sexta-feira, 2 de junho de 2023

Bruno Boghossian - A corda mudou de pescoço

Folha de S. Paulo

Os dois parecem se reconhecer como políticos que cumprem acordos, mas também como ameaças

Polícia Federal amanheceu na porta de um auxiliar de Arthur Lira nesta quinta-feira (1º). A operação mirava uma suspeita de desvio de dinheiro público com verba de emendas parlamentares. Horas mais tarde, ainda antes do almoço, o deputado chamou o ministro da Justiça à residência oficial da presidência da Câmara para uma conversa.

Não é preciso saber o que foi dito no encontro para medir a tensão que a operação acrescenta à convivência de Lira com o governo. Aliados do presidente da Câmara tratam o momento da batida como uma armação do governo, que controla a PF. Já Flávio Dino só foi à casa do deputado porque precisava amortecer o risco que essa convicção representa.

A semana agravou o que já era uma relação de desconfiança. Lula e Lira parecem reconhecer um ao outro como personagens que cumprem acordos, mas também têm poder suficiente para ameaçar a sobrevivência de adversários. Lula quase perdeu toda a Esplanada dos Ministérios, e Lira viu o cerco da polícia.

Os sinais emitidos pelos dois lados apontam, por enquanto, para um pacto de não destruição. Depois de ser emparedado pelo centrão, Lula disse que poderia até avaliar a entrega de um ministério para o grupo de Lira. Depois de conversar com Dino, o presidente da Câmara disse que a operação da PF não o atingia e nem era uma provocação.

Os dois podem ter, a partir de agora, um acerto baseado em termos bem definidos, mas não uma aliança de fidelidade plena. O perigo para ambos é que políticos que convivem com riscos permanentes à própria sobrevivência podem acabar preferindo usar o poder que têm para se proteger, sufocar ameaças ou provocar explosões em massa.

Eduardo Cunha só rompeu com Dilma Rousseff, em julho de 2015, depois de saber que a PGR havia conseguido um depoimento que o incriminava. O então presidente da Câmara acreditava num conluio do governo com Rodrigo Janot para derrubá-lo. "Todo mundo ia atirar. E todo mundo iria morrer", escreveu.

 

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