O Globo
Desacreditar o processo eleitoral é um
claro passo na direção do golpe pretendido, que mais adiante ficou explícito,
tanto nas minutas golpistas quanto nas ações de 8 de janeiro
É possível discutir se o fato de o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) ter aceitado incluir no processo contra Bolsonaro a
minuta do golpe encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres
significa uma mudança de jurisprudência para prejudicar o ex-presidente. As
mudanças constantes no pensamento do Supremo, variando de acordo com as
circunstâncias de momento, são prejudiciais ao papel que a mais alta Corte do
país tem exercido, de fato, na defesa da democracia.
É o caso específico de Bolsonaro, que, como
vimos em diversas evidências, seria uma ameaça à democracia se reeleito. O
indiscutível, no entanto, é que, mesmo sem o acréscimo, a situação de Bolsonaro
não se sustenta diante da realidade de ter reunido o corpo diplomático para
falar mal das urnas eletrônicas.
Bolsonaro há algum tempo trocou os ataques frontais aos tribunais superiores pela lamentação retórica de que é perseguido. Em sua defesa, seu advogado argumenta que merecia no máximo uma multa, já admitindo que houve infração naquele encontro. Se a discussão parte do princípio de que o então presidente cometeu um erro ao chamar ao Palácio da Alvorada embaixadores para relatar críticas às urnas eletrônicas, passa a ser uma questão subjetiva o tamanho da punição.
Ele alega que a minuta do golpe não poderia
ter sido inserida no processo, mas há uma explicação técnica do TSE para isso:
o documento é desdobramento da acusação original, e não uma prova nova. Mas a
apresentação aos embaixadores seria, por si só, suficiente para puni-lo com a
inelegibilidade, porque ele exorbitou do poder político em causa própria. O
detalhe de que reuniu representantes estrangeiros para falar mal do país que
dirigia só acrescenta ao delito cometido a infâmia.
Desacreditar o processo eleitoral é um
claro passo na direção do golpe pretendido, que mais adiante ficou explícito,
tanto nas minutas golpistas quanto nas ações de 8 de janeiro. Não é preciso ter
nenhum documento assinado por Bolsonaro falando de golpe para entender que a
linha do tempo em que a reunião dos embaixadores está inserida passa por
diversos fatos estimulados, ou convocados, por ele. Eles incluem não apenas a
minuta encontrada nos guardados de Anderson Torres, mas também documentos
registrados no celular do tenente-coronel Mauro Cid no mesmo sentido, sinal de
que o tema era frequente nos círculos do poder bolsonarista.
Mesmo com tantos indícios, acredito, no
entanto, que Bolsonaro poderá ter sucesso na manobra de se dizer perseguido.
Seus seguidores não têm visão crítica, ou por acreditar em tudo o que diz, ou
por achar que é benéfico para a causa da direita. Não creio que mude muito o
fato em si. Ele ficará inelegível e terá de atuar como cabo eleitoral. Será seu
papel nas próximas eleições.
Bolsonaro agora está visitando futuros
aliados para uma possível reação partidária nas eleições, mostrando força
política, tentando eleger muitos prefeitos e vereadores. No papel de vítima,
como estima Valdemar Costa Neto, o dono do PL, poderá eleger mais vereadores e
prefeitos que na situação atual. Na verdade, é mais útil aos seus no papel de
perseguido político, pois a direita civilizada espera ampliar o eleitorado sem
ele, que manterá a liderança entre os radicais da extrema direita.
A provável condenação de Bolsonaro será
exemplar para outros líderes políticos não usarem a Presidência como trampolim
para campanhas eleitorais não permitidas por lei. Servirá de alerta para todos
os mandatários que pensem em usar seu poder para influenciar eleitores. Não
puni-lo, ou puni-lo simbolicamente com multa, será um sinal de leniência não
compatível com o nível de risco em que ele colocou a sociedade brasileira.
Falou tá falado.
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