domingo, 11 de junho de 2023

Bernardo Mello Franco – O outono dos populista

O Globo

Em declínio, Trump e Boris Johnson insistem em encenar o mesmo papel

A sexta-feira foi amarga para o populismo de direita no Hemisfério Norte. Nos Estados Unidos, Donald Trump virou réu por surrupiar documentos secretos da Casa Branca. No Reino Unido, Boris Johnson renunciou ao mandato de deputado após ser acusado de mentir ao Parlamento.

A data pode marcar o declínio de dois personagens que ascenderam na década passada: o magnata excêntrico que se elegeu presidente e o prefeito bufão que chegou a primeiro-ministro.

Trump afanou papéis sigilosos que incluíam informações sobre o programa nuclear e um plano de ataque ao Irã. O material estava escondido em seu resort particular na Flórida. As caixas foram encontradas em locais improváveis, como um salão de festas e um banheiro.

O ex-presidente virou alvo de 37 acusações, de falso testemunho a apropriação indevida de documentos de segurança nacional. Na terça-feira, terá que se apresentar a um tribunal federal em Miami. No limite, pode ser condenado a 400 anos de prisão.

Boris renunciou para escapar de uma punição tida como certa na Câmara dos Comuns. Um comitê parlamentar concluiu que ele mentiu sobre o Partygate, o escândalo das festinhas na pandemia. Enquanto os plebeus seguiam as regras de confinamento, ele promovia farras e bebedeiras na residência oficial de Downing Street.

O novo ocupante de sua cadeira será escolhido em eleição suplementar. Um problema a mais para o premiê Rishi Sunak, que já enfrentava o cansaço da população com o Partido Conservador. Os trabalhistas lideram as pesquisas para voltar ao poder em 2025.

Trump e Boris têm muito em comum além da cabeleira loura — no caso do britânico, cuidadosamente desarrumada antes de cada aparição pública. Os dois ganharam popularidade em programas de entretenimento na TV. Depois usaram as redes sociais para driblar a mediação dos partidos e estabelecer relações diretas com o eleitorado.

A dupla mostrou como transformar o medo e o ressentimento em arma política. Trump demonizou os mexicanos e prometeu erguer um muro para impedir a entrada de imigrantes nos EUA. Boris atacou a União Europeia e garantiu que a aventura do Brexit faria o Reino Unido reviver os tempos de glória.

Nascidos em berço de ouro, os aliados conseguiram se vender como inimigos do establishment. Na pandemia, viraram ameaça à saúde pública. Trump fez campanha contra a máscara e a vacina, e Boris flertou com o negacionismo até pegar o coronavírus e ser internado numa UTI.

Em apuros, os dois insistem em encenar o mesmo papel. Na sexta, o ex-premiê britânico se disse alvo de “caça às bruxas” e atacou o comitê responsável por investigá-lo. O ex-presidente americano chamou o promotor de seu caso de “psicopata”, esbravejou contra o governo Biden e aproveitou para pedir doações de campanha.

Os farsantes querem convencer a plateia de que não fizeram nada de errado. Seriam apenas vítimas de perseguição do sistema que tanto combateram. Soa familiar?

 

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