quarta-feira, 3 de maio de 2023

Vera Magalhães - A economia no fim da fila

O Globo

Com arcabouço fiscal parado por conta da confusão política, governo pode até reclamar, mas taxa de juros deve ficar inalterada por mais um mês

O governo e o comando da Câmara acharam que seria viável instalar várias CPIs (uma mista), votar um Projeto de Lei (das fake news) que mexe em pesados interesses econômicos e no nervo exposto da polarização política e, ao mesmo tempo, votar em tempo recorde o Projeto de Lei que muda toda a estrutura da política fiscal do país.

A batalha em que se transformou a tramitação do PL 2.630 mostra que houve excesso de otimismo quanto à possibilidade de matérias econômicas urgentes passarem ao largo da conflagração política. E, com a instalação da CPI do 8 de Janeiro nos próximos dias, o tumulto só crescerá.

Diante desse quadro, a expectativa generalizada para o anúncio da taxa Selic pelo Copom hoje é a manutenção dos 13,75%, apesar das cobranças incisivas de Lula e de seus ministros e de o clamor pela necessidade de o Banco Central começar a baixar a curva de juros ter se espraiado para setores mais amplos da política, do pensamento econômico, do setor produtivo e, aqui e ali, até de instituições financeiras.

O Projeto de Lei Complementar (PLP) do famoso arcabouço fiscal ainda é uma abstração que precisa ganhar concretude na discussão do Congresso. Acontece que, num sistema centralizado na figura do presidente da Câmara, como o instituído por Arthur Lira, quando estoura uma crise como a atual, que envolve Executivo, Supremo Tribunal Federal e grandes empresas e divide bancadas de praticamente todos os partidos, não sobra braço, horário na agenda e foco para tratar de outros assuntos.

O temor do governo de que a pauta econômica fosse ficar a reboque da política nunca foi uma desculpa esfarrapada para barrar uma CPI. É o que sempre acontece com temas como esse, que monopolizam a atenção da imprensa.

Sem muita esperança quanto à redução da Selic agora, dada a cacofonia reinante e a paralisia da discussão do PLP do marco fiscal, resta esperar pelo tom do comunicado do BC, que ganhou relevância desde que o governo e Roberto Campos Neto entraram nesse jogo para ver quem pisca primeiro.

Quem esteve com o presidente da autoridade monetária nas muitas ocasiões recentes em que ele falou publicamente a respeito da cobrança pelo início da trajetória de queda da Selic relata ter visto nele um desejo de que o governo “lhe dê motivos” para acenar positivamente a esse respeito. Empresários e senadores que ouviram suas falas em Londres e no Congresso contam com um comunicado com notas otimistas, portanto.

A incógnita é o efeito da permanência dos 13,75% sobre o humor de Lula, que nem no palanque do 1º de Maio se esqueceu desse seu quase monotema de início de mandato. E aí se voltará a discutir a possibilidade de o Conselho Monetário Nacional, integrado por dois ministros seus e pelo próprio Campos Neto, avaliar mudanças na meta de inflação — se não no índice de 2024, segundo o mercado uma emenda pior que o soneto, ao menos no intervalo para a fixação da meta a ser perseguida, à luz do que já acontece noutros países.

O ideal seria que a Câmara desse o primeiro passo, antes do CMN. O teto de gastos já está em coma há anos e precisa ser substituído por um mecanismo que, ainda que não seja perfeito e ideal, seja crível e exequível.

Deputados e senadores têm um trabalho minucioso a fazer, a começar por aprimorar os mecanismos de responsabilização em caso de as metas fiscais virarem apenas uma carta de intenções sem nenhum grau de compromisso, do tipo se rolar, rolou, se não, tentamos de novo no ano que vem.

Para isso, será necessário que a discussão ande, até porque a ela estão ligadas outras de igual relevância, como a Lei de Diretrizes Orçamentárias e a reforma tributária. Com as querelas políticas dominando a cena, isso parece estar longe do horizonte.

 

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