O Estado de S. Paulo
Num país instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável
Alguns de meus leitores veem como exagero o
pessimismo expresso nos textos que publico neste espaço. Essa questão é de suma
importância e muito oportuna. Oportuna, de um lado, porque começam a aparecer
sinais de ativação na economia. De outro, porque o governo está estabelecendo o
que denomina “um novo arcabouço fiscal”, que seria um avanço no sentido de uma
futura reforma tributária.
Os dois pontos mencionados são importantes à luz da impressão de pessimismo que meus textos possam ter causado. Importantes e oportunos dependendo, é claro, do que venhamos a entender por pessimismo. Num país instável como o nosso, não é concebível que a maioria dos cidadãos se sinta satisfeita o tempo todo. O normal é uma lamúria interminável, quase constante, cujo teor subjetivo nada esclarece e nada contribui para melhorar a situação vigente. A presente discussão valerá a pena se por pessimismo entendermos uma avaliação de realidades objetivas, que possam ser comprovadas por meio da análise de estatísticas e da existência ou não de um sentimento semelhante entre os demais segmentos da sociedade. Dessa forma, podemos aquilatar se a economia permanecerá estagnada ou em retrocesso, como tem estado há vários anos, ou se aponta para um horizonte de efetiva recuperação.
Para este ano, vem-se estimando um
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) superior a 2,0%, número expressivo,
porque poderá afetar de forma positiva as expectativas para os anos seguintes.
Caso se concretize, sem dúvida precisaremos repensar nossas avaliações,
abaixando a bola do pessimismo. Registremos, no entanto, que tal crescimento
será quase totalmente puxado pelo agronegócio. Ou seja, esse setor continuará a
ser, como tem sido há um bom tempo, o pilar da segurança que temos desfrutado
em nossas transações externas. Mas registremos, também, que o agronegócio não
cumpre um papel relevante na criação de empregos. Amplamente mecanizado, não é
dele que virá a reversão do brutal desemprego que o País começou a padecer
desde a passagem da sra. Dilma Rousseff pelo Palácio do Planalto. Essa nota de
cautela deve ser reforçada pelo fato de que, no presente momento, estamos nos
contorcendo para voar com duas turbinas desligadas: a da indústria, reduzida a
pífios 11% do PIB, e a do consumo, em prolongada baixa, pelas mesmas razões que
catapultaram o desemprego para a estratosfera. Quem circular uma ou duas horas
pela cidade forçosamente verá a formação de numerosas favelas em grandes
avenidas, fenômeno obviamente associado ao fundo de poço em que caímos desde
2014.
O outro fator que mencionei é o chamado
“arcabouço fiscal”, que o governo, a duras penas, conseguiu arrancar do
Congresso Nacional. Confrontado com as contínuas “furadas de teto”, ele
acertadamente optou por uma abordagem mais abrangente, pela via tributária, na
expectativa de equilibrar as contas públicas sem os padecimentos a que é
submetido ano após ano. Contudo, com os dados e as estimativas de que dispomos,
é difícil de conceituar com segurança se se trata mesmo de um ensaio de reforma
tributária ou de uma brutal tentativa de aumentar a arrecadação, vale dizer, de
aumentar impostos, sem dó nem piedade. Após diversos anos celebrando seus
feitos na transferência direta de renda aos necessitados, não descabe
conjecturar que o governo vai apresentar-lhes a fatura, desta vez mirando
setores amplos: o que habitualmente denominamos classe média, ou baixa classe
média.
Neste estágio da luta, não temos como
avaliar a dimensão de tal aumento, e muito menos sua distribuição entre os
diferentes setores da economia. O que podemos afirmar com razoável segurança é
que o setor de serviços (restaurantes, lanchonetes, pequenos negócios ligados
ao turismo, etc.) será duramente atingido. E aqui cabem duas observações.
Primeiro, grande parte desse setor já está na margem de sobrevivência. Mais um
módico acréscimo no que entrega ao Fisco poderá provocar um efeito dominó de
falências. Segundo, ao contrário do que ressaltei em conexão com o agronegócio,
a área de serviços é essencial para a criação de empregos. Faço aqui uma
projeção impressionista, isso é óbvio, mas permito-me sublinhar que a eventual
concretização dela manterá ou aumentará a atual massa de desempregados, quando
a promessa das novas autoridades federais era reduzi-la.
Enredo óbvio, objetarão meus leitores,
mesmo alguns dos que se têm esforçado para manter a esperança na retomada do
crescimento e em avanços no campo do bem-estar. Sim, inteiramente previsível,
notadamente quando vemos mais um governo tangenciando as grandes pedras que
temos à frente. Quem tem olhos de ver e ouvidos de ouvir sabe que o Brasil só
terá de fato saída quando desmontar aquele nosso velho conhecido, o Estado
patrimonialista, quando acreditar no setor privado como dínamo do progresso,
quando abandonarmos de vez a triste herança de uma economia fechada ao exterior
e quando tivermos uma mísera ideia – uma, pelo menos – para refazer de alto a
baixo o nosso teratológico sistema de ensino.
*Sócio-diretor da Augurium Consultoria, é membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências
É isso aí.
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