforço antinflacionário já foi feita

A economia está desacelerando mais devagar do que o previsto no fim do ano e, enquanto sobem as projeções para o PIB de 2023, a perspectiva de desinflação, como decorrência, marca passo. O IPCA de abril, de 0,71% (0,61% em março), ficou acima das expectativas dos analistas, com sinais de piora na qualidade dos indicadores. A média dos núcleos de inflação avançou no mês, assim como os preços dos serviços e o índice de difusão, a proporção dos itens em alta em relação ao total da cesta do IPCA.

A inflação em 12 meses recuou para 4,18%, dentro da meta, mas não permanecerá aí por muito tempo. No segundo semestre, com a saída da base de cálculo das deflações de julho, agosto e setembro do ano passado, o IPCA deve se deslocar para perto da previsão contida no boletim Focus, de 6%. A resistência da inflação expressa nos núcleos joga contra um início próximo da redução das taxas de juros pelo Banco Central, a menos que em junho, o Conselho Monetário Nacional mude a meta de inflação dos próximos anos ou amplie a banda de variação - talvez o único expediente possível que conduza o BC a flexibilizar a curto prazo a política monetária. Os efeitos de uma possível mudança sobre as expectativas de inflação de médio prazo tendem a ser negativos, porém.

A média dos cinco núcleos levados em conta pelo BC para sentir o pulso da inflação se elevou de 0,37% para 0,51% em abril, mas recuou em 12 meses, de 7,78% para 7,31%, colocando-se a 2,56 pontos percentuais distante do teto da meta, de 4,75%, segundo cálculo da MCM Consultores. A média desses núcleos de três meses anualizada, com ajuste sazonal, não dá conforto e foi de 6,6% em abril. Os preços dos serviços tiveram variação positiva superior a de março, de 0,25% para 0,52%, e de 7,52% em 12 meses, tendência igualmente observada pelos serviços subjacentes, mais aderentes ao estágio do ciclo econômico.

Reajuste de remédios autorizados pelo governo empurraram o IPCA no mês, com impacto de 0,19 ponto percentual do item saúde e cuidados pessoais, seguido por alimentos (principalmente leite e tomate) e bebidas, com 0,15 ponto percentual. Em doze meses, a variação dos alimentos se afastou bastante do pico de dois dígitos, ainda que acima da média do IPCA, com 5,88%. Saúde e cuidados pessoais, por seu lado, são o segundo item com maior alta em um ano, com 11,71%, um pouco atrás de vestuário, com 12,9%. Apesar do desvio, a tendência para alimentos é favorável, com a perspectiva de próxima safra recorde.

Os preços dos serviços indicam pressão de demanda ainda intensa, que será contida pelos juros altos, mas de forma vagarosa porque enquanto o BC tenta desacelerar as atividades, o governo faz o contrário. A PEC de Transição deu à nova administração a possibilidade de ampliar gastos em R$ 165 bilhões. O novo regime fiscal elaborado pela equipe econômica pretende fazer um ajuste pelo lado das receitas, para acomodar gastos que crescerão sempre acima da inflação. Incentivos à economia não param de chegar.

Em maio, o salário mínimo teve aumento real de 2,8%. O Planalto antecipou o 13º salário de aposentados e pensionistas de agosto e novembro para maio e julho, o que significa mover no calendário o pagamento de algo em torno de R$ 60 bilhões. A tabela de imposto de renda de pessoas físicas foi atualizada para isentar quem ganha até 2 salários mínimos, beneficiando ao menos 13,7 milhões de pessoas, retirando o desconto na fonte de quem ganhava acima de R$ 1903,98 até, agora, R$ 2.640. Em junho, é a vez de ser pago o reajuste salarial de 9% do funcionalismo federal. Os pagamentos mensais do Bolsa Família atingem a média de R$ 714, o triplo do pagamento anterior, acrescentando mais R$ 70 bilhões ao que já fora pago no último ano do governo de Jair Bolsonaro.

Se a política fiscal deixará de ser expansionista para ser neutra ou moderadamente contracionista dependerá em parte do êxito do ministro Fernando Haddad em ampliar as receitas da União em mais de R$ 100 bilhões e reduzir o déficit primário previsto para o ano de R$ 220 bilhões para pouco mais de R$ 50 bilhões (0,5% do PIB), como prometido no novo regime fiscal.

Esse enxugamento de recursos pode ajudar por ora o Banco Central na tarefa de acelerar a volta da inflação à meta. A nova política de preços da Petrobras declaradamente trará reajustes menores dos combustíveis do que a anterior e, no curto prazo, há folga nos preços para que eles sejam reduzidos, o que também ajuda o IPCA.

Não é possível prever com precisão a resultante do jogo contraditório de forças da política monetária e da política fiscal. O efeito principal é mais do mesmo: a economia não está esfriando tanto quanto deveria diante de uma carga cavalar de juros, e as estimativas de crescimento estão subindo e não caindo, como deveria ocorrer. Em decorrência, a inflação não está sendo reduzida na velocidade esperada, retardando a queda da taxa de juros que também provavelmente será mais lenta do que poderia ser. A maior parte do esforço antinflacionário já foi feita e não falta muito para que o IPCA volte a ser comportado. Falta apenas paciência ao governo para que isso aconteça.

 

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