Folha de S. Paulo
Era inevitável que acontecesse. Num roteiro
que lembra a trajetória de Simão Bacamarte, o fictício psiquiatra machadiano que
conclui que sua "normalidade" era tão anormal que deveria confiná-lo
ao hospício, o movimento conservador religioso que deu início a uma onda de
banimento de livros de bibliotecas escolares dos EUA resolveu pôr a Bíblia na
lista negra.
O caso aconteceu em Utah, que em 2022 aprovou uma lei que permite a retirada de livros "pornográficos ou indecentes" das prateleiras. Os alvos iniciais eram obras que tratavam de sexualidade ou de temas identitários, mas um pai do distrito de Davis questionou a Bíblia, por "vulgaridade e violência". O distrito removeu a obra das escolas para crianças menores, mas a manteve para alunos do ensino médio.
É uma covardia o que estão fazendo com a
garotada. E uma covardia meio burra, porque alguns dos livros banidos, em
especial a Bíblia, estão ao alcance de todos pela internet. Até entendo que
pais evitem presentear seus filhos recém-alfabetizados com edições ilustradas
do Kama Sutra, mas à medida que crescem, crianças precisam ter
acesso ao conjunto da cultura humana, que inclui livros sobre religião, sexo,
raça, que descrevam práticas condenáveis e até os que as recomendem. O que um
grupo vê como abominável, outro talvez veja como bom.
O banimento revela ainda que os pais não
confiam no próprio tacão. Uma doutrinação convincente faria com que os jovens
se afastassem por conta própria do pecado. Os Amish, uma das mais conservadoras
comunidades religiosas dos EUA, sabem disso e incorporaram em suas práticas o
"rumspringa", o período no qual os adolescentes da seita vão viver o
mundo, com a possibilidade de experimentar álcool, sexo, drogas etc., e depois
voltam (ou não) para abraçar a fé por vontade própria.
Especialmente nas éticas deontológicas, como são as religiosas, a virtude só tem valor se for escolhida, não imposta.
Verdade.
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