quinta-feira, 8 de junho de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Trama golpista chega mais perto de Bolsonaro

O Globo

Documentos em poder de ex-ajudante de ordens tinham objetivo de passar verniz jurídico em golpe de Estado

Novas evidências mostram como chegaram perto do ex-presidente Jair Bolsonaro as articulações para um golpe de Estado que impedisse a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. As provas foram extraídas do celular do tenente-coronel Mauro Cid, preso sob a acusação de envolvimento em esquema para fraudar o certificado de vacinação de Bolsonaro. A colunista do GLOBO Malu Gaspar revelou que, como parte da trama golpista, Cid levava em seu telefone a minuta de um Decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), mecanismo usado para acionar militares em situações críticas de segurança.

A minuta do Decreto de GLO encorpa um conjunto de evidências da conspiração golpista a cada dia mais robusto. Foi encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, também preso, a minuta de outro decreto, para intervenção na Justiça Eleitoral em meio à decretação de Estado de Defesa, invalidando a vitória eleitoral de Lula. Além disso, os celulares de Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e do ex-major do Exército Ailton Barros, também preso sob suspeita de envolvimento na fraude das vacinas, forneceram um conjunto de áudios comprovando, de acordo com relatório da Polícia Federal, articulações para “um golpe de Estado, que culminaria na tomada de poder pelas Forças Armadas brasileiras, lideradas pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro”.

Com a minuta do Decreto de GLO, a PF também encontrou documentos com análises jurídicas que, de acordo com despacho do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, tinham “o objetivo de obter suporte jurídico e legal para a execução de um golpe de Estado”. No despacho, Moraes afirma que o material encontrado trata “da possibilidade de emprego das Forças Armadas em caráter excepcional destinado a garantir o funcionamento independente e harmônico dos poderes da União”. A GLO era uma tentativa de passar um verniz jurídico na trama golpista.

Os documentos estavam em mensagens comprometedoras trocadas com o sargento Luis Marcos dos Reis, outro preso na operação que apura fraudes nos cartões de vacinação. Em áudios já revelados, Cid conversa com Barros e com o ex-secretário executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco sobre a necessidade de convencer oficiais de alta patente do Exército a aderir à sedição ou a ajudar com a GLO. Felizmente, o Alto-Comando das Forças Armadas resistiu às iniciativas para envolver-se na trama. A democracia venceu.

Não há, até o momento, nenhum indício de que o material golpista tenha sido enviado ou visto por Bolsonaro. Mas tanto Cid quanto Barros são figuras próximas dele. Barros chamou Bolsonaro de “segundo irmão” em sua campanha para deputado estadual em 2022 e acompanhou-o na votação do segundo turno no Rio de Janeiro. Duas capturas de tela em seu celular mostram uma conversa com um contato identificado como “PR 01”, de acordo com a PF “possivelmente relacionado ao ex-presidente Jair Bolsonaro”.

Cabe às autoridades estabelecer o vínculo entre a conspiração e os acampamentos de bolsonaristas radicais de onde partiram os ataques de 8 de janeiro. Também será necessário esclarecer se Bolsonaro tinha conhecimento do que tramava seu círculo mais próximo. De todo modo, parece evidente que a Justiça já dispõe de provas suficientes para punir com rigor quem conspirou contra a democracia.

Ataque a ‘caveirão’ foi tentativa de demonstração de força de bandidos

O Globo

Pior reação da polícia será revidar com ataque bárbaro que nivela suas práticas às dos criminosos

É fato grave o ataque de criminosos a um blindado da Polícia Militar na noite de terça-feira na comunidade Bateau Mouche, Zona Oeste do Rio, uma das tantas dominadas por facções com poder de fogo por vezes igual ou maior que o do Estado. O veículo, conhecido como caveirão, foi alvo de bombas quando patrulhava a região e acabou em chamas (policiais não se feriram). Um posto avançado da polícia também foi atacado a tiros. Os atos violentos foram, segundo a polícia, represália à morte de um traficante no domingo.

Não é a primeira vez que o aparato de segurança do Rio fica exposto diante do poder de fogo da bandidagem. Um dos episódios mais graves aconteceu durante uma operação no Morro dos Macacos, na Zona Norte do Rio, em 2009, quando um helicóptero da polícia foi atingido por tiros, pegou fogo e caiu. Cinco anos antes, um policial havia sido baleado num ataque a um helicóptero em ação no Morro de São Carlos, no Estácio. As polícias Civil e Militar preveem gastar neste ano R$ 24 milhões apenas com seguros de sete aeronaves blindadas.

Evidentemente, a polícia precisa impor sua autoridade. Não apenas pelo risco que esses atos trazem à vida dos policiais e pelos prejuízos que causam à sociedade — obrigada a financiar gastos cada vez maiores com segurança pública —, mas principalmente para recuperar o território sequestrado pelas facções criminosas. Atacar helicópteros, alvejar postos de policiamento e incendiar blindados da polícia são atos simbólicos para a bandidagem tentar demonstrar poder.

A questão é como reagir a esse ataque ignóbil. A História mostra que revanches da polícia contra ações violentas das quadrilhas podem desaguar em episódios tão ou mais nocivos. A chacina de Vigário Geral, deflagrada depois da morte de quatro PMs numa praça em 1993, deixou 21 moradores mortos e envergonhou o Brasil perante o mundo. Qualquer reação precisa acontecer dentro dos limites da lei ou se tornará tão nefasta quanto a afronta dos criminosos.

Não existem fórmulas mágicas no combate à criminalidade que há décadas desafia as autoridades do Rio. Mesmo projetos bem-intencionados, como as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), fracassaram por descontinuidade, uso político ou inépcia. Enfrentar as quadrilhas de traficantes e milicianos que se entrincheiraram nas comunidades com um arsenal poderoso exige investimentos em pessoal, equipamentos, tecnologia e inteligência, além de cooperação com as outras forças de segurança. O ataque ao caveirão da PM mostra, mais uma vez, quanto essa missão é desafiadora. A melhor resposta que a polícia pode dar ao episódio é combater sistematicamente as organizações criminosas para retirar delas esse poder de fogo que fustiga não só a polícia, mas a própria população.

A reforma possível

Folha de S. Paulo

Na correta proposta de novo sistema tributário, o desafio é evitar concessões

Somente agora, perto do fim do primeiro semestre do ano, o grupo de deputados encarregado de formular uma nova proposta de reforma tributária concluiu seu trabalho. Ainda assim, ficaram por ser definidos detalhes potencialmente decisivos para o futuro do projeto.

A demora dá ideia das dificuldades envolvidas na empreitada. Os objetivos centrais da reforma são basicamente os mesmos há três décadas, mas os consensos em torno deles costumam se dissolver quando os debates avançam rumo a providências mais concretas.

Não pode restar dúvida, de fato, quanto à necessidade de impor alguma racionalidade à tributação da produção e do consumo, que responde pela maior anomalia do sistema brasileiro.

Há nada menos que cinco grandes tributos incidentes sobre a venda de bens e serviços —três federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). O resultado, além de uma carga escorchante, é uma miríade disfuncional de alíquotas, que variam conforme o local e o produto, de exceções e de regras especiais.

Empresas menores têm um desincentivo à expansão. As maiores precisam lidar com enormes burocracia e insegurança jurídica, já que as normas são a todo momento objeto de deliberação nos tribunais. Subsídios estaduais distorcem decisões de investimento.

De mais importante, a reforma a ser votada pela Câmara prevê substituir gradualmente os cinco tributos por apenas um, o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que terá parte da cobrança a cargo da União e parte sob a competência de estados e municípios.

Em conformidade com as melhores práticas internacionais, o IBS será cobrado no destino das mercadorias e incidirá sobre o valor adicionado, ou seja, descontando os custos com insumos empregados ao longo do processo produtivo.

O que pode parecer uma mudança singela, porém, afeta interesses múltiplos e contraditórios. Estados e municípios temem perder autonomia decisória e arrecadação; serviços e agropecuária, hoje menos tributados que a indústria, rechaçam a alta da carga; atividades que desfrutam de subsídios desejam mantê-los.

Será ilusório imaginar que a proposta possa avançar sem concessões —e as primeiras, como a permissão para alíquotas diferentes em certos setores, já foram feitas. Uma discussão perigosa se dará em torno de um fundo com dinheiro federal para compensar alegadas perdas de governos regionais.

Como em tentativas anteriores de reforma, o risco é que as negociações políticas acabem gerando um texto tão complexo quanto o sistema atual. O que não parece claro é se a nova correlação de forças entre governo e Congresso eleva ou reduz esse risco.

A ponta do iceberg

Folha de S. Paulo

Espera para cirurgias expõe gargalos no SUS, que exigem ação em várias frentes

Já se contam mais de um milhão de cirurgias eletivas na fila do SUS. O número impressiona, mas deve ser visto com um grão de sal, dado que um dos problemas crônicos do sistema é a interação precária entre bancos de dados.

Com isso, a cifra talvez inclua casos de dupla contagem —por exemplo, de paciente inscrito na fila do município e do estado.

Observam-se problemas também nos registros de óbito e mudança de domicílio. Ademais, os números foram apurados no âmbito de um programa federal de distribuição de verbas. Assim, redes que aparecerem com grandes filas têm maior chance de receber mais somas, o que reduz incentivos à precisão.

Se cabe ceticismo em relação à acurácia da dimensão, não há dúvida em relação ao movimento. A demanda por operações programadas de fato costuma superar a oferta, tendência que se agravou com a pandemia de Covid-19. Por um longo período, as redes só realizaram cirurgias de urgência, o que aumentou as filas das eletivas.

É bem-vindo, portanto, o programa federal para reduzir esperas. O governo pretende diminuir as filas em 45% com repasse de R$ 600 milhões às redes estaduais. Aqui, novamente, reaparecem outros problemas crônicos do SUS.

Esforços concentrados, como mutirões, têm papel importante, mas as redes precisam funcionar sempre. Não é sensato permitir o acumulo de casos e concentrar o atendimento em programas emergenciais.

Longas esperas são torturantes para os pacientes e muitas vezes pioram prognósticos.

Além disso, várias cirurgias só podem ser feitas por profissionais especializados. As operações de catarata, por exemplo, que ocupam a primeira posição com 167,5 mil solicitações em espera, exigem um cirurgião oftalmologista —e, no Brasil, existem menos de 18 mil médicos com essa formação.

Apenas uma fração dos profissionais atua no SUS e, obviamente, é preciso dar conta não apenas das cataratas, mas de todas as patologias que afetam a visão.

Embora o número de médicos formados tenha crescido 84% entre 2012 e 2022, a pós-graduação não acompanhou essa tendência.

Isso é até certo ponto esperado, já que a especialização exige tempo. Mas, se não forem criados incentivos para que o país forme especialistas, poderemos experimentar apagões médicos em várias áreas.

O bom começo da reforma tributária

O Estado de S. Paulo

Busca do consenso no Legislativo pode não resultar na reforma ideal, mas esta parece ser a melhor chance de o País dar fim ao manicômio tributário que atravanca seu crescimento

O grupo de trabalho responsável por elaborar a reforma tributária aprovou, de forma simbólica, o relatório com as diretrizes da proposta que será submetida à Câmara em julho. Embora ainda faltem muitos detalhes sobre o texto final, o cumprimento da etapa inicial de tramitação do tema na Casa demonstra haver uma compreensão sobre a necessidade premente de um novo sistema tributário.

No governo anterior, a reforma tributária fatiada proposta pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, fracassou fragorosamente, graças, sobretudo, a uma relação conflituosa, arrogante e confusa com o Congresso e com governadores e prefeitos. O governo de Lula da Silva, por outro lado, foi pragmático ao reconhecer o protagonismo do Legislativo na condução desses debates.

O texto que deu origem à proposta atual é o mesmo que havia sido discutido em 2021 – a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45/2019. Os personagens também são os mesmos: o relator é Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) e o presidente da Câmara é Arthur Lira (PP-AL), mas o clima é muito diferente. Desta vez, a leitura do relatório na Câmara teve a presença do secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy.

A reforma proposta pelo grupo de trabalho reunirá tributos federais, estaduais e municipais – PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS – em um Imposto de Valor Agregado (IVA). Ele será chamado de Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e será dual, com uma parte da alíquota administrada pela União e outra por Estados e municípios. A cobrança do IBS não mais incidirá na origem, mas no destino. As alíquotas ainda não foram definidas, mas já se sabe que haverá tratamento especial para alguns setores, como saúde, educação e transporte coletivo.

Como já havia sido acordado, regimes especiais como o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus serão mantidos. Um dos pontos mais sensíveis da proposta são os benefícios fiscais concedidos por Estados e municípios para atrair empresas no passado. Para vencer esse obstáculo, que barrou muitas das propostas anteriores, esses benefícios serão mantidos até 2032, período em que haverá uma migração gradual para o novo sistema, possivelmente até 2034. O objetivo é minimizar e diluir os R$ 150 bilhões anuais com os quais o Tesouro teria de arcar para cobrir os custos da guerra fiscal de uma só vez, sem a transição.

Os deputados querem também garantir a criação de um Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), para benefícios no futuro. Ele seria bancado pela

União e ficaria fora do limite do arcabouço fiscal – uma fatura bastante elevada, de até R$ 60 bilhões, mas menor que a sangria provocada pela profusão atual de incentivos tributários.

O desafio do governo será frear o ímpeto do Congresso para aumentar a lista de setores beneficiados com alíquotas reduzidas – leia-se serviços – e a mais do que esperada grita dos maiores municípios do País, que não querem abrir mão de sua arrecadação. Também terá de vencer resistências para tributar os itens da cesta básica, embora não haja dúvidas de que a devolução de impostos para famílias de baixa renda vá ao encontro de um sistema mais justo, menos desigual e focado no atendimento dos mais necessitados.

Muitos dos detalhes do texto ficarão para o substitutivo que irá a plenário; outros serão definidos em projetos de lei posteriores, que requerem um quórum menor que o de uma PEC. Mas, se a busca do consenso para a aprovação do texto pode não resultar na reforma ideal, esta parece ser a melhor chance em décadas de o País começar a dar fim ao manicômio tributário que atravanca a produtividade, a eficiência, a competitividade e o crescimento econômico.

“Essa não é uma reforma de governo. Não é uma reforma ideológica. Não é uma reforma de direita. Não é uma reforma de esquerda. É uma reforma estrutural do Estado brasileiro”, disse Aguinaldo Ribeiro, durante a leitura de seu relatório. Sua frase serve não só para a discussão da reforma tributária, mas para todos os temas de relevância nacional. Que o País saiba aproveitar essa oportunidade.

O julgamento de Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

O TSE não é corte política. Seu papel é aplicar o direito, de forma fundamentada. Todos são iguais perante a lei, que prevê, em defesa da democracia, as hipóteses de inelegibilidade

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, marcou para o dia 22 de junho o início do julgamento de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) ajuizada pelo PDT contra Jair Bolsonaro e Braga Netto. A ação, que pode tornar os dois inelegíveis, avalia a prática de abuso de poder político e o uso indevido dos meios de comunicação, tendo como fato principal a reunião com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho de 2022.

Na reunião, Jair Bolsonaro, então candidato à reeleição, questionou, usando argumentos falsos, distorcidos e anteriormente refutados pelo TSE, a lisura do processo eleitoral. O presidente do TSE à época, ministro Edson Fachin, qualificou como “muito grave” a acusação de fraude contra a Justiça Eleitoral “mais uma vez, sem apresentar prova alguma”. Na ocasião, este jornal lembrou que o ataque de Bolsonaro contra a democracia e as instituições brasileiras perante os embaixadores era mais um crime de responsabilidade contra o exercício dos direitos políticos que o então presidente da República praticava impunemente (ver o editorial Bolsonaro desonra o Brasil, do dia 20/7/22).

Na ação que será julgada pelo plenário do TSE, discute-se se os ataques de Bolsonaro contra o sistema eleitoral brasileiro, enquanto difusão de desinformação sobre as eleições, configuram condutas vedadas pela legislação eleitoral e que ensejam a inelegibilidade. Na petição inicial, o PDT lembra uma decisão da Corte eleitoral de outubro de 2021, na qual o deputado estadual eleito pelo Paraná Fernando Destito Francischini foi cassado por divulgar notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação. Segundo o TSE, a conduta de Francischini configurou abuso de poder político e de autoridade, bem como o uso indevido dos meios de comunicação – práticas vedadas pelo art. 22 da Lei Complementar (LC) 64/1990.

Após a instrução probatória, a Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE) apresentou parecer opinando pela procedência parcial da ação proposta pelo PDT. Defende que seja declarada a inelegibilidade de Jair Bolsonaro, por considerar que suas ações configuraram abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Em relação a Braga Netto, a PGE pede a absolvição, por entender que não restou provada a participação do então candidato a vicepresidente no caso.

Espera-se que, avaliando os fatos trazidos aos autos, o TSE aplique a legislação eleitoral, em consonância com sua jurisprudência. Não é questão de ser mais ou menos rigoroso, tampouco de inventar novas interpretações jurídicas. É preciso apenas fazer cumprir a lei, sem criar algum tipo de tratamento especial em razão das pessoas envolvidas no caso. O princípio da igualdade de todos perante a lei é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

As inelegibilidades previstas na LC 64/1990 concretizam as disposições constitucionais sobre os direitos políticos. A Constituição diz que a legislação estabelecerá casos de inelegibilidade “a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (art. 14, § 9.º).

As hipóteses de inelegibilidade são instrumentos importantes de defesa da democracia. Elas contribuem para assegurar, entre outros bens, as condições de igualdade entre os diversos candidatos. Como diz o caput do art. 14 da Constituição, “a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos”, de acordo com os “termos da lei”. O regime democrático não é uma ideia vaga. Ele se realiza pelo cumprimento da legislação eleitoral.

Diante das muitas e variadas expectativas, lembra-se que o TSE não é uma corte política. Ele aplica o Direito, o que demanda fundamentação técnica e rigorosa. Cumprir bem esse requisito é a melhor forma de proteger a democracia.

Respeito ambiental como parâmetro

O Estado de S. Paulo

Norma da Febraban para crédito a frigoríficos mostra que sustentabilidade se tornou obrigatória

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) aprovou norma estabelecendo, para a concessão de crédito bancário a frigoríficos e matadouros, a exigência de sistemas de monitoramento comprovando que o gado utilizado não provém de áreas de desmatamento na Amazônia Legal e no Maranhão. A medida, antecipada pelo Estadão, deverá estar totalmente implementada em 2026.

Ainda que siga uma nova ordem internacional – o Parlamento Europeu aprovou há um mês legislação semelhante, que vai impactar a entrada de mercadorias na comunidade europeia e exigirá rápida e sólida adequação dos exportadores brasileiros –, a iniciativa da Febraban é um sopro de evolução num momento em que a pauta parlamentar impõe sucessivos reveses à agenda ambiental.

Acabou vindo do setor privado o passo adiante no combate ao desmatamento. E a adesão imediata dos 21 maiores bancos, apesar do caráter voluntário da autorregulamentação, é a prova de que o segmento entende que a premissa do meio ambiente deixou de ser um diferencial para se firmar como mandatória nos negócios.

O cerco ao desmatamento, em prol da sustentabilidade ambiental, estreita a janela do comércio exterior, e os países que não estiverem preparados para atravessá-la vão perder mercado. É na punição financeira que as novas diretrizes vêm se impondo. Por exemplo, com instrumentos que atrelam o barateamento do custo de crédito a critérios socioambientais. Agora, com mais ênfase, com os que impedem o acesso a mercados consumidores de fornecedores que descumprem essas exigências.

O desmatamento na Amazônia figura entre as prioridades ambientais no mundo todo e não há como escamotear uma realidade monitorada permanentemente via satélite. A recém-aprovada legislação europeia proíbe a entrada em seus 27 países não apenas de carne vinda de rebanho de área de desmatamento, mas também soja, cacau, café, borracha, madeira e diversos outros itens ou mesmo produtos que os usam como matéria-prima.

Desde 2009 o BNDES passou a adotar critérios socioambientais para o atendimento à cadeia produtiva da pecuária bovina, inclusive com exigência do sistema de rastreabilidade do gado no acompanhamento dos fornecedores – uma regra que andou sob risco de mudança na gestão bolsonarista, sob o argumento de que havia causado vertiginosa queda nas operações do setor entre 2010 e 2021.

O banco tem sido bombardeado por organismos ambientais, acusado de não acompanhar com o rigor necessário as diretrizes que criou há 14 anos. Relatório recente da ONG americana Mighty Earth sustenta que o BNDES, maior acionista individual da JBS, ignorou denúncias de que o frigorífico tenha utilizado, entre 2019 e 2022, gado de áreas desmatadas. O relatório utiliza dados de alertas rápidos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) cobrou da Febraban o mesmo tratamento dos bancos em relação a todos os correntistas, “inclusive produtores rurais”. Parece revanchismo. Mas, de fato, já passou da hora de a preocupação ambiental virar um compromisso comum.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário