terça-feira, 30 de maio de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Crescem os investimentos privados na infraestrutura

Valor Econômico

Políticas intervencionistas reforçam o clima de instabilidade no ambiente regulatório e de negócios

Apesar das dúvidas com a trajetória dos juros e os resultados do novo regime fiscal, especialistas projetam o aumento dos investimentos em infraestrutura neste ano, vitais para reduzir o custo Brasil e pavimentar o caminho do crescimento. Como vem acontecendo há quase duas décadas, é o setor privado que vai liderar o movimento, com a 60% a 70% do total investido, dadas as restrições fiscais do setor público.

Os números, no entanto, ainda ficam aquém do necessário - na verdade, são a metade do desejável. Superar a defasagem significa enfrentar importante fator de ônus para as empresas brasileiras. Dispor de infraestrutura é nada menos do que o terceiro fator do custo Brasil, medido por estudo do Movimento Brasil Competitivo (MBC) feito em parceria com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e Fundação Getulio Vargas. A infraestrutura insatisfatória representa 15% do custo Brasil, estimado em R$ 1,7 trilhão, ficando à frente do crédito e atrás apenas da formação de capital humano e dos gastos com tributos.

O crescimento do investimento em infraestrutura esbarra, no entanto, em obstáculos como a posição do governo em questões como a capitalização da Eletrobras e o Marco do Saneamento Básico. A demora no desenho do programa que vai ser o sucessor do novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) indica que o processo está atrasando não só porque o presidente Lula deseja que tenha um nome criativo.

A consultoria Inter.B estima que o investimento em infraestrutura vai crescer 11,1% neste ano em termos nominais, com a injeção de R$ 204,6 bilhões, dos quais 65% virão do setor privado (Valor 26/5). O maior volume, de R$ 86,2 bilhões, será destinado à energia, dos quais R$ 77 bilhões virão do setor privado, canalizados principalmente para projetos de fontes renováveis.

Em segundo lugar fica o segmento de transportes, com R$ 67,5 bilhões, cuja execução depende sobretudo da capacidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), sujeito muitas vezes a ingerências políticas. Recursos previstos na MP da Transição serão destinados em sua maioria para rodovias, embora seja grande a demanda em outros modais, sobretudo da parte do setor agrícola, às voltas com o escoamento de uma supersafra.

Em seguida vem a área de telecomunicações, com R$ 26,5 bilhões, a única com investimento inferior ao realizado em 2022, ainda assim de apenas 2,2%. E, finalmente, a de saneamento, com R$ 24,4 bilhões projetados, gastos decorrentes do marco legal implantado em 2020. O marco estabeleceu metas de universalização da oferta de água potável, a 99% da população, e de coleta e tratamento de esgoto para 90%, até 2033. O ritmo dos investimentos das concessionárias está aquém do estimado e o questionamento do marco pelo governo Lula, pode atrasar ainda mais os projetos.

O volume investido em infraestrutura neste ano é equivalente a 1,95% do PIB, estimado em R$ 10,5 trilhões. O percentual é ligeiramente superior ao de 1,86% de 2022. Mas, inferior aos 4% do PIB considerados necessários pela Inter.B para impulsionar a economia. Nas duas últimas décadas, o investimento em infraestrutura ficou ao redor de 2% do PIB, caindo abaixo desse patamar recentemente, com queda dos recursos públicos e investimentos privados estáveis.

Para superar essa dinâmica negativa, o governo Lula sinaliza contar com maior atuação do setor público. A experiência com o marco do saneamento deveria ser pedagógica. Três anos depois, as empresas estatais estão bem aquém das metas. O ritmo atual dos investimentos é cerca de um quarto do necessário. Por isso, precisaram da mãozinha do governo para conseguir mais prazo, o que foi providenciado pelo decreto presidencial que agora está sendo questionado pelo Congresso. Não dá para ignorar as restrições orçamentárias que afetam todas as esferas de governo. Abrir espaço nas contas públicas para os investimentos em áreas específicas, com retorno eminentemente social, exige disciplina fiscal.

O questionamento da capitalização da Eletrobras no Judiciário também alimenta o receio de políticas intervencionistas ao reforçar o clima de instabilidade no ambiente regulatório e de negócios e naturalizar a possibilidade de mudanças pelo desígnio do governante do momento. Os reflexos deverão contaminar outras empresas de serviços públicos com perspectiva de privatização como a Copel, Cemig e Sabesp.

O novo marco para as parcerias público-privadas (PPPs), que vai incluir o aval do Tesouro para assegurar garantias a projetos de Estados e municípios, e prevê a emissão de debêntures incentivadas para investimentos em projetos sociais em áreas de educação, saúde, segurança pública, sistema prisional, parques urbanos e unidades de conservação, equipamentos culturais e esportivos, habitação social e requalificação urbana.

O investimento em infraestrutura é de longo prazo. Mudanças nas regras do jogo podem não ter impacto imediatamente porque o capital necessário foi contratado antecipadamente. Mas o impacto futuro é certo.

Vacilos domésticos custarão caro a Lula no exterior

O Globo

Em cinco meses, Lula manteve 30 reuniões com líderes estrangeiros e só nove com parlamentares aliados

Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reúne hoje no Palácio do Itamaraty os presidentes de Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Suriname, Uruguai e Venezuela, está prevista no Congresso a votação do relatório da Medida Provisória que reestrutura os ministérios, esvaziando as pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Com cinco meses de governo, sem conseguir sequer organizar o próprio gabinete como gostaria, Lula parte para mais uma investida internacional.

É esperado que ele dedique tempo e esforço às relações externas, ainda mais depois de Jair Bolsonaro ter transformado o país num “pária”. Também é evidente que, pela proximidade, as nações sul-americanas merecem atenção. A cúpula de hoje, porém, é apenas mais um evento num padrão que se repete desde o início do governo: tempo demais dedicado à política externa; tempo de menos dedicado à política interna. Levantamento do GLOBO mostrou que Lula se reuniu apenas nove vezes com deputados e senadores de partidos aliados desde a posse até a sexta-feira. No mesmo período, manteve 30 encontros com chefes de governos estrangeiros. Até os almoços com a primeira-dama foram mais numerosos.

Se a base governista no Congresso estivesse montada e operando sem solavancos, as seis viagens internacionais — mais de uma por mês — passariam despercebidas. Infelizmente, a situação é distinta. A aprovação do novo arcabouço fiscal neste mês foi uma vitória excepcional para um governo que, até o momento, não consolidou um bloco parlamentar fiel e consistente.

Obviamente a tarefa é hoje mais desafiadora do que já foi. Para evitar sofrer um processo de impeachment, Bolsonaro cedeu poder às lideranças do Congresso por meio de emendas orçamentárias. Mesmo limitadas por decisão judicial, elas ainda são controladas pelos presidentes da Câmara e do Senado. Como resultado, o Executivo deixou de dispor de moedas de troca eficazes para fazer sua agenda andar no Congresso.

A correlação de forças entre Executivo e Legislativo é distante da vivida por Lula nos dois primeiros mandatos. Há um lado positivo no protagonismo assumido pelo Parlamento, pois ele equilibra os arroubos extremos de um governo povoado por vários matizes da esquerda. Foi assim com o arcabouço fiscal, cujos contornos foram endurecidos durante a votação no Congresso (muito embora a versão final deixe a desejar no que diz respeito à confiança no controle das contas públicas).

Noutras agendas, contudo, o papel do Parlamento tem se revelado nocivo. É o caso da pauta ambiental. Além de esvaziar a pasta do Meio Ambiente, os parlamentares afrouxaram a lei de proteção da Mata Atlântica (Lula deverá vetar a medida) e se preparam para enfileirar uma série de medidas de potencial nefasto, como tolerância com agrotóxicos, dispensa de licença ambiental para obras de infraestrutura e maior prazo para grileiros regularizarem terras invadidas. Nem no próprio PT há consenso sobre pautas ambientais.

A incapacidade de Lula conduzir a política doméstica lhe custará caro no front externo. Caso a “boiada” toda passe, é fácil prever o que acontecerá com a imagem do Brasil lá fora. Será difícil Lula convencer parceiros que exigem compromisso ambiental para firmar acordos comerciais (como a União Europeia). E nenhuma cúpula ressuscitará as pretensões brasileiras de liderar o planeta rumo à economia limpa.

Rastreamento de ouro ilegal é exemplo positivo de ação da polícia

O Globo

Sem disparar um tiro, programa pode sufocar a exploração em reservas indígenas e áreas de preservação

Uma das causas da ineficiência da polícia brasileira é o uso sofrível de ferramentas tecnológicas e inteligência. A prioridade continuam a ser ações espetaculares, marcadas pela violência, com frequência terminando em tragédia. O resultado é a estatística macabra de mortes, inclusive de agentes — a polícia que mais mata é a que mais tem baixas. Nesse contexto é preciso valorizar o exemplo que a Polícia Federal dá ao investir em identificar em laboratório o ouro ilegal, cuja lavra e venda é um crime em ascensão, de mãos dadas com a lavagem de dinheiro, o contrabando e a evasão de divisas.

A decisão da PF de sistematizar a identificação da origem do ouro partiu da apreensão, em janeiro de 2020 no Aeroporto Internacional de Manaus, de 35 quilos de ouro na bagagem de dois homens. As pepitas, cujo destino eram os Estados Unidos, apresentavam documentação aparentemente legal, porém o ouro, uma vez analisado, apresentava traços de oxidação e mercúrio, características encontradas no minério com origem em garimpos ilegais, situados em barrancos, margens de rios ou reservas indígenas, como a ianomâmi.

A PF lançou então a Operação Ouro Alvo, que apreendeu no ano seguinte 221 quilos de ouro, maior volume desde 2010, 12% acima de 2020 e 38% acima de 2019. O trabalho de análise da composição do minério, em estado bruto ou transformado em lingotes e joias, cabe ao Setor de Perícias em Geologia da PF, que usa o laboratório de alta tecnologia do Instituto Nacional de Criminalística (INC), em Brasília.

O objetivo é concluir até o final do ano o mapeamento das características do minério encontrado em várias regiões e, com esse catálogo dos diversos DNAs do ouro brasileiro, identificar a origem das apreensões, que se multiplicam. “Estamos identificando o DNA do ouro com a ajuda de equipamentos que fazem a análise de isótopos e conseguem apontar se um lingote apreendido tem 70% de ouro da Terra Yanomami ou 30% da jazida do Tapajós”, diz o delegado Humberto Freire, chefe da Diretoria de Amazônia e Meio Ambiente.

Baseadas na tecnologia e na ciência, as investigações ganham eficácia. Na montagem do primeiro catálogo, o objetivo é obter a composição do ouro retirado em pelo menos 15 estados. Os peritos da PF têm coletado amostras do solo das regiões para comparar suas características com a do ouro confiscado ou fornecido pelas mineradoras. Eles acompanharam agentes na retirada de garimpeiros ilegais das terras ianomâmis e, de helicóptero, desceram em comunidades de garimpo para extrair amostras.

Até agora, a PF obteve 509, de dez estados, entre eles Roraima e Amazonas, os mais visados pelos esquemas criminosos de garimpo. A intenção das autoridades é acabar com a percepção dos criminosos de que é difícil rastrear o ouro a partir da origem. Dessa forma, a exploração ilegal será sufocada, sem que seja necessário disparar um tiro.

Triunfo autocrático

Folha de S. Paulo

Reeleito na Turquia, Erdogan se vale de geopolítica, mas economia vive crise

Recep Tayyip Erdogan jamais tivera tanta dificuldade em vencer uma eleição presidencial na Turquia. O autocrata precisou recorrer a medidas econômicas e favores eleitoreiros que devem provocar piora da grave crise inflacionária.

Sua campanha, em boa parte baseada em guerras culturais, contribuiu para divisão ideológica e regional ainda maior da sociedade.

Assim, bateu Kemal Kilicdaroglu, seu adversário centrista e mais laico, por 52,2% a 47,8% dos votos do segundo turno. Somados os anos como premiê e os do terceiro mandato presidencial que acaba de conquistar, terá permanecido 25 anos no poder.

A dúvida é em que condições poderá manter o projeto de fazer da Turquia uma potência regional.

O país cresceu em ritmo extraordinário desde que Erdogan chegou ao poder, em 2003. O nível de renda médio mais do que dobrou —hoje, é o dobro do brasileiro. A economia, porém, vive uma crise de superaquecimento, entre outros problemas, com inflação anual de 44%, déficit externo crescente e gasto público desordenado.

A fim de evitar desvalorização maior da lira turca, o governo intervém no câmbio e eleva a dívida em moeda forte, sujeitando o país a um colapso financeiro. Sua política é heterodoxa a ponto de reduzir juros a fim de conter a carestia.

Erdogan, com seu clientelismo e sua pregação nacionalista, conservadora e religiosa, conta com eleitorado fiel. Seu partido, Justiça e Desenvolvimento, é o que tem mais filiados, com grande enraizamento e capilaridade. A campanha contra liberdades democráticas não abalou seu prestígio entre mais de metade da população.

O presidente tem aliados relevantes. Condenou a invasão da Ucrânia, mas não aprovou sanções contra a Rússia. Vende armas aos ucranianos e os ajudou a escoar a produção agrícola, mas obtém energia e ajuda financeira russas.

Países petroleiros do Golfo também auxiliam Erdogan com financiamentos. Da Europa, recebe dinheiro para que contenha a corrente de imigrantes e refugiados de crises e guerras do Oriente Médio, em particular da Síria.

Membro da Otan, a Turquia barra por ora a entrada da Suécia na organização militar, mas deve trocar a aprovação do país escandinavo por ajuda militar americana. Erdogan é capaz de grandes barganhas, valendo-se da posição geoestratégica de seu país.

Apesar de protestos por vezes protocolares, EUA e União Europeia não têm interesse na queda do presidente turco —que, se tiver habilidade para conter a crise econômica, pode ter ainda um grande futuro autocrático pela frente.

Repensar São Paulo

Folha de S. Paulo

Próximo à votação, mudanças polêmicas no Plano Diretor exigem debate público

Lá se vão quase 70 anos desde que as autoridades paulistanas propalavam, com indisfarçável orgulho, que São Paulo era "a cidade que mais crescia no mundo".

Se o slogan dos festejos do quarto centenário, em 1954, anteviu o que seria a maior metrópole da América Latina, a expansão vertiginosa e desenfreada produziu iniquidades urbanísticas em série.

O escasso planejamento e um certo fetiche rodoviarista de seus governantes legaram ocupações em regiões sensíveis, como morros, entornos de cursos d’água e represas; impermeabilização excessiva do tecido urbano; inequivalência de infraestrutura nos bairros, a destacar malha de transportes e áreas verdes; bolsões de pobreza nas franjas da cidade.

Em meio à emergência climática, projetar um regramento que oriente o crescimento sustentável da capital —e que ao menos mitigue graves equívocos do passado— é uma imposição premente.

Torna-se inevitável e bem-vinda, portanto, a revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, que determina, entre outros pontos, a distribuição e proporcionalidade de moradias, serviços e indústrias.

Aprovado em 2014, ainda na gestão Fernando Haddad (PT), o plano atual teve sua atualização adiada em 2021, devido à pandemia, e segue em discussão, agora sob a administração Ricardo Nunes (MDB).

A necessidade, contudo, não justifica o açodamento em curso. Dias antes da votação do projeto na Câmara Municipal, marcada para quarta-feira (31), o relator Rodrigo Goulart (PSD) apresentou substitutivo que altera significativamente o texto original —que havia sido discutido por meses entre especialistas, autoridades e munícipes em audiências públicas.

Reportagem desta Folha apontou que construtoras propuseram 26 alterações: 15 delas foram incluídas e 3 parcialmente acatadas.

Entre os pontos polêmicos estão a possibilidade de ampliar a verticalização, com prédios mais altos, e as vagas de garagem no entorno de corredores de ônibus e estações de metrô. São justamente nesses locais que hoje estão mais da metade dos lançamentos imobiliários.

De forma correta, o Ministério Público de São Paulo entrou com pedido de liminar para que a tramitação seja interrompida e ocorram novas audiências públicas.

O que está em jogo é o futuro da cidade: adensamento desordenado, mais carros nas ruas e moradias populares afastadas dos eixos de transporte certamente não contemplam o interesse público.

Toga não é esporte fino

O Estado de S. Paulo

Se o STF quer que suas prerrogativas sejam respeitadas, deve se dar ao respeito.

Na sexta-feira, o presidente Lula da Silva recebeu ministros e congressistas aliados no Palácio da Alvorada para um churrasco. Mais do que mera confraternização, a festa era temática: os revezes do governo no Congresso. Não por acaso os presidentes das duas casas legislativas não foram convidados. Mas lá estavam dois ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes (também presidente do Tribunal Superior Eleitoral), além do recém-aposentado Ricardo Lewandowski.

A esta altura, ministros do Supremo já deveriam saber que toga não é traje esporte fino, desses que se usam em festas informais. É evidente que os dois ministros foram convidados não por suposta amizade com o presidente, e sim porque integram o STF, lugar por onde trafegam interesses do governo.

Assim, se já seria inadequada a presença dos ministros num convescote governista, tanto pior quando ele tem tinturas políticas. Em particular, foi uma oportunidade para alinhar as bases após as medidas do Congresso que evisceraram o Ministério do Meio Ambiente e outros. O caso pode parar no STF. Como fica a percepção de independência dos ministros? Lula aproveitou para comunicar aos comensais que indicará seu amigo e advogado, Cristiano Zanin, para a vaga de Lewandowski.

Não é de hoje que o Judiciário conspurca sua já precária reputação de isonomia mantendo relações esquisitas com o poder político e econômico. Ora, no poder público, em especial no Judiciário, a compostura é lei. Ela exige que os juízes sejam não só seus primeiros cumpridores, mas falem apenas nos autos, sejam conscienciosos com os limites de suas funções, não busquem holofotes nem usem o cargo para promover convicções pessoais. Não basta ao judiciário ser isento. É preciso parecer.

Pela lei, juízes podem, por exemplo, exercer atividade acadêmica, mas não “o comércio ou participar de sociedade comercial”. Há, porém, os que têm empresas de educação. Também frequentam todo tipo de eventos e “seminários” em resorts de luxo bancados por empresas que têm ações multimilionárias na Justiça. Recentemente, o ministro Nunes Marques viajou a Paris com as despesas pagas por um advogado para assistir a Roland Garros e à Champions League. Dias Toffoli passeou na casa de veraneio do então ministro Fábio Faria, genro do empresário Silvio Santos e filho do ex-governador Robinson Faria, que responde a uma investigação por corrupção no STF relatada por Toffoli.

Com a presença de empresários e ministros do STF, a diplomação do presidente Lula foi comemorada na mansão do advogado antilavajatista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay – aquele que tirou fotos desfilando de bermuda pela sede da Suprema Corte como se fosse a extensão de seu quintal. No dia seguinte a um almoço com Alexandre de Moraes, Lula indicou dois aliados do ministro para o TSE. Mais cedo ou mais tarde, a Corte se debruçará sobre os processos que pedem a inelegibilidade do maior adversário de Lula, Jair Bolsonaro. Qual será a percepção da população sobre sua isenção?

Por disfunções históricas do “presidencialismo de coalizão”, há muito tempo o STF tem sido instado a arbitrar impasses entre o Executivo e o Legislativo ou entre as próprias lideranças partidárias. O corolário é não apenas a judicialização da política, mas a politização da Justiça. Consolidou-se uma tendência dos ministros de interpretar as leis e a Constituição de modo extensivo e criativo, como se coubesse à Corte não só aplicar a lei, mas fazer a “justiça social” que os representantes eleitos não fazem. O ministro Dias Toffoli chegou a dizer que os ministros são “editores de um país inteiro”, e Luís Carlos Barroso, que seu papel é “empurrar a história na direção certa”.

Se as críticas excessivas de “ativismo judicial” têm tanta aderência na população é porque há um fundo de verdade genuíno nelas. O STF tem sido alvo de difamação, intimidações e ataques frontais, como no 8 de Janeiro, com o objetivo de tolher sua autonomia, independência e respeito junto à população. As forças republicanas têm se esforçado por defender essas prerrogativas. Mas é preciso que a Corte as ajude a ajudá-la. Quem quer ser respeitado precisa se dar ao respeito.

Muito otimismo e pouca ambição

O Estado de S. Paulo

IFI estima receitas bem mais modestas que as projetadas pelo governo, o que pode comprometer a credibilidade de um arcabouço fiscal que não mexe nas despesas

O arcabouço fiscal ainda precisa do aval do Senado, mas a aprovação da proposta pela Câmara foi suficiente para melhorar as expectativas sobre a economia. Até o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, reconheceu que as taxas de juros longas já caíram quase 2% nas últimas semanas e admitiu que o risco de descontrole da inflação foi descartado. As incertezas em relação ao efetivo funcionamento do dispositivo, no entanto, permanecem presentes, como indicou a mais recente análise da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.

Desde a apresentação do arcabouço pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ficou claro que o governo contava com um incremento nas receitas para reverter o déficit primário. No lugar de estimativas de recuperação da arrecadação que alcançam a marca de R$ 135,2 bilhões neste ano e de R$ 645 bilhões até 2025, como prevê o ministro, a IFI traz projeções bem mais modestas sobre as medidas que o Executivo tem à mão para voltar a registrar superávits.

Divulgada logo após a aprovação do arcabouço pela Câmara, a edição de maio do Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) da IFI estima que o governo poderá contar com R$ 63,4 bilhões extras em 2023 e cerca de R$ 305 bilhões até o fim de 2025 – menos da metade do que espera arrecadar, portanto.

Uma das principais diferenças entre as previsões da IFI e as do governo diz respeito aos recursos oriundos de decisões de tribunais superiores sobre questões tributárias. Elas proíbem – ou podem proibir – as empresas de usarem benefícios fiscais oriundos de um imposto estadual, o ICMS, para reduzir a base de incidência de tributos federais como o Imposto de Renda e a CSLL e obter créditos de PIS e Cofins.

Não há pessimismo da parte da instituição, mas uma prudência que o governo faria muito bem se incorporasse às suas projeções. No primeiro caso, ainda pendente de uma decisão final, a IFI considera que o impacto é “bastante incerto e de difícil previsão”, uma vez que as disputas podem se estender por anos; no segundo, em que houve sentença favorável ao governo, o efeito é positivo, mas bem menor do que a Fazenda espera. Isso explica por que, em vez do déficit zero que o governo prevê em 2024, a IFI estima um déficit primário de 1% do Produto Interno Bruto (PIB).

Para além da análise dos números, a diretora da instituição, Vilma da Conceição Pinto, fez uma avaliação qualitativa do arcabouço. Segundo ela, o dispositivo é mais flexível que o teto de gastos, mas também mais complexo, o que aumenta o risco de descumprimento da norma. Crítica semelhante foi feita por Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset e ex-secretário do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, em entrevista ao Estadão. Para ele, a reação do mercado seria ainda melhor se o limite de despesas não tivesse sido afrouxado já no primeiro ano de sua vigência.

Ainda há chances de que o Senado faça ajustes ao texto aprovado pela Câmara para tornar mais claras as regras do arcabouço, mas alterações estruturais, que tornem o mecanismo mais rígido, são improváveis. É uma pena, pois uma política fiscal mais austera não é um fim em si ou uma obsessão de economistas ortodoxos.

De forma imediata, o arcabouço contribuiu para criar um ambiente mais benigno ao controle da inflação e à redução dos juros, mas há dúvidas sobre se ele conseguirá garantir a sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazos. Mas se almejasse mais do que uma recuperação pouco realista das receitas e focasse também na redução das despesas, o dispositivo teria mais credibilidade e, de forma indireta, favoreceria a tramitação de uma reforma tributária, próximo item da lista de prioridades de Haddad.

O ministro, assim como todos aqueles que acompanham o tema, defende uma reforma tributária que conduza a um sistema mais simples, justo e progressivo. A maior ameaça à aprovação da proposta, no entanto, é o receio de que as discussões resultem em um aumento da carga, algo que um arcabouço mais espartano e ambicioso teria sido capaz de eliminar.

Virada Cultural sitiada

O Estado de S. Paulo

É triste que um evento que integra os cidadãos à cidade só possa ocorrer sob forte esquema de segurança

“O Viaduto do Chá, a Praça Ramos de Azevedo e as escadarias da Líbero Badaró estavam cercados com tapumes, isolando o Anhangabaú do entorno, como se fosse uma fatia separada da cidade”, informou o Estadão a respeito da área da capital paulista que concentra a maior parte dos shows da Virada Cultural, cuja edição de 2023 ocorreu no fim de semana passado. “Para evitar arrastões, a festa foi feita em cercado”, resumiu um cidadão ouvido pela reportagem.

Eis um enorme contrassenso. Desde sua primeira edição, em 2005, o espírito que anima a Virada Cultural é a ocupação da cidade pelos cidadãos – com alegria, paz e, principalmente, integração entre as pessoas e entre estas e a sua metrópole. Mas, ao que parece, isso só se tornou possível em São Paulo sob um fortíssimo esquema de segurança, que transformou as áreas da cidade onde ocorreram diversas manifestações culturais em perímetros urbanos altamente militarizados.

A Polícia Militar (PM) informou que mobilizou 1,4 mil policiais para garantir a segurança dos cerca de 4 milhões de frequentadores da Virada Cultural deste ano, entre paulistanos e visitantes. O esquema contou ainda com 720 agentes da Guarda Civil Metropolitana (contingente 33% maior em relação a 2022), além de cinco helicópteros e drones. Bastou. De fato, não houve registro de crimes graves, apenas alguns incidentes pontuais.

Ninguém de bom senso haverá de discordar que esse desfecho, no que concerne exclusivamente à segurança pública, foi muito melhor do que o da edição da Virada Cultural do ano passado, quando a cidade pareceu estar sendo abatida por um apocalipse zumbi, marcado por dezenas de arrastões, milhares de pessoas roubadas ou furtadas e seis vítimas esfaqueadas. Prefeitura e governo do Estado, no entanto, precisam encontrar um ponto de equilíbrio entre a frouxidão de 2022 e os rigores de 2023.

A preocupação com a segurança foi tanta que esta foi a edição em que a Virada Cultural não “virou”. Apenas o palco montado no Vale do Anhangabaú, o principal, teve atrações durante a madrugada de sábado para domingo, e mesmo assim com baixíssima presença de público – talvez pelo trauma causado pelo inferno que foi a edição do ano passado.

Uma Virada Cultural cercada por grades e tapumes, com rígido controle de acesso do público às atrações, é em tudo contrária ao propósito fundamental do evento de convidar os cidadãos a ocupar o espaço público como a grande força vital da metrópole que são, sem barreiras ou amarras de quaisquer tipos, sejam físicas ou psicológicas, como o medo. É uma tragédia que, para que ninguém seja roubado ou saia ferido, o espaço público precise ser sitiado.

A Virada Cultural não pode servir para transformar áreas normalmente inseguras em ilhas de paz por um fim de semana. Como, por exemplo, os Dias Nacionais de Vacinação, o evento deve servir como um convite para uma festa no calendário público que celebra – e relembra – práticas que devem ser estimuladas o ano inteiro, como a ocupação do espaço público para além de sua serventia como passagem.

A extrema direita ameaça a Europa

Correio Braziliense

"A nova conquista da direita conservadora se deu na Espanha, onde o Partido Popular (PP), aliado ao Vox, de extrema direita, obteve a maioria dos votos nas eleições regionais de domingo"

O crescimento da extrema direita na Europa tem se mostrado consistente e está longe de seu ápice. Com a população enraivecida diante da disparada da inflação, cujos índices atingiram níveis sem precedentes desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o discurso populista da ultradireita tem se solidificado, sobretudo na classe média, que vê suas conquistas históricas ameaçadas por governos que, no entender dessa camada da população, já não atendem seus anseios. O caldeirão de insatisfação é engrossado pelas constantes ondas de imigração, que, para os europeus menos esclarecidos, significam ameaça real a seus empregos e à política de bem-estar que faz da região uma das menos desiguais do mundo.

A nova conquista da direita conservadora se deu na Espanha, onde o Partido Popular (PP), aliado ao Vox, de extrema direita, obteve a maioria dos votos nas eleições regionais de domingo. O PP retirou do Partido Socialista, do primeiro-ministro Pedro Sánchez, o comando de 10 regiões, algumas delas redutos históricos de legendas de esquerda. Na tentativa de evitar um desgaste maior e de conter o avanço da ultradireita, Sánchez dissolveu o Parlamento e convocou eleições gerais para 23 de julho, pleito que só ocorreria no fim deste ano. Ele acredita que, com essa tacada, ainda conseguirá garantir a maioria parlamentar com a sua agremiação, hoje fechada com o Podemos, de extrema esquerda. Não será tarefa fácil.

O movimento conservador na Espanha abriga parte dos grupos racistas e xenófobos que decidiram mostrar a cara sem constrangimento. O mesmo ocorre em Portugal, em que o Chega, de extrema direita, é o partido que mais cresce nas pesquisas de intenção de votos. A musculatura ganhada pela legenda se alimenta do péssimo momento vivido pelo governo do socialista António Costa, enredado em crises que já derrubaram mais da metade de seu ministério. A insatisfação nas ruas é grande, apesar dos constantes programas anunciados pelo Estado para amenizar os efeitos da carestia no orçamento das famílias. Com maioria absoluta no Parlamento, o Partido Socialista vê seu capital derreter.

Há, inclusive, forte pressão para que o presidente português, Marcelo Rebelo de Souza, dissolva a Assembleia da República e antecipe as eleições gerais. O político, porém, teme que o PSD, de direita e principal legenda de oposição, se alie ao Chega e tome o poder. Seria, no entender dele, um retrocesso inaceitável para um país que está a caminho de completar 50 anos da Revolução dos Cravos, que livrou Portugal de décadas da ditadura de António Salazar, período em que a miséria imperou no país europeu. Os portugueses mais progressistas alertam para o perigo de a península Ibérica se juntar aos ultraconservadores que assumiram o comando de Itália, Suécia, Finlândia, Polônia e Hungria e ameaçam a França.

Impactada pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia, a Europa está sendo obrigada a lidar com uma Turquia que já se transformou em uma autocracia. Pouco mais da metade dos 64 milhões de eleitores daquele país deram o quinto mandato, no domingo, a Recep Erdogan. No total, ele ficará 25 anos no poder — isso, se não se perpetuar no cargo. Os mapas de votação indicaram que o líder turco mantém uma base resiliente entre conservadores e religiosos, que têm sancionado todas as ações do governo para a derrocada da democracia. O cerceamento à liberdade de expressão é evidente, assim como a perseguição a adversários políticos e a opressão às minorias étnicas e às comunidades LGBTQIA .

Ainda há tempo de os europeus interromperem uma virada radical na região, onde a intolerância e o ódio levaram a duas grandes guerras. Infelizmente, não há hoje lideranças moderadas expressivas para conter os radicais da ultradireita. Desde a saída de Angela Merkel do governo alemão, um vácuo se abriu. Há um terreno fértil para que populistas que pregam a segregação, o fechamento de fronteiras e a destruição de políticas sociais incutam entre os insatisfeitos a visão de que eles são a solução para todos os problemas de uma Europa enfraquecida. Que o bom senso prevaleça.

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