terça-feira, 27 de junho de 2023

Carlos Andreazza – Arthur

O Globo

Qualquer um pode ser Arthur. Lindo nome, aliás. Zico, o maior ser já nascido, é Arthur. Qualquer um pode ser Arthur. Até Deus. Qualquer Arthur — menos Zico — pode ser o Arthur que aparece nas listas do assessor e do motorista do assessor de Arthur Lira como beneficiário de pagamentos que a Polícia Federal investiga no bojo da operação sobre fraudes e desvios em contratos para compra de kits de robótica por municípios alagoanos. O caso foi revelado pela Folha.

Qualquer um pode ser o Arthur. O Lira, presidente da Câmara, não tardaria a declarar — sobre todos os Arthures:

— Cada um é responsável pelo seu CPF nesta terra e neste país.

Está correto. O assessor é conhecido. Luciano Cavalcante. E é de Lira (“Sou da Lira/Não posso negar...”), muito embora qualquer um possa ser o Arthur. (A filha de Cavalcante é sócia do filho de Lira.) Qualquer um pode ser o Arthur. Somente o auxiliar era “pastinha” do hoje presidente da Câmara — um outro cronista, maldoso, o chamaria de espécie de queiroz. Não seria justo. Cavalcante tinha lugar na mesa.

Esteve na sede do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, então sob controle de Ciro Nogueira. Era fevereiro de 2021. Com ele na visita, Edmundo Catunda, um dos sócios da Megalic, maior vencedora das licitações para fornecer os kits de robótica, agente intermediadora no esquema de superfaturamento e lavagem de dinheiro — empresa que, segundo a PF, repassava dinheiros para pessoas jurídicas de fachada em Brasília.

A aquisição dos equipamentos foi custeada pelo FNDE, via emendas do relator — o orçamento secreto, sistema que ganharia corpo sob a gestão de Lira no Parlamento. A investigação flagrou o motorista de Luciano Cavalcante recebendo, em maio deste 2023, grana na garagem de um hotel, na capital federal, em que Luciano Cavalcante estava hospedado.

Qualquer um pode ser o Arthur da quebrada, mas Catunda, da maceioense Megalic, que foi ao FNDE com o principal auxiliar de Lira, era próximo de Lira. Qualquer um pode ser o Arthur da parada, mas Cavalcante era o faz-tudo de Lira quando a operação foi deflagrada.

A operação se chama Hefesto, partiu em 1º de junho e, sob busca e apreensão, encontrou com Cavalcante uma relação que associava pagamentos variados, da ordem de R$ 650 mil, a um Arthur — operações feitas entre dezembro de 2022 e março de 2023.

São ao menos 30 pagamentos com a referência Arthur nos registros de Cavalcante. E outros 11, assinalados como sendo do período entre abril e maio de 2023 (cerca de R$ 250 mil), no caderno-caixa do motorista de Cavalcante. Wanderson de Jesus, o motorista do assessor de Arthur Lira. Qualquer um pode ser o Arthur. Luciano Cavalcante, auxiliar de Lira, é Luciano Cavalcante — a mando de quem Wanderson, conforme depoimento à PF, fazia os pagamentos. (A polícia apreendeu mais de R$ 150 mil com o motorista, R$ 110 mil dos quais numa mochila dentro do carro — automóvel e montante que, de acordo com Wanderson, eram de Cavalcante.)

Qualquer um pode ser o Arthur beneficiado pelos pagamentos, ainda que entre as despesas cobertas esteja a fisioterapia de Bill. Não se deve precipitar. Luciano Cavalcante, assessor de Lira, com uma lista de gastos — associados a um Arthur — que incluía cuidados para com Bill, apelido do pai de Lira. Qualquer um pode ser o Arthur. E Bill não é apelido incomum nem no Brasil nem nas Alagoas. Coincidências ocorrem. Por exemplo: a anotação, pega com Wanderson, de pouco mais de R$ 29 mil em favor de “Djair = Arthur”.

Lira emprega — revelou a Piauí — um secretário parlamentar chamado Djair Marcelino, outrora denunciado como integrante de esquema milionário de rachadinha que o MPF acusa o atual presidente da Câmara de ter comandado na Assembleia alagoana. Qualquer um pode ser o Arthur. E quantos Arthures não terão um Djair em prol de quem se movem quase R$ 30 mil? Qualquer um pode ser o Djair de um Arthur qualquer.

Qualquer um pode ser o Arthur, mesmo sendo Arthur Lira um dos padrinhos de emendas para a aquisição de kits de robótica por cidades de Alagoas. Qualquer um pode ser o Arthur; mas a PF preferiu mandar ao Supremo a investigação. Talvez seja precipitação e preconceito. Registre-se, contra a maledicência, que não será somente um o Arthur com foro no STF. Lira não é investigado pela operação.

Precipitados certamente foram os que bradaram que a engenharia do orçamento secreto — mecanismo para exercício do poder desde o Congresso — não consistia também num poderoso sistema de corrupção. Gestão e distribuição de bilhões de reais públicos de forma autoritária e obscura, a própria definição de fiscalização impossível — um convite para que a grana, afinal, encontrasse meios de retornar. Estamos só no começo das descobertas. (E o orçamento secreto, em modo camuflado, não acabou.)

 

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