O Estado de S. Paulo
Lula sabe que os números da economia só se traduzem em votos quando se refletem na vida real
Na política, seguem as divergências entre
governo e Congresso – pão de cada dia nas democracias. Na economia, esta semana
foi marcada por boas notícias. O dólar caiu, a Bolsa subiu e melhorou a nota de
crédito do Brasil na agência Standard & Poor’s. “Achávamos em dezembro passado
que o País cresceria 1% em 2023, e agora aumentamos a projeção para 2%”, diz
Samuel Pessôa, pesquisador e professor da Fundação Getulio Vargas, demonstrando
um certo otimismo com os rumos do País.
Para ele, parte dessa boa perspectiva se deve ao agronegócio. “Prevíamos que a expansão da agropecuária seria da ordem de 8% e, na realidade, deve chegar a 15%”, diz Pessôa, entrevistado no minipodcast da semana. “Com isso, o preço dos alimentos caiu, melhorando a vida dos cidadãos mais vulneráveis, num país que aumentou o investimento em programas sociais.”
Esses programas também influenciam o bom
resultado. O Bolsa Família representava investimento de 0,45% do PIB na época
de sua criação e aperfeiçoamento, nos governos de Fernando Henrique e Lula 1.
Esse número mais que triplicou ao longo dos anos, chegando a 1,75% – em tempos
recentes, o aumento se deveu à incorporação dos auxílios da pandemia. Para
Pessôa, o Bolsa Família tem ajudado a movimentar outro motor do crescimento: o
consumo.
Houve, segundo Pessôa, um aumento na média
salarial dos trabalhadores menos qualificados. “É um fenômeno que está sendo
estudado agora e se verifica também nos Estados Unidos”, diz o pesquisador.
“Num cenário sem pandemia, com um Bolsa Família mais generoso e alimentos mais
baratos, as famílias ganham uma folga e os jovens ficam na escola. A hipótese é
de que a concorrência no mercado de trabalho diminui e os salários sobem.” Se
os estudos confirmarem a hipótese, há uma pequena melhora em curso na dura vida
real dos brasileiros.
Pes sô aéo criador do termo “Malocci”, que
designa o período em que Pedro Malan e Antonio Palocci, com visões semelhantes,
comandaram a economia – uma era de bons indicadores e ganhos sociais. Para ele,
o ciclo virtuoso pode se repetir. “O ministro Fernando Haddad criou uma agenda,
que inclui o arcabouço fiscal e a reforma tributária”, diz. “Se Lula colocar
essa agenda debaixo do braço e lutar por ela, pode chegar ao fim do mandato com
bons resultados.”
Batalhar no Congresso por essa agenda – que
encontra resistências dentro do próprio PT – é o maior desafio do atual
presidente. Mais que otimismo, o avanço na economia depende de trabalho duro na
política. Lula sabe disso – e sabe também que os números da economia só se
traduzem em votos quando se refletem na vida real.
Escritor, pesquisador do Observatório da Qualidade
da Democracia na Universidade de Lisboa e professor da Faap
Muito bom...
ResponderExcluir