terça-feira, 6 de junho de 2023

Luiz Carlos Azedo - O que os ambientalistas devem aprender com os ruralistas

Correio Braziliense

O lobby dos ruralistas, o atraso do agronegócio, em relação às pautas ambientais é muito mais eficiente. Mesmo havendo um novo governo que promove radical mudança na política ambiental

No livro Lógica da Ação Coletiva (Edusp), o economista Mancur Olson explica o comportamento de indivíduos racionais que se associam para a obtenção de algum benefício coletivo na democracia. Sua pretensão foi apresentar uma alternativa à teoria sociológica tradicional dos grupos sociais, que já não dava resposta à deterioração política das relações entre os governos e os cidadãos na sociedade norte-americana. Estamos falando na década de 1960. Sua conclusão principal foi de que “quando maior for o grupo, menos intensa será a defesa de seus interesses comuns”, o que parece ser um contrassenso.

Macul considerou os benefícios coletivos como uma espécie de “benefício invisível”, que se transforma em benefício individual e, depois de obtido, não pode ser negado a ninguém, mesmo que não tenha participado da luta para conquistá-lo. Ou seja, um bem público. Do ponto de vista da racionalidade coletiva, todos ganhariam caso houvesse uma cooperação integral. Porém, a racionalidade individual proporciona a recompensa mais vantajosa para quem se omite, independentemente de os outros membros do grupo cooperarem ou deixarem de cooperar, porque receberá os mesmos benefícios.

É mais ou menos o que acontece com a questão ambiental. Todo mundo sabe que o aquecimento global é uma ameaça à sobrevivência da humanidade e que conter o desmatamento é o meio mais barato e rápido de refreá-lo. É isso que faz da Amazônia a vedete mundial da questão ambiental. O impacto de uma política de desmatamento zero na contenção do aquecimento global a curto prazo é muito maior e mais barato do que a conversão da economia do carbono em economia verde.

No momento, isso é tudo que os governos das economias mais desenvolvidas desejam para fazer essa conversão. No Brasil, a transição seria até mais fácil, porque a nossa matriz energética é predominantemente renovável e ainda temos a possibilidade de produção de biocombustível em grande escala. Ocorre que a “mão invisível” do mercado, que resulta do auto-interesse social, em determinadas situações, produz resultados desastrosos para o coletivo. Reciclar, utilizar produtos reaproveitáveis, não desperdiçar, ou seja, adotar hábitos ecologicamente sustentáveis no dia a dia é muito bonito e tem apoio de todo mundo, principalmente quando praticado pelos outros.

Mas esse não é um dilema só nosso, é um problema das democracias ocidentais. Grupos pequenos, com interesses concentrados, podem obter resultados mais robustos do que grupos maiores cujos interesses sejam difusos. A ultrapassagem da sociedade industrial, de certa forma, confirmou essa teoria, porque a representação de classes sociais se enfraqueceu, como acontece, por exemplo, com sindicatos outrora muito poderosos, a exemplo de bancários e metalúrgicos, enquanto os grupos de pressão por interesses afins, organizados em redes sociais, se fortaleceram e são mais eficazes.

O lobby dos ruralistas, o setor mais atrasado do agronegócio, em relação às pautas ambientais é muito mais eficiente do que o dos ambientalistas. Mesmo havendo um novo governo que promove radical mudança na política ambiental, como ficou demonstrado, nesta segunda-feira, Dia do Meio Ambiente, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lado das ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara. O atual Congresso barra qualquer lei que possa fazer o agronegócio se sentir ameaçado.

Eficiência concentrada

Sua frente parlamentar que é desproporcional em relação ao seu peso eleitoral e muito mais competente na atuação política do que os ambientalistas. A atuação dos agentes penitenciários da Califórnia serve de paradigma para entender o poder de pressão dos ruralistas no Congresso. Nos anos 1970, o presidente da Associação dos Guardas Penitenciários da Califórnia, Don Novey, classificava como a missão mais difícil do Estado cuidar de 36 mil prisioneiros. O lobby funcionava porque Novey construiu uma narrativa de combate à violência e organizou grupos de defesa de suas vítimas, recebendo maciço apoio dos republicanos.

Em 2002, a população carcerária era de 130 mil detentos e o número de agentes penitenciários havia saltado de 2,6 mil para 31 mil. Havia 21 novos presídios, os salários dos guardas ultrapassavam US$ 100 mil por ano, com direito a aposentadoria aos 50 anos, com 90% dos rendimentos. O segredo foi uma aliança com legisladores conservadores e construtores de presídios, que resultou na aprovação da “Three strikes” (Três Delitos – Três Golpes), em 1994. A lei segundo a qual quem tivesse sido condenado por dois delitos e cometido um terceiro, violento ou não, poderia ser condenado de 25 anos à prisão perpétua.

Os guardas penitenciários californianos não formavam uma base eleitoral de grande expressão, mas eram capazes de desequilibrar as disputas eleitorais por meio do financiamento eleitoral e do ataque aos parlamentares que defendiam os direitos humanos. Quem não apoiasse suas teses, veria o dinheiro fluir para o adversário na campanha eleitoral. Entretanto, diante da explosão da população carcerária, há 10 anos o governo da Califórnia reagiu, e essa lei acabou sendo abrandada.

 

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