O Globo
Um ministro do Supremo que é aprovado da
maneira como Zanin foi torna-se parte de um grande conluio, implícito na
maneira “amigável” como foi tratado
Como se sabe, a Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania (CCJ) é a principal do Senado. É ela que atesta a base
legal de qualquer iniciativa parlamentar antes de a matéria ser enviada para
decisão do plenário. Como se explica, então, que seu presidente, o senador Davi
Alcolumbre, tenha liberado a votação da indicação do advogado Cristiano Zanin
para o Supremo Tribunal Federal (STF) sem que a sabatina tivesse sido
encerrada?
Somente com o desprezo com que os senadores
tratam, e não é de hoje, as sabatinas dos candidatos ao Supremo, que, em tese,
são uma das tarefas mais importantes que têm pela frente nos oito anos de
mandato. Nada justifica tamanho descaso, mas o fato demonstra que os senhores
senadores não atribuem à sabatina a relevância que ela tem.
Não é apenas o presidente da República quem indica o novo integrante do Supremo, mas também o Senado, que, ao aprová-lo, é corresponsável pela indicação. Se o fizerem sem o devido rigor, os senadores se tornam cúmplices de uma ação que mascara a democracia, fazendo com que sua mera formalização a desidrate, perdendo o vigor necessário para o pleno funcionamento.
Um ministro do Supremo que é aprovado da
maneira como Zanin foi torna-se parte de um grande conluio, implícito na
maneira “amigável” como foi tratado. Não se exigem grosserias, mas rigoroso
escrutínio que garanta à sociedade que não existe a possibilidade de troca de
favores. No caso de Zanin, havia outro ingrediente político delicado: o
interesse suprapartidário em fortalecer o advogado que ajudou a desmoralizar a
Operação Lava-Jato, “estancando a sangria”, como pedia Romero Jucá.
O mais espantoso é que não tenham receio da
repercussão, que façam uma coisa dessas com uma sem-cerimônia transmitida ao
vivo pela televisão. O valor do questionamento dos senadores é, nesses casos,
irrisório, apenas formalização de exigências legais. Assim como o tal “notório
conhecimento jurídico”, critério que Cristiano Zanin não preenche. Ou melhor,
preenche como qualquer advogado entre os milhares que o Brasil forma
anualmente, sem que seja reconhecido profissionalmente entre os melhores ou que
tenha títulos de estudo e experiência profissional em cargo de importância no
Estado, como Advocacia-Geral da União ou Ministério da Justiça, para citar
apenas dois.
Quanto à impessoalidade, é impossível
aceitar que esse critério constitucional tenha sido preenchido na indicação de
Zanin, pois a única razão para tal é a proximidade do advogado com o presidente
da República. Aqui é sempre bom lembrar o grande jurista Sobral Pinto, que
recusou uma oferta do então presidente Juscelino Kubitschek para indicá-lo ao
Supremo depois de tê-lo defendido exitosamente num processo político delicado.
Preferiu recusar, pois, se alguma vez votasse contra o presidente, seria
considerado um traidor e, quando votasse a favor, estaria pagando uma dívida.
Decidindo indicar um ministro do Supremo
baseado apenas na lealdade pessoal, o presidente Lula abriu mão de uma de suas
qualidades mais equivocadamente ressaltadas: ter nomeado para o Supremo juízes
independentes. O próprio presidente se encarregou de desmontar a aparência de
estadista quando disse que se arrependeu das indicações anteriores, enquanto
cita o ministro Ricardo Lewandowski como exemplo a seguir.
O arrependimento significa que Lula, ao
indicar ministros do STF, esperava deles uma reciprocidade pessoal que não cabe
numa democracia. Seria normal que esperasse um comportamento progressista nas
votações em temas de valores sociais, como aborto ou casamento gay. Ou
conservador, no caso de Bolsonaro. Essas são questões que traduzem um
alinhamento ideológico com o presidente compatível com a democracia. Mas não é
aceitável um comprometimento pessoal que livre o presidente, ou seus ministros,
de punição por crimes ou irregularidades administrativas.
A oratória do Zanin não é das melhores.
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