O Estado de S. Paulo
Há alguma chance de qualquer articulação política dar certo quando o governo parece dizer a todos ‘não ao apaziguamento’?
Lula e o PT, do alto de seus minguados 68
deputados, de um total de 513, representando apenas 13,2%, tentam impor um
programa que, por essa mesma razão, não foi referendado pelas urnas. Se
juntarmos toda a esquerda, ela perfaz 129 deputados, 25% do total, incluindo
partidos como o PSB, o PDT e o Solidariedade, que jamais se submeteram
completamente à hegemonia petista. Logo, a escolha popular – porque é disso que
se trata – foi por uma pauta liberal/conservadora ou, para utilizar uma outra
terminologia, de centro-direita, avessa ao radicalismo esquerdizante, este
mesmo que está sendo imposto arbitrariamente ao País.
O novo presidente venceu enquanto representante de uma ampla “frente democrática”, que ele tenta, com afinco, desmontar. Sua eleição se deve ao “não” que os brasileiros disseram a Bolsonaro, temerosos de suas ambições autocráticas e de suas posições de extrema direita. Escolheram um mal menor, talvez ainda tendo na memória o Lula cordato, negociador e moderado de seu primeiro mandato, tendo naquele então abandonado a cartilha petista, substituindo-a por uma Carta ao Povo Brasileiro, aliás, jamais referendada pelo partido.
Naquela ocasião, até parece um sonho
distante, optou por um governo de tipo liberal, embora tivesse horror ao nome,
sempre insultando qualquer opinião divergente como “neoliberal”. Os fatos
falaram mais alto na conservação da política econômica do governo anterior,
apesar de maldizer a “herança maldita”, ilustrada na escolha dos competentes
Antonio Palocci como ministro da Fazenda e Henrique Meirelles no Banco Central.
Agora, porém, optou pelos dogmas petistas.
O presidente da Câmara dos Deputados,
Arthur Lira, em recente declaração, explicitou com pertinência esse ponto. O
povo brasileiro escolheu um Legislativo liberal/conservador, de modo que
qualquer imposição ideológica petista tem, aqui, uma trava que não pode ser
removida. Não se trata de minimizar o papel dos cargos e emendas parlamentares
que capturam boa parte do Orçamento, mas de assinalar um outro aspecto, não
submetido a esse tipo de barganha. Ou seja, qualquer negociação tem um limite,
que não se resume à compra de votos, como foi prática nos governos petistas,
cuja corrupção deu um duro golpe na imagem do partido. Por mais que tenha
pressionado, o novo governo não conseguiu alterar o Marco do Saneamento Básico,
tendo lá sofrido uma pesada derrota. Embora não cesse de criticar a
independência do Banco Central, nada lá consegue fazer graças ao apoio que lhe
conferem os parlamentares. Ora, se o governo está conseguindo avançar no
projeto do arcabouço fiscal, isso não se deve a uma suposta articulação
política, mas por obediência a uma prescrição constitucional, que representa,
precisamente, uma posição de tipo liberal. Por ruim que seja essa iniciativa
governamental, pior seria sem ela.
Na mesma linha foi o presidente do
Republicanos, deputado Marcos Pereira, ao assinalar que o povo optou por um
Parlamento de centro-direita que, enquanto tal, impõe limites a qualquer
negociação que fuja de seus valores centrais. Conforme declarou, as pautas
escolhidas correspondem a essa orientação, a partir das quais se estabelece
qualquer tipo de articulação. De nada adianta o governo insistir numa pauta contrária,
a de uma esquerda retrógrada, visto que não terá condições de avançar. Não há
articulação política que consiga aqui fazer milagres. Pode o governo mudar os
seus negociadores que o quadro não será alterado. Não se trata de uma questão
de indivíduos, mas de escolhas políticas ancoradas em ideias e valores.
Recepcionar o ditador Nicolás Maduro com
tapete vermelho, como se fosse um democrata, não permite tampouco avançar na
articulação política. A política externa se tornou interna ao pôr em xeque os
fundamentos de um regime democrático. É a democracia que está em questão. O
externo extravasa no interno, exibindo o quanto o novo governo se afastou da
frente ampla democrática que dizia representar. Sobrou apenas a farsa das
narrativas.
Muito menos contribui para a articulação
política defender com veemência o MST, como se se tratasse de um movimento que
busca uma forma alternativa de produção e propriedade, visto que nada mais é do
que um braço do próprio partido alicerçado nas posições comunistas de outrora.
Ao escolher o agronegócio, responsável pela prosperidade econômica do País,
como seu inimigo, o governo e o PT nada mais fazem do que torpedear a
articulação política que procuram implementar. A escolha pelo desrespeito
constitucional ao marco temporal, lançando o País na mais completa insegurança
institucional para atender a uma agenda de tipo ideológica, acirra ainda mais
as disputas políticas. Em vez de negociar com o setor agropecuário e com os
seus parlamentares, reconhecendo os direitos dos indígenas e os dos
agricultores, o governo parte para o confronto.
É como se dissesse para todos: não ao
apaziguamento! Há alguma chance de qualquer articulação política dar certo?
*PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS
Criticar é fácil.
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