quarta-feira, 3 de maio de 2023

Zeina Latif - Juros: hora de virar o disco

O Globo

Em um país com tanto consumo reprimido das classes médias, espanta o 'samba de uma nota só' dos juros altos

O Senado promoveu uma sessão de debate sobre “Juros, Inflação e crescimento econômico”, com a participação de ministros, senadores, representantes do setor privado e economistas com formação acadêmica. Em que pesem as muitas vozes ponderadas, fugindo de Fla-Flus, é inevitável a leitura que os ouvidos moucos aos argumentos técnicos do presidente do Banco Central decorrem da inadequada politização do tema por parte de importantes atores políticos, na esteira das próprias críticas do presidente Lula ao BC.

A insistente pressão para o corte da Selic prejudica institucionalmente o regime de metas de inflação e, pior, desvia o país dos debates urgentes sobre as razões da fraqueza estrutural da economia.

Além da confusão usual entre fatores de curto prazo e longo prazo que afetam o crescimento, atribuindo-se à política monetária um status que não condiz com sua natureza de curto prazo, dá-se excessiva importância à sua capacidade de afetar a performance na indústria, mesmo no curto prazo. O impacto da taxa Selic na produção industrial é muito menor do que se imagina.

Primeiramente, as grandes variações da produção industrial decorreram de choques externos –a crise global de 2008-09 e a pandemia – a greve dos caminhoneiros em 2018 também machucou o setor. Fora esses episódios, a produção oscila pouco, sentindo moderadamente o ciclo monetário.

No governo Lula, até eclodir a crise de 2008, a indústria acumulou alta de 30%, com taxa Selic real média (descontada a expectativa inflacionária para 12 meses à frente) de quase 11% ao ano. Foi um período, no entanto, de redução estrutural dos juros e maior ímpeto da indústria.

Em que pese o impacto de curto prazo da política monetária no setor, havia causas comuns regendo os dois movimentos: a robusta dinâmica internacional que alimentou o boom de commodities e reformas estruturais, notadamente no mercado de crédito, que produziram ganhos de produtividade na economia.

Os sinais de estagnação da indústria ficaram visíveis já em 2010, e assim seguiu até a grande recessão na gestão Dilma, sendo que a indústria, mais sensível a erros de política econômica e ao custo-Brasil, entrou em crise antes do setor de serviços. Isso tudo com juros reais nas mínimas históricas.

Com Dilma, houve contração de 17% da indústria, com Selic real média em 4,7%, ainda que em alta. Os juros ficaram estruturalmente mais elevados diante dos muitos equívocos na política econômica e excessos fiscais.

A interrupção da grande recessão na indústria se deu em 2016, no governo Temer, mesmo com juros reais nas alturas.

Desde 2018, a produção industrial anda praticamente de lado – seu patamar atual está 17% abaixo do período pré grande recessão. E a taxa de juros real oscilou bastante. Saiu de 7% nominal ou 2,9% real, chegou a 2% nominal e -1,9% real em 2020 e agora está em 13,75% nominal e 8% real. Enquanto isso, a produção industrial pouco se alterou – excetuando o período da pandemia.

A importância excessiva atribuída aos juros elevados, que são consequência e não causa de distorções da economia, contribui para afastar o país do enfrentamento dos problemas estruturais que amarram a indústria. A defesa da reforma tributária, por exemplo, é praticamente ausente. Quase nada se fala da qualidade da educação básica de massas, que propiciaria a empregabilidade nas classes populares e maior renda.

O consumo (aparente) de bens de consumo (calculado pela soma da produção e da importação desses bens, descontadas as exportações) está 20% abaixo do patamar anterior à grande recessão, sem sinais de recuperação. E a culpa da reduzida demanda não é dos juros.

Pesa bastante o baixo capital humano no país, que prejudica as classes médias e, assim, o crescimento do mercado consumidor, além de deprimir a produtividade na economia. Aqui, muitos outros temas se somam, como a elevada insegurança jurídica a frear o investimento.

Em um país com tanto consumo reprimido das classes médias, espanta o “samba de uma nota só” dos juros altos.

 

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