quinta-feira, 29 de junho de 2023

Merval Pereira - Palavras vãs

O Globo

Militares que aderiram à ideia de golpe tentam apagar as digitais e desfazer a cena do crime

É impressionante a irresponsabilidade com que militares da ativa, de alta patente, aderiram à ideia do golpe para impedir o presidente eleito, Lula, de tomar posse. Mais impressionante ainda é a tentativa de desfazer a cena do crime, ressignificando o sentido das próprias palavras, escritas com todas as letras em mensagens de WhatsApp.

O ex-presidente Bolsonaro, aliás, é a fonte dessa atitude cínica utilizada por seus seguidores, pois nega até mesmo vídeos, como se tivessem sido produzidos pela tecnologia deep fake. Uma das mensagens entre o coronel Jean Lawand Júnior, que trabalhava no setor de projetos estratégicos do Estado-Maior do Exército, e o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens do então presidente Bolsonaro, revela o estado de espírito deste em relação às Forças Armadas.

O que, por si só, é demonstração de que em nenhum momento o Alto-Comando aderiu ao golpe que era tramado. O coronel Lawand apela por uma decisão de Bolsonaro por um golpe, e Cid afirma que o presidente não dará a ordem “porque não confia no Alto-Comando do Exército”. Ao que o coronel Lawand responde:

— Cid, pelo amor de Deus, o homem tem que dar a ordem. Se a cúpula do EB não está com ele, da divisão para baixo está. Assessore e dê-lhe coragem.

Na CPI, o coronel golpista tentou convencer os deputados de que seu apelo era “pelo apaziguamento do país”. Não é preciso ter sido graduado na Academia Militar de Agulhas Negras nem pós-graduado em ciências militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais para entender o que ele escreveu. Sua explicação na CPI é uma afronta à sociedade e uma tentativa canhestra de enganar os parlamentares.

Mesma atitude de seu ídolo, o próprio Bolsonaro, quando tenta naturalizar sua atitude infame de enviar aos governos estrangeiros, por meio de seus embaixadores e embaixadoras, um apelo mal disfarçado de apoio a sua atitude contrária às urnas eletrônicas. Esquece propositadamente que era o presidente da República, e não um político qualquer como Carlos Lupi ou o falecido Leonel Brizola. Finge que sua posição hoje é semelhante à do então presidente Michel Temer, julgado e absolvido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Só que, naquela ocasião, a presidente Dilma já havia sido impedida de continuar governando, e Temer já assumira a Presidência. Sua cassação causaria um transtorno institucional que precisava ser evitado. Bolsonaro já está fora do poder, derrotado em eleição avalizada pela Justiça. Sua condenação, ao contrário, será uma punição exemplar em defesa da democracia.

Outro caso exemplar é o tenente-coronel da FAB Igor Rocha, que fez uma postagem no início do ano, só agora amplamente divulgada, torcendo pela morte do presidente Lula. Ele é da ativa, trabalha no setor de comunicação da Aeronáutica. Alegou que era sua conta particular e que o sugerido no post era “uma opinião pessoal”. Como se fosse normal qualquer um desejar explicitamente a morte de alguém nas redes sociais, além do mais um presidente da República. No caso dele, um militar graduado da ativa da Aeronáutica.

Não se esqueceu de dizer que se arrepende de ter feito o que fez, como se isso resolvesse a questão. Se não for punido exemplarmente, a atitude de seus superiores será entendida como, no mínimo, leniência, se não cumplicidade. Há diversas maneiras de encarar o uso das redes sociais para orquestrar ações ilegais de derrubada de governos. Alguns países, como os Estados Unidos, aceitam esses arroubos como parte da liberdade de expressão. Outros, como o Brasil, procuram controlar a prática de crimes nas redes sociais, prevenindo ações ilegais. Até agora, mesmo com exageros constatados, a democracia brasileira deve ao rigor do Supremo Tribunal Federal e do TSE sua sobrevivência.

 

3 comentários:

  1. Excelente.

    Especialmente vindo de um colunista muitas vezes criticado ( especialmente pelos de esquerda, leia-se petistas ) por ser " direitista ", " reacionário ", " bolsonarista " ou qualquer coisa do tipo.

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  2. MERVAL É BEM MAIS QUE QUALQUER COISA DO TIPO

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