Valor Econômico
No Ministério da Fazenda, a avaliação é de
que o início de ano muito ruim parece estar ficando para trás
Era janeiro de 2003 e nevava levemente em
Davos, na Suíça, quando o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi ao
hospital local visitar o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles,
que na véspera lesionara o pé ao escorregar no chão congelado. Na salinha
destinada aos fumantes, o médico sanitarista que vinha surpreendendo o mercado
no comando da economia afirmou que o Brasil cumpriria, sim, seu contrato com o
Fundo Monetário Internacional (FMI). Esse era um ponto de preocupação naquele
momento. Depois, daria um “obrigado” e um “até logo”.
Vinte anos depois, o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, não perde oportunidade para frisar que o Brasil não deve ao
FMI. Dessa forma, deixa clara a diferença da situação atual em relação aos anos
1980, quando o slogan “Fora FMI” foi um hit dos movimentos de esquerda.
No entanto, o Brasil segue como membro do
organismo. No mês passado, uma missão técnica esteve no país para uma avaliação
de rotina e sugeriu que fosse considerada a adoção de uma meta de inflação de
médio prazo. Metas anuais, comentou o organismo, são formas menos eficientes de
ganhar flexibilidade diante de choques.
Essa mudança tem sido defendida por Haddad há algum tempo. É tema que pode estar na pauta da reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) do próximo dia 29, assim como a meta de inflação para 2026.
Além do Brasil, só Turquia e Tailândia
adotam o ano-calendário para meta de inflação, argumenta-se entre os técnicos
da área econômica.
A adoção da meta contínua nem seria uma
mudança tão drástica do ponto de vista operacional, visto que o Banco Central
já opera olhando 18 meses à frente, comentam.
Eles avaliam que a mudança não causaria
ruído. Em conversas com agentes de mercado, perceberam que a mudança é vista
como um aprimoramento do sistema de metas de inflação.
Finalmente, não parece haver dúvidas nos
bastidores de que a meta de inflação será fixada em 3%. Esse já é o nível
estabelecido para 2024 e 2025, numa indicação de que a ideia era mesmo mantê-la
assim, comenta-se.
Nas últimas semanas, economistas de
diversas instituições financeiras indicaram à equipe econômica que estão apenas
aguardando essa decisão para cortar suas previsões para o Índice de Preços ao Consumidor
Amplo (IPCA) da casa de 4% para 3%.
O resultado desse índice para maio,
divulgado na semana passada, uma alta de 0,23%, apenas reforçou algo que já se
observa com quase euforia na área econômica: os sucessivos cortes nas projeções
da inflação.
Além da inflação em queda, o resultado do
Produto Interno Bruto (PIB) trouxe informações que podem reforçar o esperado
movimento de corte na taxa de juros na reunião do Comitê de Política Monetária
(Copom) em agosto. Ou junho, como gente boa do mercado não descarta.
Como se sabe, o crescimento de 1,9% no
primeiro trimestre foi puxado pelo desempenho da agropecuária, que avançou
21,6%, ante expectativas na casa dos 8% a 10%.
Outra surpresa, menos comentada, foi o
desempenho do setor de serviços, que avançou magro 0,6%, liderado por
transportes. Isso reflete, de novo, o desempenho do agronegócio brasileiro.
Diferentemente do que esperava o próprio
governo, o aumento do salário mínimo não impulsionou comércio e serviços.
Do ponto de vista da atividade econômica, é
má notícia. Do ponto de vista de inflação e juros, é ótima, comenta-se nos
bastidores.
Os dados mostram que os serviços
adjacentes, a parte mais difícil de combater do processo inflacionário,
retraiu-se. É sinal de preços comportados à frente.
Quer dizer também que há espaço para
recuperar comércio e serviços no segundo semestre sem pressionar a inflação.
O crescimento forte, explicam os técnicos,
veio concentrado no setor agropecuário, em produtos como soja e milho. Com
isso, houve queda no preço da carne no atacado. Trata-se de um vetor contrário
à inflação.
Em suma, a abertura dos dados do PIB mostra
um cenário “ótimo” para baixar juros, avalia-se. As perspectivas para a decisão
do Copom melhoraram “muito”.
À perspectiva de juros mais baixos,
junta-se o início do programa Desenrola e a queda dos spreads no mercado de
capitais, num indício que o susto com o caso Americanas está passando.
Inadimplência e crédito são os dois problemas a serem atacados em 2023, segundo
os técnicos.
Assim, avalia-se na Fazenda, o início de
ano muito ruim parece estar ficando para trás.
Final da primeira temporada, mas não da
série. Se o arcabouço fiscal caminha para ser aprovado antes do recesso
parlamentar, ainda faltam medidas que darão suporte aos objetivos ambiciosos
estabelecidos nele.
A reforma tributária, por sua vez, está
deixando o terreno relativamente confortável das linhas gerais para a batalha
dos diabos que moram nos detalhes.
As perspectivas estão melhores apesar dos
ruídos em torno da autonomia do Banco Central, dos muxoxos do PT à nova regra
fiscal, do ponto fora da curva que foi o programa do “carro popular”. A
estratégia econômica não precisava desse tipo de fogo amigo.
Pois é.
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