domingo, 21 de maio de 2023

Vinicius Torres Freire - Lula e o colapso da Argentina

Folha de S. Paulo

Presidente mandou Haddad a Pequim; país pode negociar ajuda, mas buraco é mais embaixo

Fernando Haddad vai à China no fim do mês a fim de tratar de Argentina. Ou deve ir, por ordem de Luiz Inácio Lula da Silva. Não está claro o que o ministro da Fazenda vai fazer por lá, pelos argentinos. Conviria que o Brasil fizesse parte de um esforço internacional para evitar um colapso dentro do colapso argentino, com risco de haver algo pior do que 2001.

O Brasil pode negociar ajuda. Mas um socorro para a Argentina depende de países como China ou Estados Unidos. Por exemplo, os americanos salvaram o governo FHC 2 da implosão em 1998 com um pacotaço de dinheiro e dando ordens ao FMI.

Sergio Massa, ministro da Economia da Argentina, também estará na China no fim do mês. Quer convencer os chineses a aceitar ainda mais pagamentos internacionais em sua própria moeda (em vez do dólar) e pedir mais dinheiro emprestado.

Argentina está quebrada, mais uma vez. Dadas as suas reservas, até o fim do ano não tem como pagar ao FMI e a credores da dívida pública em dólar; não há dólares para que empresas paguem seus débitos externos.

As reservas internacionais líquidas estão no vermelho ou zeradas. Reservas internacionais são o "caixa" em moeda forte ou equivalentes. Tirando o que a Argentina não pode vender imediatamente ou outros ativos de algum modo emperrados ou bloqueados, sobram as reservas líquidas, uma conta um tanto imprecisa, é verdade. No caso atual da Argentina, a imprecisão não faz diferença.

No mais, sempre se pode saquear a poupança em dólar dos argentinos.

Faz meses, o Brasil tenta ao menos inventar um modo de financiar as vendas de empresas brasileiras que exportam para a Argentina. As empresas receberiam o seu, continuariam vendendo. "Alguém" forneceria o crédito. Quem? Os argentinos pagariam depois. Com o quê?

A Argentina queima reservas (vende) também para evitar desvalorização ainda maior do peso e, assim, conter a inflação ainda maior, que em abril estava em 108,8% ao ano e acelerando. Na prática, o governo financia seu déficit e sua dívida interna com dinheiro do banco central, direta ou indiretamente ("imprime dinheiro"). Controla importações, o que agrava a recessão, e saídas de capital (de dólares). Tem várias taxas de câmbio, outra tosqueira anos 1950.

O país está fora do mercado financeiro mundial desde o calote de 2020. Tenta adiantamentos com o FMI.
Não dá nem para resumir, agora, o tamanho da encrenca argentina, que não tem moeda (ou costuma ter várias) nem crédito para o governo, dada a quantidade de calotes e ignorâncias na política econômica.
O país ainda tem renda média maior do que o Brasil, apesar de 70 anos de loucura. Mas, desde 2008, por exemplo, a renda (PIB) per capita diminuiu (a do Brasil cresceu míseros 7%. A do Chile, 25%. Colômbia, 36%). Neste ano, o PIB deve encolher entre 3% e 4%.

Para piorar, o país sofre com a desgraça da seca, que vai reduzir em um terço a safra de soja e milho e, assim, as exportações. Em anos normais de produção, teria condições de empurrar o problema externo com a barriga até a eleição presidencial, em outubro. Agora, está à beira de outra explosão operística, com um lunático de ultradireita pré-candidato a presidente.

Especula-se que o Brasil tentaria dar um jeitinho para que o banco dos Brics arrumasse um esparadrapo para as contas argentinas. Talvez dê um jeito de ajudar arrumando crédito para exportadores brasileiros. Seriam curativos na sangria.
No entanto, é preciso fazer mais —e a Argentina teria de estar disposta a arrumar a casa. Mesmo no Brasil, é difícil convencer a turma, como se vê pela discussão do suave arcabouço fiscal. Na Argentina, que está muito abaixo nos círculos do inferno da maluquice econômica, é ainda mais complicado.

 

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