Valor Econômico
Presidente tenta construir base sólida e
leal num quadro muito mais adverso do que o normal
Nas palavras de um ministro, chegou a hora
do time do presidente Luiz Inácio Lula da Silva “baixar o meião” e deixar as
pernas à mostra porque vai ter caneladas para todos os lados no jogo político.
Lula e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL)
conversaram a sós nessa segunda-feira no Palácio da Alvorada, mas o encontro
está longe de colocar fim ao entrevero entre Legislativo e Executivo.
A conversa entre Lula e Lira não foi um “chá de comadres”. Não houve testemunhas, mas de acordo com relatos que ambos fizeram a poucos interlocutores, o diálogo foi sério, objetivo, com algo de “mais do mesmo”. O parlamentar reiterou as cobranças por mais agilidade do Palácio do Planalto na liberação de emendas e nomeações de indicados dos deputados para cargos federais, e teria sugerido a reorganização do espaço dos partidos dispostos a votar com o governo na Esplanada.
Nessa conjuntura, a percepção de quem
acompanha de perto a rotina do Planalto é de que Lula cogita deflagrar uma
reforma ministerial nas próximas semanas para resolver impasses pontuais. A
prioridade seria organizar o União Brasil, que tem 59 deputados, nove senadores
e três ministérios, mas na conturbada votação da medida provisória (MP) de
reorganização da Esplanada, a bancada entregou somente 35 votos favoráveis.
Segundo lideranças do Congresso, o União
não estaria devidamente representado na Esplanada porque a titular do Turismo,
Daniela Carneiro (RJ) vai trocar o partido pelo Republicanos. Além disso, o
ministro das Comunicações, Juscelino Filho (MA), não teria o apoio da bancada,
e o ex-governador do Amapá Waldez Góes desfiliou-se do PDT, mas não ingressou
no União, e é considerado cota pessoal do presidente da Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP).
Nesse cenário, os primeiros rumores são de
que o ex-presidente da poderosa Comissão Mista de Orçamento (CMO), deputado
Celso Sabino (União-PA), deve ser nomeado ministro do Turismo no lugar de
Daniela. Sabino, além de ser um nome com maior trânsito no União Brasil, é um
dos deputados mais próximos de Arthur Lira.
O passo seguinte seria acomodar no governo
o Republicanos e o Progressistas (PP), que na mesma votação da medida
provisória entregaram mais votos do que o União. Dos 42 deputados do
Republicanos, 31 votaram “sim” à reformulação do Executivo, enquanto o PP, com
49 parlamentares, deu 34 votos favoráveis à matéria.
A percepção deste ministro que falou à
coluna - e está ajoelhado no campo, arriando os meiões - é de que, assim que
Lula escalar novos jogadores e afinar o time, será necessário sabedoria e
estratégia para selecionar as batalhas (ou partidas) que o governo irá travar
(ou disputar).
Este auxiliar de Lula observa que o governo
errou ao encampar determinados embates. O primeiro equívoco foi o apoio ao
projeto de lei das “fake news”, cuja votação foi adiada. Apesar da relevância e
sensibilidade do tema, a avaliação é de que se trata de “bola dividida”, e o
governo deveria canalizar as energias para os projetos efetivamente
prioritários ao Executivo como o novo arcabouço fiscal, a reforma tributária, e
a MP da reestruturação da Esplanada.
Um segundo erro teriam sido os decretos
presidenciais que alteraram trechos do novo marco regulatório do saneamento,
que deputados e senadores haviam aprovado em 2020. Na avaliação deste ministro,
a derrota na Câmara foi um desgaste em nome de solucionar problemas locais -
como prejuízos para a estatal de saneamento da Bahia - que poderia ter sido
evitado.
Ao mesmo tempo em que ajusta o time do
primeiro escalão, auxiliares de Lula o veem “toureando” Arthur Lira, num duelo
em que cada um está testando os seus limites.
A conversa dessa segunda-feira no Alvorada
não foi a primeira entre os dois, nem será a última. Tampouco nenhum observador
experiente da cena política acredita em uma relação amistosa entre ambos até o
fim do mandato do alagoano - momento em que o de Lula ainda estará na metade.
Este mesmo ministro pondera que Lira atuou
durante os quatro anos do mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro com a
estatura de um primeiro-ministro. Era tão forte que poucos deputados que desejavam
se reunir com o chefe do Executivo porque as questões paroquiais eram atendidas
e solucionadas diretamente pelo presidente da Câmara.
Lula e Lira estão em processo de demarcação
de territórios, onde o chefe do Executivo não está disposto a abrir mão de sua
autoridade, como ocorreu com o seu antecessor. Na gestão Bolsonaro, a cúpula da
Câmara administrava com desenvoltura, até meados de 2022, os cerca de R$ 17
bilhões anuais em emendas de relator, sem transparência ou risco de qualquer
interferência do presidente da República. O fato perdurou até que o Supremo
Tribunal Federal declarasse inconstitucional o chamado “orçamento secreto”.
Construir uma base sólida e leal é sempre a
missão mais desafiadora de um presidente da República, mas aliados dizem que
Lula o faz num quadro muito mais adverso. Isso porque ele venceu a eleição, mas
o Congresso não é apenas “conservador e liberal”, como declarou Lira. “O
Congresso ainda é Bolsonaro”, resumiu este ministro à coluna.
Verdade.
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