O Estado de S. Paulo
Eventual julgamento que torne Bolsonaro inelegível cria dilema para a direita brasileira
Jair Bolsonaro caminha para a guilhotina da
inelegibilidade. Se for cortada, sua cabeça ficará como um troféu a ser exibido
por uma das bolhas do espectro político brasileiro e tratada como símbolo de
martírio pela outra.
Num futuro museu da ciência política é
provável que a cabeça cortada figure como exemplo de quem surfa uma onda cuja
abrangência nunca entendeu, despreze os fundamentos de organização e conduta da
ação política, ignore a importância de uma boa estratégia e confunde bravata
com coragem.
Nunca ficou claro se Bolsonaro queria
controlar as instituições que o limitavam ocupando-as “por dentro” ou tentando
derrubá-las “por fora”. Acabou severamente tolhido por Judiciário e
Legislativo. Iniciou o mandato dizendo que “não faria a política de sempre” e
acabou totalmente embrulhado por ela.
Há certo consenso quanto ao fato de Bolsonaro ter se transformado num cabo eleitoral de Lula. Mas não se pode ignorar um fator emocional muito além do que sua figura possa ter servido de contraste em favor do adversário: foram a frieza e a ausência de solidariedade e empatia com o sofrimento de milhões de pessoas durante a pandemia.
As eleições que ele perdeu deixaram
evidente o peso majoritário do que se possa chamar de “centro-direita” no
eleitorado. O problema para essa larga fatia é o fato de que ela é dispersa e
Bolsonaro nunca a liderou de forma abrangente. Para um contingente nutrido do
setor conservador, Bolsonaro não é uma figura a ser cultuada – mas, sim, a ser
esquecida.
Podem-se identificar agremiações
partidárias “de direita”, mas não existe um partido dominante “da direita”
(como existe o PT na esquerda). O que se poderia chamar de espectro amplo de
“centro-direita” no Brasil ostenta convergências, mas não um conjunto coordenado
de postulados e, menos ainda, uma proposta de atuação comum.
Num cenário desses a cabeça de Bolsonaro
continuará tendo relevância para uma parcela ainda significativa do eleitorado,
embora menor do que já foi. Líderes populistas são capazes de fazer sucessores
quando estão no poder e dispõem de máquina partidária e estatal. Não é o caso
de Bolsonaro, que não tem herdeiro sequer próximo da sua estatura política.
A ausência do nome dele como candidato
obviamente abre um campo enorme para outros nomes, sobretudo entre alguns
atuais governadores. É o caminho “natural” da política, que não tolera vácuos.
E resolve um pedaço importante da grande tendência de centro-direita, que era
como se livrar dele.
Permanece, porém, o dilema essencial: com
quem, então?
Tarcísio.
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