quinta-feira, 29 de junho de 2023

Míriam Leitão - Haddad entre o mercado e a política

O Globo

Ministro completa seis meses no cargo com vitórias no Congresso, mais confiança da Faria Lima e muitos desafios pela frente

O ministro Fernando Haddad disse que não anteciparia seu voto na reunião de hoje do Conselho Monetário Nacional. Mas deu indicações. Avisou que considera decidida a meta da inflação do ano que vem. Ela está em 3%. Criticou, como desatualizada, a forma de cálculo de hoje sobre o tempo do cumprimento da meta ao final de cada ano: “Quase a totalidade dos países saiu do ano calendário”. A alternativa é a meta contínua. Em longa entrevista que me concedeu ontem na GloboNews, Haddad criticou indiretamente o mercado, que “fetichiza” um determinado indicador, disse que o arcabouço deve ser aprovado e garantiu que a reforma tributária não vai aumentar os impostos para o setor de serviços e profissionais liberais. E explicou a boa relação com o Congresso.

Haddad completa seis meses no Ministério da Fazenda, um dos mais difíceis da Esplanada, colecionou sucessos e contornou conflitos à direita e à esquerda, manteve diálogo com o Congresso e reduziu resistências na Faria Lima. Na entrevista que me concedeu ontem, quando perguntei se o nome dele estará em alguma cédula eleitoral em 2026, ele voltou correndo para a economia.

Há notícias na Fazenda de interesse de vários setores. Ele disse que deverá ser estendido o programa para compra de veículos populares e, desta vez, pessoas jurídicas também serão contempladas. Contou que haverá, também, uma linha de crédito para a produção de máquinas agrícolas menores para a agricultura familiar. Confirmou que os endividados poderão começar em breve a negociar no Desenrola.

A reforma tributária tem recebido dois tipos de críticas opostas, a de que aumenta impostos para o setor de serviços e para os profissionais liberais, e a de que fez tanta concessão mantendo isenções, e com um prazo tão longo de transição, que não vai ter o efeito esperado. Fiz as duas perguntas. Ele afirma que o setor de serviços não terá aumento de tributos até porque, segundo ele, 90% está no Super Simples, e disse que será uma verdadeira “constituinte tributária”, porque tudo vai ser discutido e que não se deve subestimar seu impacto positivo. Considerou normal as críticas.

— Quando chega o momento da decisão, os interesses se manifestam com uma energia vulcânica. Porque é última semana para tomar decisões, aí a questão federativa aparece, a questão setorial aparece.

Haddad admitiu que o Senado não ouviu seus pedidos em relação a deixar para o segundo semestre o debate sobre renovar a desoneração da folha salarial de 17 setores. Mas que está conversando com a Câmara. Ele quer que isso fique para a nova etapa da reforma tributária, quando se discutir renda e imposto sobre a folha. Está negociando com a Câmara a votação do projeto do Carf, já que a MP caducou.

Perguntei sobre sua boa relação com o Congresso e ele disse que nasceu na anomalia da transição.

— Quem fez a transição foi o Arthur Lira e o Rodrigo Pacheco, eles é que fizeram a transição, ao que se somou ao Supremo Tribunal Federal a partir de 8 de janeiro. Houve quase um pacto implícito de que os assuntos de Estado iam ser tratados como tais. Isso foi dito pelo presidente Arthur Lira e pelo presidente Rodrigo Pacheco: olha, vamos separar que é o estado brasileiro. Até usei uma metáfora: “Nós não estamos discutindo aqui quem vai ganhar o campeonato. Nós estamos discutindo se vai ter campeonato”. Então, vamos organizar o campeonato e a volta da política vai determinar quem ganha o campeonato depois de quatro anos.

Na avaliação do ministro, a economia tem sinais positivos que surpreenderam até o mercado.

— O mercado estava projetando uma inflação desse ano acima de 6%, até pouquíssimo tempo atrás. A pesquisa Focus via o PIB abaixo de 1%. Então em muito pouco tempo isso tudo se reverteu. Hoje tem gente apostando que a inflação pode chegar a 5%, o que é muito diferente de 6%. E crescimento a 2% a 2,3%. Eu sou a favor de modelagem e de pesquisa, mas nada substitui uma tomada de decisão bem informada por vários expedientes. Existe um pouco mais de arte na condução da política econômica que é como você processa o conjunto de informações que você está recebendo. Como está o mercado de crédito, como está o mercado de capitais? Como é que está a desaceleração da economia? Como é que está a desinflação dos produtos? Então, quando você fetichiza um determinado indicador, às vezes você não toma a melhor decisão — disse o ministro, dando uma suave estocada no mercado e Banco Central.

2 comentários:

  1. ■Fernando Haddad, que é um quadro do PT e deste governo que eu faço um esforço para respeitar, acaba incidindo em malabarismos retóricos que me colocam com um pé atrás.

    Fernando Haddad disse::
    ▪"Eu sou a favor de modelagem e de pesquisa, mas nada substitui uma tomada de decisão bem informada por vários expedientes. Existe um pouco mais de arte na condução da política econômica que é como você processa o conjunto de informações que você está recebendo. Como está o mercado de crédito, como está o mercado de capitais? Como é que está a desaceleração da economia? Como é que está a desinflação dos produtos? Então, quando você fetichiza um determinado indicador, às vezes você não toma a melhor decisão — disse o ministro, dando uma suave estocada no mercado e Banco Central".

    ■Haddad mostra que conhece um pouco como funciona a economia, mas muitas vezes conhecer um pouco pode ser pior que não conhecer nada.
    ▪Por exemplo:: a decisão sobre juros não pode tomar como base o fato de estar havendo desaceleração econômica e por causa dessa desaceleração os juros serem baixados, como sugere Haddad.

    E Haddad ainda chama a isso, de fazer malabarismos com a politica monetária, sendo que este tipo de malabarismo só tem a ver com politizar a decisão econômica e nada tem a ver com a técnica profissional de aplicar conhecimentos para trabalhar profissionalmente com a ciência econômica,... de "arte". Essas manobras politicas nada têm a ver com bom uso de informação e de profissionalismo ; isso é apenas fazer gambiarra com a economia mesmo e as consequências dessas gambiarras a boa literatura econômica conhece muito bem e se lembra, por exemplo, em que esses erros resultaram quando foram aplicados aqui no Brasil entre 2011 e 2016.

    ■Quando os juros houverem sido aumentados para mitigar erros de política fiscal que estejam provocando consequências ruins sobre a inflação e sobre o crescimento econômico, é a politica fiscal errada que deve ser consertada e não os juros serem baixados para compensar esses erros.

    ▪Se ao erro de política fiscal, quando esta for a causa de estar havendo desaceleração econômica e alta de inflação, for acrescido o erro de baixar os juros artificialmente pensando que ter juros mais baixos vai compensar falhas fiscais e o crescimento econômico vai ser retomado, a sobreposição dos dois erros vai é agravar o problema e aumentar a inflação e a desaceleração econômica.

    Se nada mais for feito no sentido de corrigir a politica fiscal, será exatamente não errar na política monetária o que vai fazer com que os juros comecem a baixar e algum crescimento econômico comece a aparecer. Isso com um custo, é claro, mas é um custo cuja culpa é da politica fiscal errada e não dos juros altos.

    Estar com um erro em politica fiscal, não corrigí-lo --quando muito, só remediá-lo --e querer que outro erro, desta vez na política monetária, compense as consequências do erro fiscal que não se quer corrigir inteiro, essa soma de erros causa um efeito contrário, como nem poderia ser diferente, e a sobreposição dos dois erros só agravam o problema.

    Se nem os juros altos estiverem conseguindo atenuar as consequências de políticas fiscais erradas sobre a inflação e o crescimento, isso é mais motivo para corrigir os erros fiscais, e não motivo para politizar a politica monetária querendo assim compensar esses erros fiscais. Fazer essas artimanhas políticas e chamar de arte é debochar dos bons profissionais da economia.

    É esse deboche o que leva os balcões de produtos financeiros, que são uma parte importante do mercado, mas longe de ser a maior parte dele, a perderem a confiança nos operadores da política econômica oficial, e essa quebra de confiança leva a agravar o que politicas fiscais erradas causam e resultam em ter que aumentar a taxa de juros.

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