sábado, 10 de junho de 2023

Eduardo Affonso - Dez juízes e um amigo


O Globo

Ao instalar seu advogado no STF, Lula comete ato análogo ao nepotismo: não importa a qualificação; a escolha se dá pelos motivos errados

Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou:

— Não é prudente, não é democrático um presidente querer ter os ministros do STF como amigos.

Mas quem disse isso foi o candidato — e, assim como nenhum noivo declara, no altar, que cometerá adultério, promessas de candidato devem ser tomadas com um grão de sal. São palavras para escrever na areia, em dia de ressaca, não para fundir em bronze ou gravar em granito.

Lula tem bons motivos para não querer repetir “erros”, como as indicações de ministros que acabaram por se comportar como juízes, eventualmente votando contra o que lhe interessava. Cachorro picado por cobra tem medo de linguiça, e as marcas das presas de Cármen Lúcia, Dias Toffoli e, principalmente, de Ayres Britto e Joaquim Barbosa ainda devem doer na canela e na memória do presidente — lembrando que mais vale um ato imprudente e antidemocrático na mão que a probabilidade de independência e imparcialidade voando.

Lula pode até não ter medo do julgamento da História — e crer, como Fidel Castro, que ela o absolverá. Mas não quer correr o risco de ser condenado, de novo, pela Justiça. Daí a escolha muito mais política (no mau sentido) do que técnica: o notável saber jurídico do futuro ministro Zanin se resume a uma suada e infatigável defesa, que o fez passar de advogado desconhecido a uma espécie de São Judas Tadeu dos recursos e embargos.

Ao instalar seu advogado no STF, Lula comete ato análogo ao nepotismo: não importa a qualificação; o que conta é que a escolha se dá pelos motivos errados e viola o preceito de impessoalidade administrativa. Será pedagógico ver, em breve, o devotadamente lulista e católico Cristiano Zanin acompanhando votos dos terrivelmente evangélicos e bolsonaristas André Mendonça e Kassio Nunes Marques em questões como descriminalização do porte de drogas e liberação do aborto, caso estas cheguem ao Supremo. Afinal, os três se definem como “a favor da família”, essa instituição tão cara aos populistas.

Em 11/9/21, José Eduardo Agualusa escreveu, aqui no GLOBO:

— O Brasil precisa unir-se — direita, esquerda e o que mais houver — em torno do essencial, e o essencial é a preservação das instituições que asseguram a democracia. O essencial, agora, já, no imediato, é derrubar Bolsonaro.

Atualizando essas palavras, o essencial agora, já, no imediato, é impedir que Lula faça um governo tão desastrado que o país venha, daqui a alguns anos, a eleger (de novo!) qualquer um que o derrube do poder. Para isso, basta que alguém o convença a levar a sério o lema do próprio governo: Zanin, Putin, Maduro, os agrofascistas e o Aerojanja não contribuem em nada nem para a União nem para a Reconstrução.

Aprovado pelo Senado, Zanin terá quase três décadas para superar o vício de origem da sua indicação e provar que os atributos que o levaram à mais alta instância do Judiciário vão além do “é meu amigo, é meu companheiro” dito por Lula.

Para ser respeitado, preservar as instituições e assegurar a democracia, o STF precisa ser constituído de 11 juízes — não de dez juízes e um amigo.

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