Folha de S. Paulo
No início da década passada, taxas de
crédito bancárias já foram maiores do que agora
É fácil entender a fúria quase geral contra
a altura horrível das taxas de
juros, agora associadas diretamente à política do Banco Central. No
entanto, as taxas de linhas importantes de crédito bancário já estiveram em
nível mais alto do que no arrocho de agora. É impossível medir o nível de fúria
em relação a juros de outros anos. O que pode ter mudado?
A parte da renda mensal dedicada ao pagamento de empréstimos está no nível mais
alto desde que o Banco Central publica esse indicador, março de 2005. Útil
quanto possível, esse número tem suas insuficiências. É um agregado ou média:
grosso modo, quanto dos rendimentos das famílias do país inteiro é dedicado
a pagamentos de
juros e principal de empréstimos, por mês. É fácil supor que
deve haver gente com menos dívida e mais renda e vice-versa.
Além do mais, houve baixa grande das taxas de juros durante o colapso da Covid, tendência que vinha dos anos pós-Grande Recessão, de PIBinho e de inflação cadente. Por comparação a esse vale, a alta recente causa mais revolta; houve de resto uma onda de endividamento.
O fato maior é que o rendimento médio do
trabalho é apenas 5% maior do que em 2012. Desde então, vidas, empregos e
empresas foram arruinados por dois colapsos recessivos e pelo crescimento quase
nenhum de 2017-19.
Obviamente, não se quer dizer que o nível da taxa
de juros no Brasil, aberração mundial, seja motivo menor da
grita dirigida contra BC, rentistas, bancos ou o que seja. Quer se dizer que:
1) temos um problema crônico de crédito; 2)
taxas bancárias já estiveram mais altas; 3) mesmo que a Selic caia, certas
taxas continuarão altas por algum tempo, por motivos conjunturais e
estruturais.
A taxa média de financiamento de bens que
não veículos está no nível mais alto desde 2011 (desde quando há dados
comparáveis) com exceção de meados de junho de 2015 a meados de 2018 —foram os
anos da Grande Recessão e do seu rescaldo, quanto quase todas as taxas foram
recordes em 12 anos.
Por outro lado, a taxa média do
financiamento imobiliário, apesar da alta ruim recente, é menor que no período
que vai de 2011 a 2017. Mas essa taxa baixou de patamar devido a mudanças
regulatórias e na concorrência, entre outras.
O custo médio de financiar um veículo subiu
muito de meados de 2021 para cá (de cerca de 16% ao ano para 22%), mas está no
nível registrado em 2011. Etc.
A taxa média do cartão de crédito parcelado
(201% ao ano) está em altura jamais vista desde 2011. A do cartão rotativo
ainda é menor do que os 498% ao ano do pico de 2016. Mas é piada sinistra dizer
"menor" quando a taxa atual é de 448% ao ano. É mortal do mesmo
jeito.
As taxas do cartão rotativo mal vão se
mover com Selic menor ou pintada de roxo. É um crédito ruim, que precisa ser
revisto e em que inadimplência é de mais de 50%.
Sim, o custo do crédito varia com as taxas
básicas da economia, embora seus níveis não sejam determinados pela Selic.
Situação de crédito
das famílias, evolução da renda do trabalho, garantias, melhorias
regulatórias, concorrência, PIB, tudo isso vai influenciar o destino dos juros.
No caso das empresas que levantam dinheiro
no mercado de capitais, as taxas começam a despiorar. As taxas de juros mais
longas caem, apesar da Selic imóvel, por melhorias de expectativas
macroeconômicas.
Sim, se a Selic cair e dívida pública
estiverem controladas, com menos instabilidade econômica, os ditos juros longos
vão cair ainda mais.
No entanto, não basta o BC rodar uma manivela para que o crédito seja menos aberrante ou que a dor do arrocho diminua muito. Estivemos em colapso socioeconômico por muito tempo, até para nossos padrões ruins.
Pois é.
ResponderExcluir