O Globo
Entender o grau de complexidade ditará a
diferença entre o sucesso na empreitada de votar a reforma e um novo fracasso
Poucas máximas têm sido tão difundidas em
2023 quanto “chegou a hora da reforma tributária”. Com sua aura um tanto
mística, ela tem provido parlamentares, ministros, empresários e analistas de
um otimismo e um grau de consenso raros no polarizado ambiente brasileiro. Mas
será tão simples assim aprovar a reforma do consumo, que cria a versão
brasileira do IVA, o Imposto sobre Valor Agregado, e tem a pretensão de trazer
previsibilidade ao caótico sistema tributário brasileiro?
Nesse debate de décadas, o diabo tem morado
nos detalhes. Será agora, a partir do conhecimento do texto do deputado
Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que eles começarão a aparecer e a gerar o dissenso
que muitos insistem ter sido afastado.
Temas como prazo de transição do atual
sistema de impostos sobre o consumo (principalmente ICMS) para o IVA, exceções
à alíquota geral do novo tributo, como estabelecer um “cash back” dessa
cobrança para pessoas de baixa renda (e de que renda e em que produtos), valor
extra a cobrar sobre produtos que causam malefício, fundo de equalização de
desigualdades regionais e compensação de incentivos suprimidos com a reforma. A
lista das possíveis tretas não para por aí.
Evitar que cada um desses tópicos interdite a votação será uma tarefa complexa, que talvez seja facilitada não porque “chegou a hora” da reforma, mas porque o superpoderoso Arthur Lira tomou a missão para si e resolveu fazer dela o trunfo virtuoso de sua passagem pela presidência da Câmara, como contraponto a assuntos como o orçamento secreto, sua marca indelével até aqui.
Só alguém com a ascendência plena sobre
diferentes bancadas, como ele, será capaz de conciliar interesses tão distintos
quanto os da indústria (pró-reforma, por ver nela possível redução da carga
tributária) e os dos setores de serviços e agropecuária (ambos reticentes, pela
razão inversa). Lira tem sido claro, a despeito das declarações de que o
momento chegou, ao dizer que, sem atender aos clamores do agro, a reforma não
sairá de novo, porque a bancada ruralista é a mais poderosa do Congresso.
Da mesma maneira foi possível assegurar no
texto constitucional, novamente, a manutenção do regime especial da Zona Franca
de Manaus, bem como excetuar as áreas de educação, saúde, construção e
transporte — essa lista pode tender ao infinito a depender dos lobbies que
começam a chegar aos gabinetes de deputados e senadores.
Ninguém duvida da necessidade urgente de
desbastar o cipoal tributário brasileiro ou consegue dizer que o sistema atual
seja ao menos razoável. Mas, como se viu na reforma trabalhista e na
previdenciária, existe uma força de atração que puxa o país para manter
sistemas disfuncionais que travam seu desenvolvimento, misturando interesses
cartoriais e simples aversão ao novo. Funciona mais ou menos assim: se a
mudança não for segundo os próprios interesses, melhor deixar como está.
Entender esse grau de complexidade ditará a
diferença entre o sucesso na empreitada de votar a reforma e um novo fracasso.
Lira é o personagem-chave, de novo, mas o governo e o Senado terão um papel
importante também para vencer resistências de estados e municípios e garantir as
exceções que poderão tornar a reforma mais lenta e menos eficaz, mas viável.
— Uma reforma radical não passa, assim como
um arcabouço fiscal radical não passaria — resumiu Fernando Haddad, de novo
demonstrando um grau de pragmatismo acima da média do governo e do PT.
Se for essa a mentalidade a ditar as
negociações que começam para valer agora, com o texto na mesa, aumenta muito a
chance de que o mantra de autoajuda político do “agora vai” se materialize em
aprovação.
Vai,com jeito vai,menina...
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