Recentes reportagens investigativas
publicadas pela Revista Piauí, aliadas aos dados que estão vindo ao
conhecimento público pelos inquéritos que estão em curso na Polícia Federal,
escancaram a participação de uma enorme parcela de militares, especialmente do
Exército, na intentona golpista que culminou no fatídico 8 de janeiro. Sem
dúvida, esse lastimável “evento disparador”, tão almejado e incentivado, jamais
teria ocorrido sem a omissão, complacência e apoio dos militares. E todos
sabiam que o objetivo desses criminosos era causar uma comoção social e
pressionar as Forças Armadas a promover a intervenção militar, agindo contra a
ordem constitucional e a democracia.
A reportagem da Revista Piauí afirma que a análise dos vídeos dos atos golpistas de 8 de janeiro demonstra ações próprias de pessoas que tiveram treinamento militar. As imagens demonstram ações coordenadas, com emprego de tática militar, de planejamento e de artefatos bélicos de uso exclusivo das FFAA. Quando chegaram à Praça dos Três Poderes, por exemplo, os golpistas dividiram-se em três grupos: um deles dirigiu-se para o Congresso, outro ao STF e um terceiro para o Palácio do Planalto, o que evidencia planejamento, uma vez que a tendência natural de uma multidão é caminhar unida, numa única direção.
Na realidade, a conspirata golpista
foi gestada, em profundo desrespeito à soberania do voto popular e à
democracia, desde o momento em que a Justiça Eleitoral declarou a vitória do
presidente Lula. O ex-presidente e significativa parcela da cúpula das Forças
Armadas, sem nenhuma prova ou evidência, passaram a questionar o resultado da
eleição, notadamente o uso das urnas eletrônicas, assim como a atuação das
autoridades da Justiça Eleitoral, numa atitude de “eleição boa é eleição a
favor”. É dizer, o resultado só seria bom e correto se proclamasse a reeleição
de Bolsonaro.
Incentivados por essas posturas,
centenas de manifestantes indignados pela derrota de Bolsonaro, passaram a
clamar por um golpe militar nas frentes dos quartéis. A concentração maior
ocorreu em frente ao Quartel General do Exército em Brasília, área de segurança
vedada a esse tipo de manifestação, de onde partiram as hordas que praticaram
os atos terroristas – tentativa de explosão de carro com combustível nas
proximidades do aeroporto de Brasília e depredações e tentativa de invasão da
sede da Polícia Federal, quando foram incendiados 5 ônibus, 3 carros
particulares e até uma viatura do Corpo de Bombeiros.
Esses manifestantes golpistas foram,
sem dúvida, defendidos e incentivados pelos militares do Exército, que até
mesmo impediram, antes da intentona golpista de 8 de janeiro, a atuação da
Polícia Militar do Distrito Federal para dispersar os manifestantes alojados em
frente ao Quartel General do Exército.
Isso não significa que a Polícia
Militar do DF, em grande parte sabidamente bolsonarista, não tenha sido
preliminarmente conivente com a intentona golpista de 8 de janeiro, ao
facilitar o avanço dos manifestantes sobre as sedes dos Três Poderes da
República.
Mesmo após os atos de vandalismo
praticados em 8 de janeiro de 2023, quando ocorreram as depredações das sedes
dos Três Poderes da República, os militares continuaram a defender os golpistas
bolsonaristas. Tanto é que, na noite desses lamentáveis atos, já sob a
intervenção do Governo Federal, as forças de segurança do Distrito Federal
planejaram a prisão em massa de todos os envolvidos.
Nessa ocasião, por ordem do então
Comandante do Exército, general Júlio Cesar Arruda, a PMDF foi impedida de
acessar a área onde os golpistas foram concentrados, sendo confrontados por
forças militares do Exército, até com o uso de tanques. Ao final das
negociações, que envolveram o Comandante e três ministros do governo recém
assumido – Flávio Dino, da Justiça; José Múcio Monteiro Filho, da Defesa; e Rui
Costa, chefe da Casa Civil – ficou acordado que as prisões seriam efetivadas
somente na manhã do dia seguinte. Tempo suficiente para que militares e seus
parentes fossem avisados e fugissem do local...
Depois dos dados obtidos no celular do
coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordem de Bolsonaro, não restam dúvidas de que
o golpe foi detalhadamente planejado com a participação de militares de alta
patente, da ativa e da reserva, a maioria deles do grupo dos chamados kids
pretos, a força especial do Exército. De fato, tão logo chegou ao poder,
Bolsonaro cercou-se dos kids pretos – única força que ele dizia confiar
plenamente. Em sua gestão, Bolsonaro convocou pelo menos 26 kids pretos, entre
eles o general Braga Netto, o general Luiz Eduardo Ramos, o tenente-coronel
Mauro Cid, o general Eduardo Pazuello e o coronel Élcio Franco Filho.
A sorte é que, com as investigações e
com os depoimentos nas CPIs, agora sabemos que os militares bolsonaristas são
todos covardes: todos se apresentam como defensores da democracia e da ordem
constitucional.
Mentem descaradamente sobre tudo. Mas,
também sabemos que o golpe não se consumou, conforme a vontade de Bolsonaro e
de muitos outros, porque boa parte do alto comando do Exército não demonstrou
disposição para envolver-se numa aventura golpista de futuro incerto.
A verdade é que muitos brasileiros que
lutaram pela redemocratização do país estão insatisfeitos com os resultados
alcançados, especialmente com a atual desqualificada classe política. Mas isso
não implica e nem se justifica que se queira derrubar a democracia. Ao
contrário, todos devem continuar a luta pelo aperfeiçoamento da democracia, o
que passa pela elevação da consciência da enorme parcela da sociedade que está
excluída, social, econômica e politicamente, sobre a relevância da organização
e participação popular.
O momento é propício para se corrigir
equívocos do passado, promovendo-se uma profunda reformulação das Forças
Armadas, mediante mudanças constitucionais que explicitem claramente a missão
delas no Estado Democrático de Direito, de forma a evitar futuros eventos
semelhantes aos ocorridos no passado recente.
Enquanto os militares não entenderem
que não são um “poder moderador” não passaremos de uma “república de bananas”.
*Geólogo, advogado e escritor
Boa parte dos bolsonaristas são ignorantes mesmo,mas o pior são os despostas esclarecidos,tá certo que só com eles Bolsonaro não teria sido eleito jamais.
ResponderExcluir