quarta-feira, 21 de junho de 2023

Vera Magalhães - Quando a CPI chega atrasada

O Globo

Com investigações tão avançadas na Justiça e na PF, é injustificável que deputados e senadores não se preparem para oitivas

A CPI mista dos atos golpistas começou efetivamente na terça-feira, com a primeira oitiva de testemunhas. É cedo, portanto, para vaticinar se terá êxito naquilo a que se propõe: investigar os atos preparatórios para o 8 de Janeiro e apontar os responsáveis. Mas é o momento oportuno para identificar os riscos diante de um colegiado que começa atrasado em relação à Polícia Federal e à Justiça, invertendo a ordem natural desse tipo de investigação.

Não são poucos os procedimentos abertos, em diversas instâncias, para apurar as variadas formas como Jair Bolsonaro e seus apoiadores investiram contra a democracia desde 2019. Do famoso inquérito das fake news, que abarca quase tudo, até aqueles instaurados depois da invasão das sedes dos três Poderes no início do ano, que já viraram denúncias aceitas pelo STF com centenas de réus, o acervo à disposição da CPMI é vasto.

É por isso injustificável que deputados e senadores não tenham feito o dever de casa rudimentar antes de interrogar a primeira testemunha, o arrogante Silvinei Vasques, que, depois de tudo a que se assistiu nos últimos anos, ainda se sentiu confortável para bancar a vítima e apontar “injustiça” contra a Polícia Rodoviária Federal (PRF), instituição mais aparelhada pelo bolsonarismo, ao lado do Exército.

Há evidências robustas de uma operação da PRF ao arrepio da lei para reter eleitores no dia do segundo turno. A maior delas é a decisão do ministro Alexandre de Moraes mandando interromper as blitze imediatamente, sob pena de afastamento e até prisão imediatos do agora confiante Vasques em caso de descumprimento.

Traçar a cronologia correta dos eventos, retorquir as falácias ditas pelo ex-diretor-geral da PRF e não deixar prevalecer a aura de normalidade que tentou dar às decisões absolutamente alopradas tomadas por ele era obrigação básica dos parlamentares governistas que integram a CPMI tardia. Caso contrário, a seguirem depoimentos inócuos do ponto de vista do avanço das apurações e sessões tomadas pela gritaria destemperada de lado a lado, qual o sentido de gastar horas e horas de tempo de todos e lautos recursos públicos para ficar aquém do que a PF e o Supremo concluirão?

Uma das justificativas para criar a CPMI era justamente a necessidade de aclarar para o conjunto da população, pela transparência inerente a investigações promovidas pelo Legislativo, atos de extrema gravidade que ameaçaram a integridade do Estado Democrático de Direito.

Mas a confusão tem sido a tônica, e o risco enorme é que, ao término de três meses, se reforcem vieses de confirmação e narrativas, sem que a comissão forneça elementos para auxiliar o sistema de Justiça na tarefa de punir os golpistas.

O compartilhamento de informações e documentos é elemento essencial para que a comissão saia dessa armadilha fundadora. Ele deverá começar nos próximos dias e será a forma para que deputados e senadores que queiram trabalhar, e não apenas tumultuar, se preparem melhor para inquirir as testemunhas de agora em diante.

Há uma curva de aprendizado e entrosamento em CPIs. O mesmo aconteceu na da pandemia, que, diferentemente desta, saía praticamente do zero, dada a inoperância do Ministério Público Federal ante a calamidade de saúde pública naquele momento. A avidez por informações e por verificar como um governo deliberadamente boicotava as medidas sanitárias e a vacinação tornou a comissão fundamental para trazer à luz fatos estarrecedores e pressionar Bolsonaro a investir em vacinas.

Portanto, ainda que depois muitas de suas conclusões tenham morrido nos escaninhos da Procuradoria-Geral da República, um dos objetivos de uma investigação parlamentar, aclarar o debate, foi cumprido. Na CPMI dos atos golpistas, até aqui só se viu gritaria e desinformação.

 

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