O Globo
Ele restabeleceu a compostura internacional
do presidente brasileiro
Lula embarcou
para a Itália e a França. Em Roma, verá o Papa Francisco, seu defensor quando
ele estava na cadeia, e em Paris estará com o presidente Emmanuel Macron.
Parece nada, mas os guarda-costas de seu antecessor arrumaram encrencas nas
ruas de Roma, e ele não quis (ou não conseguiu) ir ao Papa Francisco. Com a
França foi pior. O capitão foi cortar o cabelo e não recebeu um ministro de
Macron.
O Brasil vivia um apagão de civilidade, em
que um homem educado como o então ministro Paulo Guedes deu-se a um comentário
vulgar a respeito de Brigitte, mulher de Macron. (Tolices desse tipo sempre
aumentam o cacife dos ministros no Planalto.)
Lula viaja carregando uma agenda muitas vezes exagerada. Se deixarem, ele volta a defender a criação de uma governança internacional para o meio ambiente. Não lhe basta a ONU, que mal funciona. Uma coisa é certa: Lula restabeleceu a compostura internacional do presidente brasileiro. Não lhe passa pela cabeça dizer ao chanceler que deve mostrar um discurso a seu ajudante de ordens para que lapide suas más ideias. Bolsonaro deu essa atribuição ao tenente-coronel Mauro Cid. O oficial está na cadeia por causa da polivalência que lhe atribuiu o chefe.
A ida de Lula à Santa Sé quebra um jejum de
anos. O Papa Francisco mostrou-se um renovador, dando o barrete cardinalício a
Dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus. A decisão foi sem dúvida adequada
para um tempo em que a Amazônia e seus povos vivem ameaçados. Além disso, ecoou
a História, pois, se o Brasil independente manteve a Amazônia que recebeu de
Portugal, muito deve aos religiosos que entravam na floresta com suas missões.
O padre Antônio Vieira (1608-1697) ralou nas mãos dos colonos que escravizaram
os povos da terra.
Não é por nada, mas vale lembrar que três
arquidioceses que tiveram cardeais (Porto Alegre, Belo Horizonte e Fortaleza)
ficaram esquecidas. O fato de a arquidiocese ter sido ocupada por um cardeal
não significa que seja sempre uma sé cardinalícia, mas sobretudo Porto Alegre
valeria uma lembrança, até porque o Sul do Brasil é um celeiro de vocações
religiosas. Os colonos alemães da cidade catarinense de Forquilhinha deram à
Igreja dois cardeais (Paulo Evaristo Arns — 1921-2016 — e Leonardo Steiner),
mais três bispos, 59 padres e uma centena de religiosas. Isso sem contar Zilda
Arns (1934-2010), irmã de Dom Paulo e mola da Pastoral da Criança. Ela morreu
no terremoto do Haiti, e seu processo de beatificação tramita na Santa Sé. O
cardeal de São Paulo, Dom Odilo Scherer, é parente distante de Dom Vicente, o
primeiro e único cardeal de Porto Alegre. Há séculos os papas pensam duas vezes
antes de fazer isso com cidades italianas. (Pio XII morreu sem elevar ao
cardinalato o arcebispo de Milão Giovanni Battista Montini.) Esse é um dos
muitos mistérios da personalidade deste Papa. De qualquer forma, foi inútil,
pois Montini sucedeu a João XXIII e tornou-se Paulo VI. Ele morreu em 1978
deixando outro mistério: entre os cardeais in pectore que escolheu estava Dom
Helder Câmara? (Às vezes o Papa escolhe cardeais in pectore, sem revelar seus
nomes, para não encrencar com governos ditatoriais.)
Em Paris, com Macron, Lula estará livre do protocolo do Vaticano. Ambos certamente ficarão mais desenvoltos, pois têm motivos para isso.
Pois é.
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