Crescem os investimentos privados na infraestrutura
Valor Econômico
Políticas intervencionistas reforçam o
clima de instabilidade no ambiente regulatório e de negócios
Apesar das dúvidas com a trajetória dos
juros e os resultados do novo regime fiscal, especialistas projetam o aumento
dos investimentos em infraestrutura neste ano, vitais para reduzir o custo
Brasil e pavimentar o caminho do crescimento. Como vem acontecendo há quase
duas décadas, é o setor privado que vai liderar o movimento, com a 60% a 70% do
total investido, dadas as restrições fiscais do setor público.
Os números, no entanto, ainda ficam aquém
do necessário - na verdade, são a metade do desejável. Superar a defasagem
significa enfrentar importante fator de ônus para as empresas brasileiras.
Dispor de infraestrutura é nada menos do que o terceiro fator do custo Brasil,
medido por estudo do Movimento Brasil Competitivo (MBC) feito em parceria com o
Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) e Fundação
Getulio Vargas. A infraestrutura insatisfatória representa 15% do custo Brasil,
estimado em R$ 1,7 trilhão, ficando à frente do crédito e atrás apenas da
formação de capital humano e dos gastos com tributos.
O crescimento do investimento em infraestrutura esbarra, no entanto, em obstáculos como a posição do governo em questões como a capitalização da Eletrobras e o Marco do Saneamento Básico. A demora no desenho do programa que vai ser o sucessor do novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) indica que o processo está atrasando não só porque o presidente Lula deseja que tenha um nome criativo.
A consultoria Inter.B estima que o
investimento em infraestrutura vai crescer 11,1% neste ano em termos nominais,
com a injeção de R$ 204,6 bilhões, dos quais 65% virão do setor privado (Valor 26/5). O maior
volume, de R$ 86,2 bilhões, será destinado à energia, dos quais R$ 77 bilhões
virão do setor privado, canalizados principalmente para projetos de fontes
renováveis.
Em segundo lugar fica o segmento de
transportes, com R$ 67,5 bilhões, cuja execução depende sobretudo da capacidade
do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), sujeito
muitas vezes a ingerências políticas. Recursos previstos na MP da Transição
serão destinados em sua maioria para rodovias, embora seja grande a demanda em
outros modais, sobretudo da parte do setor agrícola, às voltas com o escoamento
de uma supersafra.
Em seguida vem a área de telecomunicações,
com R$ 26,5 bilhões, a única com investimento inferior ao realizado em 2022,
ainda assim de apenas 2,2%. E, finalmente, a de saneamento, com R$ 24,4 bilhões
projetados, gastos decorrentes do marco legal implantado em 2020. O marco
estabeleceu metas de universalização da oferta de água potável, a 99% da
população, e de coleta e tratamento de esgoto para 90%, até 2033. O ritmo dos
investimentos das concessionárias está aquém do estimado e o questionamento do
marco pelo governo Lula, pode atrasar ainda mais os projetos.
O volume investido em infraestrutura neste
ano é equivalente a 1,95% do PIB, estimado em R$ 10,5 trilhões. O percentual é
ligeiramente superior ao de 1,86% de 2022. Mas, inferior aos 4% do PIB
considerados necessários pela Inter.B para impulsionar a economia. Nas duas
últimas décadas, o investimento em infraestrutura ficou ao redor de 2% do PIB,
caindo abaixo desse patamar recentemente, com queda dos recursos públicos e
investimentos privados estáveis.
Para superar essa dinâmica negativa, o
governo Lula sinaliza contar com maior atuação do setor público. A experiência
com o marco do saneamento deveria ser pedagógica. Três anos depois, as empresas
estatais estão bem aquém das metas. O ritmo atual dos investimentos é cerca de
um quarto do necessário. Por isso, precisaram da mãozinha do governo para
conseguir mais prazo, o que foi providenciado pelo decreto presidencial que
agora está sendo questionado pelo Congresso. Não dá para ignorar as restrições
orçamentárias que afetam todas as esferas de governo. Abrir espaço nas contas
públicas para os investimentos em áreas específicas, com retorno eminentemente
social, exige disciplina fiscal.
O questionamento da capitalização da
Eletrobras no Judiciário também alimenta o receio de políticas
intervencionistas ao reforçar o clima de instabilidade no ambiente regulatório
e de negócios e naturalizar a possibilidade de mudanças pelo desígnio do
governante do momento. Os reflexos deverão contaminar outras empresas de
serviços públicos com perspectiva de privatização como a Copel, Cemig e Sabesp.
O novo marco para as parcerias
público-privadas (PPPs), que vai incluir o aval do Tesouro para assegurar
garantias a projetos de Estados e municípios, e prevê a emissão de debêntures
incentivadas para investimentos em projetos sociais em áreas de educação,
saúde, segurança pública, sistema prisional, parques urbanos e unidades de
conservação, equipamentos culturais e esportivos, habitação social e
requalificação urbana.
O investimento em infraestrutura é de longo prazo. Mudanças nas regras do jogo podem não ter impacto imediatamente porque o capital necessário foi contratado antecipadamente. Mas o impacto futuro é certo.
Vacilos domésticos custarão caro a Lula no
exterior
O Globo
Em cinco meses, Lula manteve 30 reuniões
com líderes estrangeiros e só nove com parlamentares aliados
Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva reúne hoje no Palácio do Itamaraty os presidentes de Argentina, Bolívia,
Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Suriname, Uruguai e Venezuela, está
prevista no Congresso a votação do relatório da Medida Provisória que
reestrutura os ministérios, esvaziando as pastas do Meio Ambiente e dos Povos
Indígenas. Com cinco meses de governo, sem conseguir sequer organizar o próprio
gabinete como gostaria, Lula parte para mais uma investida internacional.
É esperado que ele dedique tempo e esforço
às relações externas, ainda mais depois de Jair Bolsonaro ter transformado o
país num “pária”. Também é evidente que, pela proximidade, as nações
sul-americanas merecem atenção. A cúpula de hoje, porém, é apenas mais um
evento num padrão que se repete desde o início do governo: tempo demais
dedicado à política externa; tempo de menos dedicado à política interna. Levantamento
do GLOBO mostrou que Lula se reuniu apenas nove vezes com deputados e senadores
de partidos aliados desde a posse até a sexta-feira. No mesmo
período, manteve 30 encontros com chefes de governos estrangeiros. Até os
almoços com a primeira-dama foram mais numerosos.
Se a base governista no Congresso estivesse
montada e operando sem solavancos, as seis viagens internacionais — mais de uma
por mês — passariam despercebidas. Infelizmente, a situação é distinta. A
aprovação do novo arcabouço fiscal neste mês foi uma vitória excepcional para
um governo que, até o momento, não consolidou um bloco parlamentar fiel e
consistente.
Obviamente a tarefa é hoje mais desafiadora
do que já foi. Para evitar sofrer um processo de impeachment, Bolsonaro cedeu
poder às lideranças do Congresso por meio de emendas orçamentárias. Mesmo
limitadas por decisão judicial, elas ainda são controladas pelos presidentes da
Câmara e do Senado. Como resultado, o Executivo deixou de dispor de moedas de
troca eficazes para fazer sua agenda andar no Congresso.
A correlação de forças entre Executivo e
Legislativo é distante da vivida por Lula nos dois primeiros mandatos. Há um
lado positivo no protagonismo assumido pelo Parlamento, pois ele equilibra os
arroubos extremos de um governo povoado por vários matizes da esquerda. Foi
assim com o arcabouço fiscal, cujos contornos foram endurecidos durante a
votação no Congresso (muito embora a versão final deixe a desejar no que diz
respeito à confiança no controle das contas públicas).
Noutras agendas, contudo, o papel do
Parlamento tem se revelado nocivo. É o caso da pauta ambiental. Além de
esvaziar a pasta do Meio Ambiente, os parlamentares afrouxaram a lei de
proteção da Mata Atlântica (Lula deverá vetar a medida) e se preparam para enfileirar
uma série de medidas de potencial nefasto, como tolerância com agrotóxicos,
dispensa de licença ambiental para obras de infraestrutura e maior prazo para
grileiros regularizarem terras invadidas. Nem no próprio PT há consenso sobre
pautas ambientais.
A incapacidade de Lula conduzir a política
doméstica lhe custará caro no front externo. Caso a “boiada” toda passe, é
fácil prever o que acontecerá com a imagem do Brasil lá fora. Será difícil Lula
convencer parceiros que exigem compromisso ambiental para firmar acordos
comerciais (como a União Europeia). E nenhuma cúpula ressuscitará as pretensões
brasileiras de liderar o planeta rumo à economia limpa.
Rastreamento de ouro ilegal é exemplo
positivo de ação da polícia
O Globo
Sem disparar um tiro, programa pode sufocar
a exploração em reservas indígenas e áreas de preservação
Uma das causas da ineficiência da polícia
brasileira é o uso sofrível de ferramentas tecnológicas e inteligência. A
prioridade continuam a ser ações espetaculares, marcadas pela violência, com
frequência terminando em tragédia. O resultado é a estatística macabra de
mortes, inclusive de agentes — a polícia que mais mata é a que mais tem baixas.
Nesse contexto é preciso valorizar o exemplo que a Polícia
Federal dá ao investir em
identificar em laboratório o ouro ilegal, cuja lavra e venda é
um crime em ascensão, de mãos dadas com a lavagem de dinheiro, o contrabando e
a evasão de divisas.
A decisão da PF de sistematizar a
identificação da origem do ouro partiu da apreensão, em janeiro de 2020 no
Aeroporto Internacional de Manaus, de 35 quilos de ouro na bagagem de dois
homens. As pepitas, cujo destino eram os Estados Unidos, apresentavam
documentação aparentemente legal, porém o ouro, uma vez analisado, apresentava
traços de oxidação e mercúrio, características encontradas no minério com
origem em garimpos ilegais, situados em barrancos, margens de rios ou reservas
indígenas, como a ianomâmi.
A PF lançou então a Operação Ouro Alvo, que
apreendeu no ano seguinte 221 quilos de ouro, maior volume desde 2010, 12%
acima de 2020 e 38% acima de 2019. O trabalho de análise da composição do
minério, em estado bruto ou transformado em lingotes e joias, cabe ao Setor de
Perícias em Geologia da PF, que usa o laboratório de alta tecnologia do
Instituto Nacional de Criminalística (INC), em Brasília.
O objetivo é concluir até o final do ano o
mapeamento das características do minério encontrado em várias regiões e, com
esse catálogo dos diversos DNAs do ouro brasileiro, identificar a origem das
apreensões, que se multiplicam. “Estamos identificando o DNA do ouro com a
ajuda de equipamentos que fazem a análise de isótopos e conseguem apontar se um
lingote apreendido tem 70% de ouro da Terra Yanomami ou 30% da jazida do
Tapajós”, diz o delegado Humberto Freire, chefe da Diretoria de Amazônia e
Meio Ambiente.
Baseadas na tecnologia e na ciência, as
investigações ganham eficácia. Na montagem do primeiro catálogo, o objetivo é
obter a composição do ouro retirado em pelo menos 15 estados. Os peritos da PF
têm coletado amostras do solo das regiões para comparar suas características
com a do ouro confiscado ou fornecido pelas mineradoras. Eles acompanharam
agentes na retirada de garimpeiros ilegais das terras ianomâmis e, de
helicóptero, desceram em comunidades de garimpo para extrair amostras.
Até agora, a PF obteve 509, de dez estados, entre eles Roraima e Amazonas, os mais visados pelos esquemas criminosos de garimpo. A intenção das autoridades é acabar com a percepção dos criminosos de que é difícil rastrear o ouro a partir da origem. Dessa forma, a exploração ilegal será sufocada, sem que seja necessário disparar um tiro.
Triunfo autocrático
Folha de S. Paulo
Reeleito na Turquia, Erdogan se vale de
geopolítica, mas economia vive crise
Recep Tayyip Erdogan jamais tivera tanta
dificuldade em vencer uma eleição presidencial na Turquia. O autocrata precisou
recorrer a medidas econômicas e favores eleitoreiros que devem provocar piora
da grave crise inflacionária.
Sua campanha, em boa parte baseada em
guerras culturais, contribuiu para divisão ideológica e regional ainda maior da
sociedade.
Assim, bateu Kemal
Kilicdaroglu, seu adversário centrista e mais laico, por 52,2% a 47,8% dos
votos do segundo turno. Somados os anos como premiê e os do
terceiro mandato presidencial que acaba de conquistar, terá permanecido 25 anos
no poder.
A dúvida é em que condições poderá manter o
projeto de fazer da Turquia uma potência regional.
O país cresceu em ritmo extraordinário
desde que Erdogan chegou ao poder, em 2003. O nível de renda médio mais do que
dobrou —hoje, é o dobro do brasileiro. A economia,
porém, vive uma crise de superaquecimento, entre outros problemas,
com inflação anual de 44%, déficit externo crescente e gasto público
desordenado.
A fim de evitar desvalorização maior da
lira turca, o governo intervém no câmbio e eleva a dívida em moeda forte,
sujeitando o país a um colapso financeiro. Sua política é heterodoxa a ponto de
reduzir juros a fim de conter a carestia.
Erdogan, com seu clientelismo e sua
pregação nacionalista, conservadora e religiosa, conta com eleitorado fiel. Seu
partido, Justiça e Desenvolvimento, é o que tem mais filiados, com grande
enraizamento e capilaridade. A campanha contra liberdades democráticas não
abalou seu prestígio entre mais de metade da população.
O presidente tem aliados relevantes.
Condenou a invasão da Ucrânia, mas não aprovou sanções contra a Rússia. Vende
armas aos ucranianos e os ajudou a escoar a produção agrícola, mas obtém energia
e ajuda financeira russas.
Países petroleiros do Golfo também auxiliam
Erdogan com financiamentos. Da Europa, recebe dinheiro para que contenha a
corrente de imigrantes e refugiados de crises e guerras do Oriente Médio, em
particular da Síria.
Membro da Otan, a Turquia barra por ora a
entrada da Suécia na organização militar, mas deve trocar a aprovação do país
escandinavo por ajuda militar americana. Erdogan é capaz de grandes barganhas,
valendo-se da posição geoestratégica de seu país.
Apesar de protestos por vezes protocolares,
EUA e União Europeia não têm interesse na queda do presidente turco —que, se
tiver habilidade para conter a crise econômica, pode ter ainda um grande futuro
autocrático pela frente.
Repensar São Paulo
Folha de S. Paulo
Próximo à votação, mudanças polêmicas no
Plano Diretor exigem debate público
Lá se vão quase 70 anos desde que as
autoridades paulistanas propalavam, com indisfarçável orgulho, que São Paulo
era "a cidade que mais crescia no mundo".
Se o slogan dos festejos do quarto
centenário, em 1954, anteviu o que seria a maior metrópole da América Latina, a
expansão vertiginosa e desenfreada produziu iniquidades urbanísticas em série.
O escasso planejamento e um certo fetiche
rodoviarista de seus governantes legaram ocupações em regiões sensíveis, como
morros, entornos de cursos d’água e represas; impermeabilização excessiva do
tecido urbano; inequivalência de infraestrutura nos bairros, a destacar malha
de transportes e áreas verdes; bolsões de pobreza nas franjas da cidade.
Em meio à emergência climática, projetar um
regramento que oriente o crescimento sustentável da capital —e que ao menos
mitigue graves equívocos do passado— é uma imposição premente.
Torna-se inevitável e bem-vinda, portanto, a
revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, que
determina, entre outros pontos, a distribuição e proporcionalidade de moradias,
serviços e indústrias.
Aprovado em 2014, ainda na gestão Fernando
Haddad (PT), o plano atual teve sua atualização adiada em 2021, devido à
pandemia, e segue em discussão, agora sob a administração Ricardo Nunes (MDB).
A necessidade, contudo, não justifica o
açodamento em curso. Dias antes da votação do projeto na Câmara Municipal,
marcada para quarta-feira (31), o relator Rodrigo Goulart (PSD) apresentou
substitutivo que altera significativamente o texto original —que havia sido
discutido por meses entre especialistas, autoridades e munícipes em audiências
públicas.
Reportagem desta Folha apontou que
construtoras propuseram 26 alterações: 15 delas foram incluídas e 3
parcialmente acatadas.
Entre os
pontos polêmicos estão a possibilidade de ampliar a verticalização,
com prédios mais altos, e as vagas de garagem no entorno de corredores de
ônibus e estações de metrô. São justamente nesses locais que hoje estão mais da
metade dos lançamentos imobiliários.
De forma correta, o Ministério Público de
São Paulo entrou com pedido de liminar para que a tramitação seja interrompida
e ocorram novas audiências públicas.
O que está em jogo é o futuro da cidade: adensamento desordenado, mais carros nas ruas e moradias populares afastadas dos eixos de transporte certamente não contemplam o interesse público.
Toga não é esporte fino
O Estado de S. Paulo
Se o STF quer que suas prerrogativas sejam
respeitadas, deve se dar ao respeito.
Na sexta-feira, o presidente Lula da Silva
recebeu ministros e congressistas aliados no Palácio da Alvorada para um
churrasco. Mais do que mera confraternização, a festa era temática: os revezes
do governo no Congresso. Não por acaso os presidentes das duas casas
legislativas não foram convidados. Mas lá estavam dois ministros do Supremo
Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes (também presidente
do Tribunal Superior Eleitoral), além do recém-aposentado Ricardo Lewandowski.
A esta altura, ministros do Supremo já
deveriam saber que toga não é traje esporte fino, desses que se usam em festas
informais. É evidente que os dois ministros foram convidados não por suposta
amizade com o presidente, e sim porque integram o STF, lugar por onde trafegam
interesses do governo.
Assim, se já seria inadequada a presença
dos ministros num convescote governista, tanto pior quando ele tem tinturas
políticas. Em particular, foi uma oportunidade para alinhar as bases após as
medidas do Congresso que evisceraram o Ministério do Meio Ambiente e outros. O
caso pode parar no STF. Como fica a percepção de independência dos ministros?
Lula aproveitou para comunicar aos comensais que indicará seu amigo e advogado,
Cristiano Zanin, para a vaga de Lewandowski.
Não é de hoje que o Judiciário conspurca
sua já precária reputação de isonomia mantendo relações esquisitas com o poder
político e econômico. Ora, no poder público, em especial no Judiciário, a
compostura é lei. Ela exige que os juízes sejam não só seus primeiros
cumpridores, mas falem apenas nos autos, sejam conscienciosos com os limites de
suas funções, não busquem holofotes nem usem o cargo para promover convicções
pessoais. Não basta ao judiciário ser isento. É preciso parecer.
Pela lei, juízes podem, por exemplo,
exercer atividade acadêmica, mas não “o comércio ou participar de sociedade
comercial”. Há, porém, os que têm empresas de educação. Também frequentam todo
tipo de eventos e “seminários” em resorts de luxo bancados por empresas que têm
ações multimilionárias na Justiça. Recentemente, o ministro Nunes Marques
viajou a Paris com as despesas pagas por um advogado para assistir a Roland
Garros e à Champions League. Dias Toffoli passeou na casa de veraneio do então
ministro Fábio Faria, genro do empresário Silvio Santos e filho do
ex-governador Robinson Faria, que responde a uma investigação por corrupção no
STF relatada por Toffoli.
Com a presença de empresários e ministros
do STF, a diplomação do presidente Lula foi comemorada na mansão do advogado
antilavajatista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay – aquele que tirou
fotos desfilando de bermuda pela sede da Suprema Corte como se fosse a extensão
de seu quintal. No dia seguinte a um almoço com Alexandre de Moraes, Lula indicou
dois aliados do ministro para o TSE. Mais cedo ou mais tarde, a Corte se
debruçará sobre os processos que pedem a inelegibilidade do maior adversário de
Lula, Jair Bolsonaro. Qual será a percepção da população sobre sua isenção?
Por disfunções históricas do
“presidencialismo de coalizão”, há muito tempo o STF tem sido instado a
arbitrar impasses entre o Executivo e o Legislativo ou entre as próprias
lideranças partidárias. O corolário é não apenas a judicialização da política,
mas a politização da Justiça. Consolidou-se uma tendência dos ministros de
interpretar as leis e a Constituição de modo extensivo e criativo, como se
coubesse à Corte não só aplicar a lei, mas fazer a “justiça social” que os
representantes eleitos não fazem. O ministro Dias Toffoli chegou a dizer que os
ministros são “editores de um país inteiro”, e Luís Carlos Barroso, que seu
papel é “empurrar a história na direção certa”.
Se as críticas excessivas de “ativismo
judicial” têm tanta aderência na população é porque há um fundo de verdade
genuíno nelas. O STF tem sido alvo de difamação, intimidações e ataques
frontais, como no 8 de Janeiro, com o objetivo de tolher sua autonomia,
independência e respeito junto à população. As forças republicanas têm se
esforçado por defender essas prerrogativas. Mas é preciso que a Corte as ajude
a ajudá-la. Quem quer ser respeitado precisa se dar ao respeito.
Muito otimismo e pouca ambição
O Estado de S. Paulo
IFI estima receitas bem mais modestas que as projetadas pelo governo, o que pode comprometer a credibilidade de um arcabouço fiscal que não mexe nas despesas
O arcabouço fiscal ainda precisa do aval do
Senado, mas a aprovação da proposta pela Câmara foi suficiente para melhorar as
expectativas sobre a economia. Até o presidente do Banco Central, Roberto
Campos Neto, reconheceu que as taxas de juros longas já caíram quase 2% nas
últimas semanas e admitiu que o risco de descontrole da inflação foi
descartado. As incertezas em relação ao efetivo funcionamento do dispositivo,
no entanto, permanecem presentes, como indicou a mais recente análise da
Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.
Desde a apresentação do arcabouço pelo
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ficou claro que o governo contava com um
incremento nas receitas para reverter o déficit primário. No lugar de
estimativas de recuperação da arrecadação que alcançam a marca de R$ 135,2
bilhões neste ano e de R$ 645 bilhões até 2025, como prevê o ministro, a IFI
traz projeções bem mais modestas sobre as medidas que o Executivo tem à mão
para voltar a registrar superávits.
Divulgada logo após a aprovação do
arcabouço pela Câmara, a edição de maio do Relatório de Acompanhamento Fiscal
(RAF) da IFI estima que o governo poderá contar com R$ 63,4 bilhões extras em
2023 e cerca de R$ 305 bilhões até o fim de 2025 – menos da metade do que
espera arrecadar, portanto.
Uma das principais diferenças entre as
previsões da IFI e as do governo diz respeito aos recursos oriundos de decisões
de tribunais superiores sobre questões tributárias. Elas proíbem – ou podem
proibir – as empresas de usarem benefícios fiscais oriundos de um imposto
estadual, o ICMS, para reduzir a base de incidência de tributos federais como o
Imposto de Renda e a CSLL e obter créditos de PIS e Cofins.
Não há pessimismo da parte da instituição,
mas uma prudência que o governo faria muito bem se incorporasse às suas
projeções. No primeiro caso, ainda pendente de uma decisão final, a IFI
considera que o impacto é “bastante incerto e de difícil previsão”, uma vez que
as disputas podem se estender por anos; no segundo, em que houve sentença
favorável ao governo, o efeito é positivo, mas bem menor do que a Fazenda espera.
Isso explica por que, em vez do déficit zero que o governo prevê em 2024, a IFI
estima um déficit primário de 1% do Produto Interno Bruto (PIB).
Para além da análise dos números, a
diretora da instituição, Vilma da Conceição Pinto, fez uma avaliação qualitativa
do arcabouço. Segundo ela, o dispositivo é mais flexível que o teto de gastos,
mas também mais complexo, o que aumenta o risco de descumprimento da norma.
Crítica semelhante foi feita por Bruno Funchal, CEO da Bradesco Asset e
ex-secretário do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, em entrevista
ao Estadão. Para ele, a reação do mercado seria ainda melhor se o limite de
despesas não tivesse sido afrouxado já no primeiro ano de sua vigência.
Ainda há chances de que o Senado faça
ajustes ao texto aprovado pela Câmara para tornar mais claras as regras do
arcabouço, mas alterações estruturais, que tornem o mecanismo mais rígido, são
improváveis. É uma pena, pois uma política fiscal mais austera não é um fim em
si ou uma obsessão de economistas ortodoxos.
De forma imediata, o arcabouço contribuiu
para criar um ambiente mais benigno ao controle da inflação e à redução dos
juros, mas há dúvidas sobre se ele conseguirá garantir a sustentabilidade da
dívida pública no médio e longo prazos. Mas se almejasse mais do que uma
recuperação pouco realista das receitas e focasse também na redução das
despesas, o dispositivo teria mais credibilidade e, de forma indireta,
favoreceria a tramitação de uma reforma tributária, próximo item da lista de
prioridades de Haddad.
O ministro, assim como todos aqueles que
acompanham o tema, defende uma reforma tributária que conduza a um sistema mais
simples, justo e progressivo. A maior ameaça à aprovação da proposta, no
entanto, é o receio de que as discussões resultem em um aumento da carga, algo
que um arcabouço mais espartano e ambicioso teria sido capaz de eliminar.
Virada Cultural sitiada
O Estado de S. Paulo
É triste que um evento que integra os cidadãos à cidade só possa ocorrer sob forte esquema de segurança
“O Viaduto
do Chá, a Praça Ramos de Azevedo e as escadarias da Líbero Badaró estavam
cercados com tapumes, isolando o Anhangabaú do entorno, como se fosse uma fatia
separada da cidade”, informou o Estadão a respeito da área da capital paulista
que concentra a maior parte dos shows da Virada Cultural, cuja edição de 2023
ocorreu no fim de semana passado. “Para evitar arrastões, a festa foi feita em
cercado”, resumiu um cidadão ouvido pela reportagem.
Eis um enorme contrassenso. Desde sua
primeira edição, em 2005, o espírito que anima a Virada Cultural é a ocupação
da cidade pelos cidadãos – com alegria, paz e, principalmente, integração entre
as pessoas e entre estas e a sua metrópole. Mas, ao que parece, isso só se
tornou possível em São Paulo sob um fortíssimo esquema de segurança, que
transformou as áreas da cidade onde ocorreram diversas manifestações culturais
em perímetros urbanos altamente militarizados.
A Polícia Militar (PM) informou que
mobilizou 1,4 mil policiais para garantir a segurança dos cerca de 4 milhões de
frequentadores da Virada Cultural deste ano, entre paulistanos e visitantes. O
esquema contou ainda com 720 agentes da Guarda Civil Metropolitana (contingente
33% maior em relação a 2022), além de cinco helicópteros e drones. Bastou. De
fato, não houve registro de crimes graves, apenas alguns incidentes pontuais.
Ninguém de bom senso haverá de discordar
que esse desfecho, no que concerne exclusivamente à segurança pública, foi
muito melhor do que o da edição da Virada Cultural do ano passado, quando a
cidade pareceu estar sendo abatida por um apocalipse zumbi, marcado por dezenas
de arrastões, milhares de pessoas roubadas ou furtadas e seis vítimas
esfaqueadas. Prefeitura e governo do Estado, no entanto, precisam encontrar um
ponto de equilíbrio entre a frouxidão de 2022 e os rigores de 2023.
A preocupação com a segurança foi tanta que
esta foi a edição em que a Virada Cultural não “virou”. Apenas o palco montado
no Vale do Anhangabaú, o principal, teve atrações durante a madrugada de sábado
para domingo, e mesmo assim com baixíssima presença de público – talvez pelo
trauma causado pelo inferno que foi a edição do ano passado.
Uma Virada Cultural cercada por grades e
tapumes, com rígido controle de acesso do público às atrações, é em tudo
contrária ao propósito fundamental do evento de convidar os cidadãos a ocupar o
espaço público como a grande força vital da metrópole que são, sem barreiras ou
amarras de quaisquer tipos, sejam físicas ou psicológicas, como o medo. É uma
tragédia que, para que ninguém seja roubado ou saia ferido, o espaço público
precise ser sitiado.
A Virada Cultural não pode servir para transformar áreas normalmente inseguras em ilhas de paz por um fim de semana. Como, por exemplo, os Dias Nacionais de Vacinação, o evento deve servir como um convite para uma festa no calendário público que celebra – e relembra – práticas que devem ser estimuladas o ano inteiro, como a ocupação do espaço público para além de sua serventia como passagem.
A extrema direita ameaça a Europa
Correio Braziliense
"A nova conquista da direita
conservadora se deu na Espanha, onde o Partido Popular (PP), aliado ao Vox, de
extrema direita, obteve a maioria dos votos nas eleições regionais de
domingo"
O crescimento da extrema direita na Europa
tem se mostrado consistente e está longe de seu ápice. Com a população
enraivecida diante da disparada da inflação, cujos índices atingiram níveis sem
precedentes desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o discurso populista da
ultradireita tem se solidificado, sobretudo na classe média, que vê suas
conquistas históricas ameaçadas por governos que, no entender dessa camada da
população, já não atendem seus anseios. O caldeirão de insatisfação é
engrossado pelas constantes ondas de imigração, que, para os europeus menos
esclarecidos, significam ameaça real a seus empregos e à política de bem-estar
que faz da região uma das menos desiguais do mundo.
A nova conquista da direita conservadora se
deu na Espanha, onde o Partido Popular (PP), aliado ao Vox, de extrema direita,
obteve a maioria dos votos nas eleições regionais de domingo. O PP retirou do
Partido Socialista, do primeiro-ministro Pedro Sánchez, o comando de 10
regiões, algumas delas redutos históricos de legendas de esquerda. Na tentativa
de evitar um desgaste maior e de conter o avanço da ultradireita, Sánchez
dissolveu o Parlamento e convocou eleições gerais para 23 de julho, pleito que
só ocorreria no fim deste ano. Ele acredita que, com essa tacada, ainda
conseguirá garantir a maioria parlamentar com a sua agremiação, hoje fechada
com o Podemos, de extrema esquerda. Não será tarefa fácil.
O movimento conservador na Espanha abriga
parte dos grupos racistas e xenófobos que decidiram mostrar a cara sem
constrangimento. O mesmo ocorre em Portugal, em que o Chega, de extrema
direita, é o partido que mais cresce nas pesquisas de intenção de votos. A
musculatura ganhada pela legenda se alimenta do péssimo momento vivido pelo
governo do socialista António Costa, enredado em crises que já derrubaram mais
da metade de seu ministério. A insatisfação nas ruas é grande, apesar dos
constantes programas anunciados pelo Estado para amenizar os efeitos da
carestia no orçamento das famílias. Com maioria absoluta no Parlamento, o
Partido Socialista vê seu capital derreter.
Há, inclusive, forte pressão para que o
presidente português, Marcelo Rebelo de Souza, dissolva a Assembleia da
República e antecipe as eleições gerais. O político, porém, teme que o PSD, de
direita e principal legenda de oposição, se alie ao Chega e tome o poder.
Seria, no entender dele, um retrocesso inaceitável para um país que está a caminho
de completar 50 anos da Revolução dos Cravos, que livrou Portugal de décadas da
ditadura de António Salazar, período em que a miséria imperou no país europeu.
Os portugueses mais progressistas alertam para o perigo de a península Ibérica
se juntar aos ultraconservadores que assumiram o comando de Itália, Suécia,
Finlândia, Polônia e Hungria e ameaçam a França.
Impactada pela guerra entre a Rússia e a
Ucrânia, a Europa está sendo obrigada a lidar com uma Turquia que já se
transformou em uma autocracia. Pouco mais da metade dos 64 milhões de eleitores
daquele país deram o quinto mandato, no domingo, a Recep Erdogan. No total, ele
ficará 25 anos no poder — isso, se não se perpetuar no cargo. Os mapas de
votação indicaram que o líder turco mantém uma base resiliente entre
conservadores e religiosos, que têm sancionado todas as ações do governo para a
derrocada da democracia. O cerceamento à liberdade de expressão é evidente,
assim como a perseguição a adversários políticos e a opressão às minorias
étnicas e às comunidades LGBTQIA .
Ainda há tempo de os europeus interromperem uma virada radical na região, onde a intolerância e o ódio levaram a duas grandes guerras. Infelizmente, não há hoje lideranças moderadas expressivas para conter os radicais da ultradireita. Desde a saída de Angela Merkel do governo alemão, um vácuo se abriu. Há um terreno fértil para que populistas que pregam a segregação, o fechamento de fronteiras e a destruição de políticas sociais incutam entre os insatisfeitos a visão de que eles são a solução para todos os problemas de uma Europa enfraquecida. Que o bom senso prevaleça.
Li tudo,uma pena a direita estar triunfando na Europa.
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