O Globo
Em um país com tanto consumo reprimido das
classes médias, espanta o 'samba de uma nota só' dos juros altos
O Senado promoveu uma sessão de debate
sobre “Juros,
Inflação e crescimento econômico”, com a participação de ministros,
senadores, representantes do setor privado e economistas com formação
acadêmica. Em que pesem as muitas vozes ponderadas, fugindo de Fla-Flus, é
inevitável a leitura que os ouvidos moucos aos argumentos técnicos do
presidente do Banco Central decorrem da inadequada politização do tema por
parte de importantes atores políticos, na esteira das próprias críticas do
presidente Lula ao BC.
A insistente pressão para o corte da Selic
prejudica institucionalmente o regime de metas de inflação e, pior, desvia o
país dos debates urgentes sobre as razões da fraqueza estrutural da economia.
Além da confusão usual entre fatores de curto prazo e longo prazo que afetam o crescimento, atribuindo-se à política monetária um status que não condiz com sua natureza de curto prazo, dá-se excessiva importância à sua capacidade de afetar a performance na indústria, mesmo no curto prazo. O impacto da taxa Selic na produção industrial é muito menor do que se imagina.
Primeiramente, as grandes variações da
produção industrial decorreram de choques externos –a crise global de 2008-09 e
a pandemia – a greve dos caminhoneiros em 2018 também machucou o setor. Fora
esses episódios, a produção oscila pouco, sentindo moderadamente o ciclo
monetário.
No governo Lula, até eclodir a crise de
2008, a indústria acumulou alta de 30%, com taxa Selic real média (descontada a
expectativa inflacionária para 12 meses à frente) de quase 11% ao ano. Foi um
período, no entanto, de redução estrutural dos juros e maior ímpeto da
indústria.
Em que pese o impacto de curto prazo da
política monetária no setor, havia causas comuns regendo os dois movimentos: a
robusta dinâmica internacional que alimentou o boom de commodities e reformas
estruturais, notadamente no mercado de crédito, que produziram ganhos de
produtividade na economia.
Os sinais de estagnação da indústria
ficaram visíveis já em 2010, e assim seguiu até a grande recessão na gestão
Dilma, sendo que a indústria, mais sensível a erros de política econômica e ao
custo-Brasil, entrou em crise antes do setor de serviços. Isso tudo com juros
reais nas mínimas históricas.
Com Dilma, houve contração de 17% da
indústria, com Selic real média em 4,7%, ainda que em alta. Os juros ficaram
estruturalmente mais elevados diante dos muitos equívocos na política econômica
e excessos fiscais.
A interrupção da grande recessão na
indústria se deu em 2016, no governo Temer, mesmo com juros reais nas alturas.
Desde 2018, a produção industrial anda
praticamente de lado – seu patamar atual está 17% abaixo do período pré grande
recessão. E a taxa de juros real oscilou bastante. Saiu de 7% nominal ou 2,9%
real, chegou a 2% nominal e -1,9% real em 2020 e agora está em 13,75% nominal e
8% real. Enquanto isso, a produção industrial pouco se alterou – excetuando o
período da pandemia.
A importância excessiva atribuída aos juros
elevados, que são consequência e não causa de distorções da economia, contribui
para afastar o país do enfrentamento dos problemas estruturais que amarram a
indústria. A defesa da reforma tributária, por exemplo, é praticamente ausente.
Quase nada se fala da qualidade da educação básica de massas, que propiciaria a
empregabilidade nas classes populares e maior renda.
O consumo (aparente) de bens de consumo
(calculado pela soma da produção e da importação desses bens, descontadas as
exportações) está 20% abaixo do patamar anterior à grande recessão, sem sinais
de recuperação. E a culpa da reduzida demanda não é dos juros.
Pesa bastante o baixo capital humano no
país, que prejudica as classes médias e, assim, o crescimento do mercado
consumidor, além de deprimir a produtividade na economia. Aqui, muitos outros
temas se somam, como a elevada insegurança jurídica a frear o investimento.
Em um país com tanto consumo reprimido das
classes médias, espanta o “samba de uma nota só” dos juros altos.
Há controvérsias.
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