terça-feira, 6 de junho de 2023

Carlos Andreazza - O combustível está acabando

O Globo

A notícia é que Lula teria resolvido se mexer. Informa-se que irá a campo trabalhar pela articulação política de seu governo. Estamos em junho. Estava parado? Ou se mexia mal?

Mexendo-se sempre está o Parlamento, energia que faz o volume do tanque baixar. Arthur Lira explica:

— Hoje o governo tem contado com a boa vontade desses partidos que estão votando republicanamente. Esse combustível está acabando.

Comunica-se que a rapaziada tem votado no amor, voto de confiança, mas que a gasolina não está barata; e que não serão esses republicanos a reabastecer. E então Lula entrará em cena, decorridos cinco meses de boa vontade. Estava parado? Ou se mexia mal?

Delegar também é movimento; não sendo possível crer que Alexandre Padilha e Rui Costa tenham agido até aqui sem o aval do presidente. Lula vai a campo e os coloca na panela. Não é possível saber a altura do fogo; nem quão incompetentes seriam. Sabe-se que o Congresso Lira quer as cadeiras dos ministros.

Lula vai a campo — e não são muitas as opções para que articule. Sabe-se também que entregar cabeças compõe o instrumental da negociação política.

O presidente é o dono dos assentos, domina a prática e conhece a demanda. Que nem sempre foi essa. A cousa era mais simples — a pedida: para que o governo honrasse a palavra e desse fluência automática à distribuição dos dinheiros das emendas conforme indicações dos deputados. Não faltaram alertas explícitos — de Elmar Nascimento e do próprio Lira, várias vezes. Que puseram sobre os ombros de Padilha e Costa a carga de responsáveis pelo trânsito interrompido. Os ministros travaram o ritmo das liberações — atraiçoaram o compromisso — por conta própria?

No curso dos últimos quatro anos, o Congresso se tornou gestor autônomo de fundos orçamentários — e não aceita sócios. Ao Executivo cabendo exclusivamente soltar as granas. Ponto. Firmou-se um acordo a respeito. O Planalto aceitara dançar a música no mesmo tom em que Bolsonaro havia pervertido as relações com o Parlamento. E depois quis tocar em outra nota. Foi quando rachou o vestiário.

A exigência se tornou mais complexa — e cara — porque o governo Lula se comprometera com um jogo cujas regras descumpriria. Não é vítima; certamente não inocente. Topou conjugar verbos numa linguagem em que o pretenso mais esperto fica suscetível a chantagens. Fez pacto com o capeta — com o sistema do orçamento secreto — e armou contra o arranjo. Esse é o fundamento da crise acirrada na relação entre Planalto e Parlamento.

O governo, longe de ser leve, traiu acordo com a barra-pesada. Difícil sendo acreditar que o presidente desconhecesse o combinado e a tentativa de caloteá-lo.

O que fora combinado, até formalizado na Lei Orçamentária Anual? Que se driblaria o Supremo com a transferência dos bilhões outrora sob emendas do relator (RP9) para os cuidados — fachada — dos ministérios (RP2), permanecendo os dinheiros, como se propriedade privada, para que exclusivamente os parlamentares lhes pudessem indicar os destinos. Esse é o centro do contrato — entre governo e Congresso — em função do qual se aprovaria a bilionária PEC da Transição, ainda em dezembro. Um contrato de continuidade relativamente à prática de Bolsonaro.

Empossado, no entanto, o novo governo decidiu testar o pilar do acerto que lhe dera viabilidade econômica e passou a segurar, dificultar mesmo, a liberação das emendas, em seguida pretendendo influir no — participar do — destino das granas. Tentou trapacear cobra criada numa floresta em que lobo não come lobo.

E então vem Lula a campo. No momento em que já não bastará apenas fazer as emendas desaguarem. O governo — de Padilha e Costa — avaliou que poderia brincar de ciranda com o Orçamento. Era dança das cadeiras. O preço subiu; ganhou corpo. Confiança é fundamental. O governo — de Lula — fará o quê? A pressão mudou de grau; agora é por reforma no Planalto.

Não adiantará trocar juscelino por sabino, senão em nome de semanas de refresco. A comunicação é outra e clara. Questão de credibilidade. A turma quer um ciro nogueira no palácio, cuidando do giro das emendas desde dentro. Não será mais somente pagar. Mas pagar, sem filtros ou escalas, sob operador preposto pelos donos do Parlamento. Questão de credibilidade.

E então vem Lula a campo. Para quê? Imagina-se que não para ficar exposto. A margem é estreita. Para quê? Para demitir Rui Costa e Alexandre Padilha? Gerindo o prejuízo, só um deles? E fará o acordo — pelo fluxo automático do orçamento secreto — ser afinal cumprido? Quem seria o ciro nogueira? Lula fará como Bolsonaro? É o que deseja o Congresso Lira. Um novo frentista, dedo frouxo na bomba. O combustível está acabando.

 

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