O Globo
Abordagem de jovens negros sob suspeita de
ter maconha é disfarce do racismo, que perderia força com decisão positiva do
Supremo
As drogas estão na pauta do Supremo. Embora
sejam muitas, a mais popular é a maconha.
O que os ministros decidirão agora, nós tentamos resolver no Congresso, durante
o governo FH. Chegamos muito perto de impedir que o portador de droga para
consumo pessoal fosse preso.
As resistências se concentravam em alguns delegados na Câmara. Diziam: tudo bem, não são presos, mas precisam ir à delegacia. Era exatamente isso que queríamos evitar. Infelizmente, em alguns lugares do Brasil, a prisão por porte de drogas tornou-se fonte de renda extra para policiais. Outra objeção era que o tráfico de drogas usaria a medida para ser feito em pequena escala, com milhares de pessoas circulando com doses mínimas. Isso é apenas uma projeção, uma vez que a viabilidade econômica é reduzida.
O que conseguimos naqueles anos foi resultado de longos debates. Ao lado do deputado Elias Murad, um convicto proibicionista, fiz centenas de conversas. Tornamo-nos amigos e conhecíamos os argumentos um do outro de cor e salteado. Nas mesas de debate, sempre havia um delegado, um pastor e um pai, mostrando que o tema teria de passar pelo crivo da polícia, da igreja e da família.
Depois disso, não toquei tanto no assunto,
embora tenha mantido por alguns anos o site Legalize. Minha posição sobre a
maconha sempre foi muito clara: é uma droga letal se um pacote de 10 quilos cair
na sua cabeça, lançada do alto de um edifício. Países como Estados Unidos,
Canadá, Israel, México, Portugal já legalizaram. Aqui perto o Uruguai seguiu o
caminho, e tive a oportunidade de documentar a experiência para a GloboNews,
ouvindo algumas autoridades de lá.
A decisão do Supremo ainda é uma etapa
muito anterior: apenas evitar a prisão do portador. De qualquer forma, qualquer
abrandamento na lei terá inúmeras consequências positivas. A primeira é evitar
que as pessoas comuns sejam presas e convivam com criminosos na cadeia.
Indiretamente, aumentariam as
possibilidades de plantar o cânhamo, uma Cannabis sem THC, a substância que
altera a consciência. O cânhamo tem mais de mil utilidades: de corda a roupa,
revestimentos. Lembro-me de ter ido ao Congresso com um tênis de cânhamo, e os
deputados o olhavam como se vissem algo mágico. Nos Estados Unidos é um produto
considerado estratégico, desses que é preciso ter em tempos de guerra. O fim do
preconceito abriria um campo econômico versátil num país que precisa crescer e,
às vezes, esbarra na sua própria mentalidade.
Há uma consequência social importante:
jovens negros são constantemente abordados sob suspeita de ter maconha. É
apenas um disfarce do racismo que, com uma decisão positiva do STF,
perderia força.
Ela pode, indiretamente, facilitar o uso
medicinal da Cannabis. Quando começamos a debater o tema, no fim do século
passado, ela servia para combater o glaucoma. Hoje as pesquisas já indicam
efeito positivo para um leque bem mais amplo de doenças.
Se o Supremo agora der um passo à frente,
ainda restará intacto o mercado clandestino, onde se geram os principais
problemas, dos crimes por controle de áreas de venda à própria manipulação da
maconha. Num mundo em que as principais pandemias se originam em vírus
respiratórios, é importante que as pessoas protejam seus pulmões. Sob produção
controlada, como em alguns estados americanos, pelo menos o risco de impurezas
seria neutralizado.
Enfim, é um tema que abrandaria a tensão
social, aliviaria as prisões e impulsionaria a economia legal. Tudo depende da
cabeça. No entanto, se há uma virtude necessária para trabalhar com mudanças
culturais no Brasil, sem dúvida é a paciência.
Eu sou pela legalização,mas é uma droga pavorosa,como a cerveja,outra tragédia mundial.
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