Valor Econômico
Há um entendimento entre autoridades dos
três Poderes de que o desfecho desse episódio terá imensas consequências
futuras
A cúpula do Exército difundia na semana
passada para a cadeia de comando mais uma rodada de mensagens em defesa do
legalismo, quando, na quinta-feira (15), foi surpreendida com um novo capítulo
da trama golpista que pretendia interromper o curso natural da história: a
posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o legítimo exercício do
terceiro mandato obtido pelo petista nas urnas. Pela primeira vez, era descrita
a participação de um oficial da ativa lotado no quartel-general na articulação
antidemocrática realizada por bolsonaristas radicais.
Pior: conforme revelado na reportagem da
revista “Veja”, esse militar atuava no Estado-Maior do Exército.
Não é um local qualquer. O Estado-Maior é o órgão de direção-geral responsável, perante o comandante, pela preparação da Força Terrestre. Em outras palavras, tem a missão de estudar, planejar, orientar e coordenar todas as atividades essenciais para a atuação da instituição.
Buscou-se uma reação rápida. De imediato,
conforme anunciado já na manhã da sexta-feira, o comandante do Exército,
general Tomás Ribeiro Paiva, decidia suspender qualquer promoção e uma viagem
ao exterior do coronel Jean Lawand Junior, o militar citado na reportagem. Na
sequência, o general comunicou sua decisão ao ministro da Defesa, José Múcio
Monteiro, e deslocou-se com ele até o Palácio da Alvorada para fazê-lo também
ao próprio presidente Lula.
Oficial da artilharia, Lawand permanecerá
no Brasil para apresentar sua defesa internamente. E ficará à disposição da
Justiça.
Ele iria para os Estados Unidos trabalhar
na representação brasileira em Washington. Mas sua passagem de ida foi
cancelada depois que dados encontrados no celular do tenente-coronel Mauro Cid,
ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o apresentaram como um indisciplinado
defensor do golpe de Estado e da quebra da hierarquia dentro da Força. Em uma das
mensagens enviadas a Cid, ele destaca que Bolsonaro precisava dar imediatamente
a ordem para que as Forças Armadas agissem.
O plano dos golpistas tinha começo, meio e
fim. E a ordem que Lawand implorava para ouvir era apenas parte desse
estratagema.
De acordo com os documentos apreendidos no
telefone celular de Cid, o chefe do Executivo deveria enviar um requerimento
aos comandantes das Forças Armadas descrevendo atos do Judiciário que, em sua
opinião, estariam gerando desarmonia entre os Poderes. Nesse requerimento,
seria evocado o artigo 142 da Constituição, que numa interpretação
mal-intencionada feita pelos bolsonaristas radicais daria aos militares um
poder moderador em eventuais crises institucionais.
Os mentores do golpe insistiam num verniz
jurídico há muito rechaçado por juristas de renome, integrantes de cortes
superiores e, sobretudo, pela cúpula das Forças Armadas. Em um labirinto
retórico, como se pôde ler depois no material que teve seu sigilo retirado pela
Justiça, os autores do roteiro do golpe evocariam o princípio da “moralidade
institucional” para derrubar eventuais decisões judiciais consideradas por eles
ilegítimas ou abusivas.
Deferido o requerimento pelas Forças
Armadas, o tal poder moderador nomearia então um interventor. E este teria sob
seu comando as próprias Forças Armadas, a Polícia Federal e a Polícia
Rodoviária Federal.
O interventor receberia um prazo para agir
e uma ampla missão a cumprir: suspender decisões judiciais, abrir inquérito
contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), intervir na composição do
Tribunal Superior Eleitoral e estabelecer prazo para novas eleições.
Sublinhe-se: o novo pleito seria coordenado pelo TSE, sim, mas em sua nova
composição.
Em relação à cúpula do Exército, existe um
ponto relativamente positivo no material encontrado com o ex-ajudante de ordens
de Bolsonaro: segundo disse Cid ao coronel Lawand, o ex-presidente não confiava
que o Alto Comando da Força seguiria a tal ordem. Ou seja, as reiteradas
mensagens de que a cúpula do Exército se manteria legalista também chegaram ao
comandante supremo das Forças e estava evidente que Bolsonaro não contaria com
ela para um golpe.
Por outro lado, também nos diálogos
revelados pela revista “Veja”, Lawand assegurou ao interlocutor que o levante
teria mais adesões nas instâncias inferiores. Isso entrou no radar do governo
Lula.
Um ministro afirma que, se nada for feito
pelo Exército, estará em curso um processo de desmoralização do Executivo
perante os fatos e o Poder Judiciário. De acordo com essa fonte, não há como
ignorar tais informações - sobretudo porque muita gente foi presa “por muito
menos”. Além de uma clara ilegalidade, o que está relatado contraria todos os
princípios fundamentais defendidos no meio militar.
Essa fonte aponta ainda que há um entendimento
entre autoridades dos três Poderes de que o desfecho desse episódio terá
imensas consequências futuras, e não só no processo que pode tornar Bolsonaro
inelegível. Argumenta-se, por exemplo, que o Brasil passou por um processo de
redemocratização lastreado por uma anistia ampla, geral e irrestrita. Mas isso
não teria como se repetir hoje, diante das investigações dos atos que
culminaram nos ataques do dia 8 de janeiro.
Existe, também, um consenso de que novas denúncias continuarão a surgir. Não está claro ainda, por exemplo, quem seria o tal interventor dos sonhos desses golpistas.
Um horror e vexame ao mesmo tempo.
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