domingo, 25 de junho de 2023

Rolf Kuntz - A estagnação veio antes dos juros

O Estado de S. Paulo

A economia brasileira se arrastou e a indústria regrediu com juros altos e baixos nos últimos dez anos

Roma é um excelente lugar para reclamar dos juros e acusar o presidente do Banco Central (BC) de jogar contra a economia brasileira. Paris, etapa seguinte da mesma viagem, também serviria, mas o assunto estava quentíssimo na quinta-feira. A dolorosa taxa de 13,75%, uma das mais altas do mundo, havia sido mantida no dia anterior pelo Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. Com mais uma visita à Europa, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva completou sete idas ao exterior em menos de seis meses de mandato. Pouco se dedicou às prosaicas tarefas da administração, mas o ministro da Fazenda vem batendo o ponto regularmente e as projeções têm melhorado. Em um mês o crescimento econômico estimado para este ano passou de 1,20% para 2,14%, segundo a pesquisa Focus, conduzida semanalmente no mercado financeiro. Mas continuaram deprimidos e deprimentes os números calculados para os anos seguintes: 1,20% para 2024, 1,80% para 2025 e 1,90% para 2026. Todo o cenário é medíocre. Culpa do BC com sua política de juros altos? O presidente Lula, alguns economistas e muitos empresários insistem nessa explicação, tão simples e cômoda quanto enganosa.

O Brasil está emperrado há pelo menos dez anos, tendo raramente superado, nesse período, a taxa anual de expansão de 2%. A economia pouco avançou mesmo em fases de juros baixos. Além disso, o País pouco se preparou para ganhar dinamismo. Desde o ano 2000 o investimento em meios físicos de produção, como equipamentos, máquinas e obras de infraestrutura, equivaleu em média a 18% do Produto Interno Bruto (PIB). Manteve-se, portanto, muito abaixo dos níveis observados em outras economias emergentes, frequentemente superiores a 24%. Além disso, a partir de 2015 a média nacional foi inferior a 17%, segundo o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV).

Crescimento econômico envolve muito mais que dinheiro barato e estímulo ao consumo, outra condição valorizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Juros baixos são importantes, mas a decisão de investir depende também da confiança no governo, da segurança institucional e da expectativa de condições favoráveis. Mas também é preciso levar em conta a formação do chamado capital humano, por meio da educação em todos os níveis e do treinamento para o trabalho. A qualidade da mão de obra é especialmente importante quando se investe em sistemas de produção modernos e tecnicamente complexos. Isso se aplica tanto à indústria quanto à agropecuária, atualmente o setor mais dinâmico e mais competitivo da economia brasileira.

A condição especial do agronegócio é explicável tanto pela evolução do setor nas últimas quatro décadas quanto pelo enfraquecimento da indústria. O setor industrial brasileiro está em crise há pelo menos dez anos. As perdas mais graves têm ocorrido no segmento de transformação, o mais diversificado e mais presente no dia a dia da maior parte das pessoas. Sua produção inclui roupas, sapatos, comida, bebida, equipamentos elétricos e eletrônicos, móveis e outros bens de uso doméstico, veículos, máquinas e equipamentos industriais, cosméticos, material de higiene e limpeza e medicamentos, entre outros bens.

A crise talvez tenha ficado mais perceptível a partir da pandemia. Em abril, a produção da indústria foi 0,6% menor que a do mês anterior e 2,7% inferior à de um ano antes, ficando 2% abaixo da alcançada em fevereiro de 2000, quando se confirmaram os primeiros casos de covid. Em quatro meses, o setor produziu 1% menos que entre janeiro e abril de 2022. Em 12 meses o resultado foi 0,2% inferior ao do período precedente. Além disso, a média móvel do trimestre fevereiro-abril foi 18,5% menor que o volume alcançado em maio de 2011, pico da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O quadro é especialmente dramático no caso dos bens de consumo duráveis, com produção 42,7% inferior à de março de 2011.

Essas e outras comparações em períodos longos tornam indisfarçável o encolhimento da atividade fabril. Não se trata da migração para um estágio pós-industrial, semelhante ao observado em economias avançadas, mas de um retrocesso. O Brasil vem perdendo uma condição alcançada em décadas de muito investimento e de enorme esforço de industrialização.

Não se pode falar de um desastre repentino. A desindustrialização tem sido um processo longo e atribuível a fatores bem definidos. Houve uma inegável desatualização das políticas. Pouco se cuidou da integração global e da competitividade, perderam-se recursos com benefícios fiscais mal desenhados, manteve-se uma tributação inadequada e faltaram estímulos ao investimento em capacidade e em tecnologia. O vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, tem um programa de reindustrialização, mas falta verificar se o governo conseguirá executá-lo com eficiência. Se o governo, além disso, mostrar seriedade na gestão das contas públicas, facilitará a redução dos juros. Essa é uma agenda muito melhor que brigar com o Banco Central.

 

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