Folha de S. Paulo
Mesmo sem acidente ambiental, exploração
pode causar destruição por má política
Há um risco de a exploração de
petróleo na bacia da foz do Amazonas empestear o mar
brasileiro, do Caribe e o litoral, haja ou não acidentes. Menos se fala do caso
de a exploração render muito petróleo e,
mesmo sem acidentes, ocorrer um desastre socioambiental na terra firme do Amapá.
Levando em conta o histórico ambiental
da Petrobras e
a história do Brasil, qual o maior risco? De resto, o que o país tem a ganhar
com mais ou menos petróleo?
O petróleo vai entrar em desuso. Para muita gente, a limitação de exploração e uso de combustíveis fósseis é para agora. Mas qual seria a vida útil econômica dos campos da foz do Amazonas ou de outros da Margem Equatorial, do Amapá ao Rio Grande do Norte? Cinco, dez, quinze anos?
Não temos reflexão e estudos amplos sobre
custo e benefício total dessa exploração de petróleo. Isto é, o balanço de
impactos econômicos, tecnológicos, sociais e ambientais. O aumento da produção
de petróleo pode até servir para arrumar as contas do governo, mudar um tanto
do panorama macroeconômico no fim da década.
Como e em que medida o governo poderia
intervir (de modo decente) em um assunto que é objeto de regulação ambiental e
decisão de empresas? É um tema crucial, tratado de modo tacanho. Lula 3 deveria
liderar discussão de planos de larga escala para o assunto petróleo.
Não sabemos quanto petróleo explorável há
na bacia da foz do Amazonas, o mar que fica diante do Amapá e da Ilha de
Marajó, no Pará; do Oiapoque a Belém.
O Ibama não deu licença para a Petrobras
furar um poço pioneiro a 175 km da costa do Amapá e a 560 km da foz do Amazonas
(os poços da bacia de Santos ficam a até 300 km da costa). Talvez a bacia possa
render 1 milhão de barris por dia em 2029.
A produção de petróleo no Brasil em 2022
foi de 3 milhões de barris por dia, quase 98% no mar (não estão incluídos
números de gás, para simplificar). No primeiro trimestre de 2023, foram 3,2
milhões. O pico da produção seria em 2029, com 5,4 milhões, se não houver novas
descobertas firmes. São projeções da Empresa de Planejamento Energético (EPE,
pública).
A ExxonMobil descobriu petróleo na Guiana
(antiga "Guiana Inglesa") em 2015, em região geológica similar à do
mar do Amapá. A produção começou com mil barris por dia em 2019. No primeiro
quadrimestre deste 2023, foi a 376 mil barris por dia, segundo o governo da
Guiana. A expectativa é de 1 milhão de barris por dia em 2029.
A Guiana, dos países mais pobres do
continente, cresce a mais de 20% ao ano. Na renda média, ao menos, será um dos
mais ricos em breve. A população, de 795 mil habitantes, é semelhante em
números à do Amapá (877 mil).
Quase metade do Amapá é pobre. A renda
domiciliar per capita de 49,4% da população é menor do que R$ 665 mensais,
segundo o Instituto Jones dos Santos Neves, do governo do Espírito Santo. No
Brasil, 33% são pobres.
Com 1 milhão de barris por dia, choveria
dinheiro no Amapá e, em parte, no Pará. O estado vive de extrativismo,
mineração. Cerca de 72% da área estadual é de unidades de conservação e terra
indígena ou quilombola.
Suponha-se que o dinheiro fosse bem usado,
em infraestrutura econômica de baixo impacto, melhoria social etc. Ainda assim,
o estado atrairia muito imigrante da vizinhança também pobre de Norte e
Nordeste.
Seria possível frear um desastre
socioambiental causado pela renda maior? Vide a história das grandes cidades
"ricas" brasileiras, inadministráveis, que incharam de imigrantes em
periferias de condições de vida horríveis, gente que fugiu do interior onde fora
largada sem escola, saúde, terra, luz e até sem voto, cortesia da crueldade e
violência nacionais, obra final da ditadura militar e dos maganos civis
associados.
Verdade.
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