O Globo
Aliados acenam com desradicalização e miram
espólio de Bolsonaro, julgado pelo TSE
Em meio ao julgamento no Tribunal Superior
Eleitoral (TSE)
que pode resultar na inelegibilidade de Jair
Bolsonaro, aliados acenam com uma desradicalização de olho na sobrevivência
política. O próprio ex-presidente vem tentando seguir a estratégia. Em
declarações recentes, ele classificou a si mesmo como de “centro-direita” e
diminuiu os ataques ao Judiciário. No caso de parlamentares e lideranças que se
alinharam ao bolsonarismo nas eleições de 2022, por outro lado, o movimento
abre caminho para tentativas de herdar o espólio político do ex-presidente e de
buscar também eleitores moderados que estejam descontentes com o governo Lula
(PT).
Um dos focos dessa estratégia é o apoio para que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), projete-se como sucessor de Bolsonaro caso o ex-presidente seja vetado pelo TSE nas eleições de 2026. Além da adesão de caciques de partidos como PP e o Republicanos, que se coligaram a Bolsonaro no ano passado e já acenaram publicamente a Tarcísio, a aposta no ex-ministro da Infraestrutura agrada a integrantes de outras siglas que tradicionalmente fazem oposição ao PT.
Identidade própria
Uma dessas legendas é o União Brasil, que
tem indicações em ministérios na gestão petista, mas se declara independente na
Câmara e é o principal adversário do partido de Lula na Bahia. No estado, o
deputado federal José Rocha (União-BA) declarou recentemente ao site Política
Livre que uma candidatura de Tarcísio terá o apoio de ACM Neto, provável
candidato do União ao governo estadual em 2026. Na última eleição, Neto se
manteve neutro no pleito presidencial; Rocha, seu aliado, manifestou apoio a
Bolsonaro no segundo turno.
— Bolsonaro fica muito para a direita.
Tarcísio tem capacidade maior de dialogar e tem um aprendizado político como
governador de São Paulo. Vejo grande possibilidade de o União Brasil caminhar
em torno dele não só na Bahia, mas em todo o país — afirmou Rocha.
No PL, integrantes da sigla defendem a
liderança de Bolsonaro enquanto ponderam que o partido precisa desenvolver
identidade própria. Em vídeo divulgado após o início do julgamento no TSE, o
presidente nacional da legenda, Valdemar Costa Neto, disse ter “convicção” de
que o ex-presidente seguirá na política, mas frisou outras agendas. “Para que a
gente possa ganhar a eleição de 2026, precisamos internamente fortalecer o
partido”, afirmou.
Na visita do ex-presidente ao Rio Grande do
Sul, na sexta-feira passada, apoiadores chegaram a agendar uma motociata para
recebê-lo, mas o evento foi cancelado às vésperas da chegada. Na pandemia da
Covid-19, os passeios de moto ficaram marcados como eventos nos quais Bolsonaro
descumpriu restrições sanitárias e mobilizou sua base mais radical.
Segundo o deputado estadual Rodrigo
Lorenzoni (PL-RS), filho do ex-ministro Onyx Lorenzoni, o próprio Bolsonaro
solicitou que a motociata fosse deixada “para outro momento”. A orientação
também foi de evitar ataques ao Judiciário. O PL gaúcho organizou a visita para
estimular filiações e, de acordo com Lorenzoni, estruturar o partido.
— A eleição de Lula em 2003 foi uma
construção de décadas da esquerda, enquanto a direita não tinha uma base
consolidada quando venceu em 2018. Estamos justamente tentando consolidar essas
bases. A eleição de 2022 mostrou que candidatos sem estrutura têm maior
dificuldade. Para 2026, a comparação de uma pauta econômica liberal com a
plataforma da esquerda, e os efeitos que isso causa para o país, será um tema
central — afirmou.
O cientista político Emerson Cervi,
professor da UFPR, avalia que o bolsonarismo é um movimento heterogêneo formado
por “forças sociais de interesses difusos” que se agruparam politicamente sob a
liderança do ex-presidente. A eventual saída de Bolsonaro da arena eleitoral,
para Cervi, “pode fazer com que essas forças não mais se reconheçam” entre si.
O pesquisador também observa que o PL se converteu, com Bolsonaro, em um
partido de “direita radical” que segue sob comando de Valdemar, um “expoente da
direita fisiológica”.
— A direita radical consegue se manter em
contato com suas bases sem depender tanto dos caciques, que tendem a ser mais
pragmáticos. A organização do bloco bolsonarista passará pela capacidade de
manter laços com a origem social desse movimento. É importante ressaltar que
não foi exatamente a postura radical de Bolsonaro que o fez perder a eleição, e
sim a incapacidade de atingir as expectativas do eleitor com o desempenho do
governo.
Entre os evangélicos, um dos segmentos com
maior volume de apoio ao ex-presidente, segundo pesquisas eleitorais,
lideranças têm modulado o discurso para se reposicionar como oposição ao PT. Na
quinta-feira, o deputado Marco Feliciano (PL-SP), um dos principais aliados do
ex-presidente, disse não “concordar com tudo o que ele fez” e frisou que a
ascensão da direita “não surgiu por causa de Bolsonaro“, mas sim que ele foi um
“representante” de um movimento de oposição iniciado no governo Dilma Rousseff
(PT).
Bancada evangélica
O sociólogo Humberto Ramos, doutor pela
Ufscar, afirma que lideranças evangélicas se aproximaram de Bolsonaro apostando
em uma plataforma conservadora, mas não necessariamente radical, que já vinha
ganhando musculatura com a atuação da bancada evangélica. Coordenador no Brasil
da Otros Cruces, organização que estuda interseções entre religião e política, Ramos
aponta que a possível inelegibilidade terá desdobramentos na afinidade
evangélica com o ex-presidente.
— A bancada evangélica tem senso de
oportunidade e uma leitura muito sagaz do contexto político. Por outro lado, a
inelegibilidade poderia alimentar um discurso de perseguição que dialoga com
esse segmento, cujo setor hegemônico e conservador já viu com bons olhos a
capacidade de Bolsonaro mimetizar valores cristãos — ponderou.
Adaptação bolsonarista
Aliados lançam estratégias para sobreviver
politicamente mantendo distância segura do ex-presidente.
Busca por candidato
'moderado' —
Possível inelegibilidade de Bolsonaro acelerou movimentações para que o
herdeiro político do ex-presidente seja um nome que combine o apoio do
bolsonarismo à capacidade de dialogar com eleitores mais ao centro. O
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, é uma alternativa.
Organização partidária — Em lugar de
iniciativas consideradas espontâneas ou individuais, mais similares à
trajetória política do próprio Bolsonaro, aliados próximos pregam a importância
de consolidar o PL como partido "orgânico" da direita — e comparam a
estratégia ao método usado pelo PT, à esquerda, para chegar à Presidência em
2003.
Pautas econômicas e
conservadoras —
Sem Bolsonaro nas urnas, correligionários tendem a trocar rotina de ataques ao
Judiciário e às eleições, além de eventos como motociatas, por um discurso
amparado em ações de governo, com enfoque na agenda econômica. Outro foco é a
defesa de pautas conservadoras; não radicais.
Foco na oposição ao PT — Mais do que alinhamento a Bolsonaro, formato das críticas à gestão petista na Presidência da República é visto como elemento-chave para pavimentar um candidato de oposição a Lula.
Então tá!
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