Folha de S. Paulo
Presidente mandou Haddad a Pequim; país
pode negociar ajuda, mas buraco é mais embaixo
Fernando Haddad vai à China no fim do mês a
fim de tratar de Argentina. Ou deve ir, por ordem de Luiz Inácio Lula
da Silva. Não está claro o que o ministro da Fazenda vai fazer por lá,
pelos argentinos. Conviria que o Brasil fizesse parte de um esforço
internacional para evitar um colapso dentro do colapso argentino, com risco de
haver algo pior do que 2001.
O Brasil pode negociar ajuda. Mas um socorro para a Argentina depende de países como China ou Estados Unidos. Por exemplo, os americanos salvaram o governo FHC 2 da implosão em 1998 com um pacotaço de dinheiro e dando ordens ao FMI.
Sergio Massa, ministro da Economia da
Argentina, também estará na China no fim do mês. Quer convencer os chineses a
aceitar ainda mais pagamentos internacionais em sua própria moeda (em vez do
dólar) e pedir mais dinheiro emprestado.
A Argentina
está quebrada, mais uma vez. Dadas as suas reservas, até o fim do ano não
tem como pagar ao FMI e a credores da dívida pública em dólar; não há dólares
para que empresas paguem seus débitos externos.
As reservas internacionais líquidas estão
no vermelho ou zeradas. Reservas internacionais são o "caixa" em
moeda forte ou equivalentes. Tirando o que a Argentina não pode vender
imediatamente ou outros ativos de algum modo emperrados ou bloqueados, sobram
as reservas líquidas, uma conta um tanto imprecisa, é verdade. No caso atual da
Argentina, a imprecisão não faz diferença.
No mais, sempre se pode saquear a poupança
em dólar dos argentinos.
Faz meses, o Brasil tenta ao menos inventar
um modo de financiar as vendas de empresas brasileiras que exportam para
a Argentina.
As empresas receberiam o seu, continuariam vendendo. "Alguém"
forneceria o crédito. Quem? Os argentinos pagariam depois. Com o quê?
A Argentina queima reservas (vende) também
para evitar desvalorização ainda maior do peso e, assim, conter a inflação
ainda maior, que em abril estava em 108,8% ao ano e acelerando. Na prática, o
governo financia seu déficit e sua dívida interna com dinheiro do banco
central, direta ou indiretamente ("imprime dinheiro"). Controla
importações, o que agrava a recessão, e saídas de capital (de dólares). Tem
várias taxas de câmbio, outra tosqueira anos 1950.
O país está fora do mercado financeiro
mundial desde o calote de 2020. Tenta adiantamentos com o FMI.
Não dá nem para resumir, agora, o
tamanho da encrenca argentina, que não tem moeda (ou costuma ter várias)
nem crédito para o governo, dada a quantidade de calotes e ignorâncias na política
econômica.
O país ainda tem renda média maior do que o Brasil, apesar de 70 anos de
loucura. Mas, desde 2008, por exemplo, a renda (PIB) per capita diminuiu (a do
Brasil cresceu míseros 7%. A do Chile, 25%. Colômbia, 36%). Neste ano, o PIB
deve encolher entre 3% e 4%.
Para piorar, o país sofre com a desgraça da
seca, que vai reduzir em um terço a safra de soja e milho e, assim, as
exportações. Em anos normais de produção, teria condições de empurrar o
problema externo com a barriga até a eleição presidencial, em outubro. Agora,
está à beira de outra explosão operística, com um lunático de ultradireita
pré-candidato a presidente.
Especula-se que o Brasil tentaria dar um
jeitinho para que o
banco dos Brics arrumasse um esparadrapo para as contas argentinas.
Talvez dê um jeito de ajudar arrumando crédito para exportadores brasileiros.
Seriam curativos na sangria.
No entanto, é preciso fazer mais —e a Argentina teria de estar disposta a
arrumar a casa. Mesmo no Brasil, é difícil convencer a turma, como se vê pela
discussão do suave arcabouço fiscal. Na Argentina, que está muito abaixo nos
círculos do inferno da maluquice econômica, é ainda mais complicado.
Não chores por nós...
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