sexta-feira, 23 de junho de 2023

Vera Magalhães - Reforma tributária: será que agora vai?

O Globo

Entender o grau de complexidade ditará a diferença entre o sucesso na empreitada de votar a reforma e um novo fracasso

Poucas máximas têm sido tão difundidas em 2023 quanto “chegou a hora da reforma tributária”. Com sua aura um tanto mística, ela tem provido parlamentares, ministros, empresários e analistas de um otimismo e um grau de consenso raros no polarizado ambiente brasileiro. Mas será tão simples assim aprovar a reforma do consumo, que cria a versão brasileira do IVA, o Imposto sobre Valor Agregado, e tem a pretensão de trazer previsibilidade ao caótico sistema tributário brasileiro?

Nesse debate de décadas, o diabo tem morado nos detalhes. Será agora, a partir do conhecimento do texto do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que eles começarão a aparecer e a gerar o dissenso que muitos insistem ter sido afastado.

Temas como prazo de transição do atual sistema de impostos sobre o consumo (principalmente ICMS) para o IVA, exceções à alíquota geral do novo tributo, como estabelecer um “cash back” dessa cobrança para pessoas de baixa renda (e de que renda e em que produtos), valor extra a cobrar sobre produtos que causam malefício, fundo de equalização de desigualdades regionais e compensação de incentivos suprimidos com a reforma. A lista das possíveis tretas não para por aí.

Evitar que cada um desses tópicos interdite a votação será uma tarefa complexa, que talvez seja facilitada não porque “chegou a hora” da reforma, mas porque o superpoderoso Arthur Lira tomou a missão para si e resolveu fazer dela o trunfo virtuoso de sua passagem pela presidência da Câmara, como contraponto a assuntos como o orçamento secreto, sua marca indelével até aqui.

Só alguém com a ascendência plena sobre diferentes bancadas, como ele, será capaz de conciliar interesses tão distintos quanto os da indústria (pró-reforma, por ver nela possível redução da carga tributária) e os dos setores de serviços e agropecuária (ambos reticentes, pela razão inversa). Lira tem sido claro, a despeito das declarações de que o momento chegou, ao dizer que, sem atender aos clamores do agro, a reforma não sairá de novo, porque a bancada ruralista é a mais poderosa do Congresso.

Da mesma maneira foi possível assegurar no texto constitucional, novamente, a manutenção do regime especial da Zona Franca de Manaus, bem como excetuar as áreas de educação, saúde, construção e transporte — essa lista pode tender ao infinito a depender dos lobbies que começam a chegar aos gabinetes de deputados e senadores.

Ninguém duvida da necessidade urgente de desbastar o cipoal tributário brasileiro ou consegue dizer que o sistema atual seja ao menos razoável. Mas, como se viu na reforma trabalhista e na previdenciária, existe uma força de atração que puxa o país para manter sistemas disfuncionais que travam seu desenvolvimento, misturando interesses cartoriais e simples aversão ao novo. Funciona mais ou menos assim: se a mudança não for segundo os próprios interesses, melhor deixar como está.

Entender esse grau de complexidade ditará a diferença entre o sucesso na empreitada de votar a reforma e um novo fracasso. Lira é o personagem-chave, de novo, mas o governo e o Senado terão um papel importante também para vencer resistências de estados e municípios e garantir as exceções que poderão tornar a reforma mais lenta e menos eficaz, mas viável.

— Uma reforma radical não passa, assim como um arcabouço fiscal radical não passaria — resumiu Fernando Haddad, de novo demonstrando um grau de pragmatismo acima da média do governo e do PT.

Se for essa a mentalidade a ditar as negociações que começam para valer agora, com o texto na mesa, aumenta muito a chance de que o mantra de autoajuda político do “agora vai” se materialize em aprovação.

 

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