quarta-feira, 14 de junho de 2023

Vera Magalhães - Descompasso entre economia e política

O Globo

Enquanto Haddad reverte má vontade de agentes econômicos, presidente não consegue nem demitir ministra inoperante administrativa e politicamente

Passado quase meio ano, as expectativas para o governo Lula se inverteram e, hoje, as boas notícias vêm da economia, enquanto a política inspira cuidados.

Enquanto Fernando Haddad conseguiu superar uma enorme má vontade dos agentes econômicos quando de sua indicação para a Fazenda e articulou não apenas o projeto do arcabouço fiscal, mas um plano de aonde quer chegar ao fim de quatro anos, os demais ministros patinam entre propostas do passado — as que outrora deram certo e até aquelas que já se mostraram equivocadas quando eram novas — e a dificuldade de fazer deslanchar as políticas públicas em suas áreas.

Foi o economista José Roberto Mendonça de Barros quem fez essa síntese que me deu o mote para a coluna. Louvado sempre por seu tirocínio político, Lula não consegue, no momento, sequer decidir se demite uma ministra até aqui inoperante administrativa e politicamente como Daniela Carneiro.

Haddad conseguiu superar primeiro o fogo amigo petista, atiçado com lança-chamas já na transição. Ali ele ganhou créditos para validar seu projeto de arcabouço e enviá-lo ao Congresso. Obteve êxito naquilo que o resto do governo está longe de alcançar: convencer Arthur Lira a trabalhar quase de graça pela aprovação da matéria. Agora arranca palavras elogiosas até de Roberto Campos Neto, que, de forma infantil, Lula e o PT tentaram transformar em inimigo público número um nos primeiros dias de mandato.

Isso não significa que o ministro da Fazenda seja um gênio, mas que ele fez aquilo que se imaginava que o presidente e os demais ministros fariam: olhou o cenário do país polarizado, avaliou até onde poderia ir, reconheceu que teria contra si uma enorme desconfiança e traçou um plano para cada um desses obstáculos. Para alguém que já foi acusado de perder a reeleição para prefeito de São Paulo em parte pela arrogância de achar que seus projetos eram visionários demais para ser compreendidos pelo eleitor, é uma evolução e tanto.

O que impediu o ministro da Educação, Camilo Santana, de ter, ao assumir o MEC destruído por Jair Bolsonaro, um plano acabado para a alfabetização — tendo como ponto de largada os ótimos resultados da experiência no Ceará — e um caminho sobre o que fazer com o ensino médio?

Só agora saiu o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, que tem a ambiciosa meta de zerar o analfabetismo de crianças até o 2º ano do ensino fundamental em quatro anos e estabelece recursos para isso, mas que deixa de fora o domínio de matemática básica, enquanto o mundo considera, para efeito de rankings e estatísticas, proficiência nas duas áreas.

Na novela do ensino médio, foi dado mais prazo para uma consulta que parece destinada a dar tempo ao governo, ciente de que sua base política exige uma revogação total da reforma feita em 2017, que o Congresso nunca aprovará. Mais eficaz, corajoso e justo com os alunos seria admitir essa realidade política — que, ademais, é a síntese da relação Executivo-Legislativo — e propor o que fazer.

A ausência de políticas públicas consistentes na largada da maioria das pastas, conjugada com a dificuldade de montar um primeiro escalão que se reflita em maioria no Congresso, é hoje entrave para que Lula possa surfar na fase de boas notícias na economia.

Essas são impulsionadas, em parte, pelo ganho de confiança na Fazenda e no restante da equipe econômica. Permitem vislumbrar, sem estridência, um horizonte para a tão sonhada queda dos juros a partir de agosto e um crescimento em 2023 superior a 2%, suficiente para que o presidente volte a construir uma popularidade sólida.

Eis um modelo para que o governo não apenas troque nomes de lugar e fique eternamente ajoelhado no altar de exigências de Lira, mas faça uma reforma mais profunda, de eixo e de propósitos.

 

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