segunda-feira, 5 de junho de 2023

Ricardo Henriques* - Educação e a transformação ecológica e inclusiva

O Globo

O Brasil pode ser uma economia de baixo carbono. Mas o salto no futuro próximo depende de nossas decisões no presente

No momento em que se torna cada vez mais urgente acelerar o processo de transição energética, o Brasil possui rara condição para se destacar no enfrentamento à crise climática.

Temos a Floresta Amazônica, vastas extensões de terras, matriz energética renovável, clima favorável, uma sociobiodiversidade singular, além de vantagens competitivas no acesso a recursos hídricos de qualidade, na produção de alimentos e no desenvolvimento de produtos de baixo carbono. Nesse sentido, a necessidade do mundo apresenta-se como possibilidade econômica e geopolítica de reposicionar o Brasil e sua estratégia de desenvolvimento.

anúncio de que Belém sediará, em 2025, a 30ª conferência da ONU sobre o Clima (COP-30) confirma que temos protagonismo a exercer. Mas de pouco adiantará se não fizermos o dever de casa.

A devastadora performance do último governo, com aumento do desmatamento e violação dos povos tradicionais, e as decisões recentes do Congresso, esvaziando os ministérios de Meio Ambiente e dos Povos Indígenas e enfraquecendo regras de proteção ambiental e demarcação de terras indígenas, mostram que o caminho não é simples.

A transição para uma economia de baixo carbono implica mitigar emissões de gases do efeito estufa e adaptação urgente ao aumento da temperatura. Ações como reflorestamento e proteção de ecossistemas naturais são essenciais para evitar danos irreversíveis, mas insuficientes.

Mesmo assumindo tais esforços, a crise climática já está ocorrendo e demanda resiliência e adaptação. Além de medidas como o planejamento urbano para a construção de infraestruturas resistentes a eventos climáticos extremos, é preciso avançar em pesquisa e desenvolvimento de tecnologias biológicas. Isso permitirá, por exemplo, desenvolver biofármacos para lidar com novas pandemias ou até doenças respiratórias e cardiovasculares, que deverão ser agravadas pelo aumento do calor e da poluição.

Cuidar dessas duas frentes trará benefícios que vão além da preservação ambiental, podendo melhorar a produtividade da economia e as condições de vida da população. Essa é uma conclusão dos pesquisadores Alvarenga Junior, Costa e Young no estudo “Um Green New Deal para o Brasil”, de 2022. Eles estimam crescimento de R$ 1,3 trilhão na atividade econômica, R$ 121 bilhões a mais por ano em arrecadação tributária e a criação de 9,5 milhões de postos de trabalho até 2030.

Essa tendência no mercado de trabalho é global. Segundo o relatório “The Future of Jobs 2023”, do Fórum Econômico Mundial, as taxas de contratação de empregos verdes vêm superando a taxa média de contratação ano a ano desde 2019.

No entanto, tais carreiras variam bastante entre si para dar conta dos desafios previstos, lidando, entre outras, com as áreas de produção, transformação e gestão de recursos naturais; soluções sustentáveis para a infraestrutura urbana; e agropecuária sustentável.

Alguns desses empregos verdes são, por exemplo, técnicos de processamento de biocombustíveis, ecodesigners, nanotecnologistas, engenheiros agrônomos digitais. Posicionar-se para esse futuro solicita mudança profunda na educação.

Aproveitar as oportunidades da transição requer assegurar uma educação ecológica e ambiental desde os primeiros anos escolares, promovendo a conscientização e o sentido de pertencimento à nova fase do mundo e aplicando conhecimentos na prática.

Exige também investir em formações técnica e universitária adequadas às reconfigurações do trabalho, formar trabalhadores em programas de qualificação e requalificação profissional conectados às demandas de mitigação e adaptação, além de desenvolver e consolidar as frentes de pesquisa, ciência e inovação voltadas à economia de baixo carbono. Por fim, é preciso estabelecer um sistema de incentivos e desenho de cadeias produtivas para alavancar investimentos privados.

No Brasil há espaço para a opção estratégica de transformação ecológica associada a uma economia de baixo carbono. Uma trajetória que produza dinâmica de crescimento econômico sustentável e inclusivo.

Inclusivo não só por conter as forças aceleradoras de desigualdade derivadas da emergência climática, mas também por aproveitar essa transição para criar condições de mobilidade social que reduzam nossas históricas desigualdades.

Esse caminho pode organizar as agendas de investimento pública e privada de modo a gerar um salto que, em algumas décadas, coloque o país em posição econômica e social muito acima do que seria possível projetar com as configurações atuais. Mas o salto no futuro próximo depende de nossas decisões no presente.

*Ricardo Henriques, economista, é superintendente-executivo do Instituto Unibanco e professor associado da Fundação Dom Cabral

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