quinta-feira, 15 de junho de 2023

William Waack - Enredo para uma série

O Estado de S. Paulo

Personagens centrais do Congresso e do Executivo travam luta feroz pelo poder

Pode-se trocar os atores no atual teatro político em Brasília e não mudam os personagens centrais. Muito menos o enredo: uma luta feroz pelo poder entre Congresso e Executivo.

Os chefes do Executivo e das Casas Legislativas estão entrelaçados numa disputa pelos instrumentos básicos de atuação política – a alocação de recursos via orçamento público e a ocupação da máquina estatal.

É o resultado lógico de um péssimo “design” de sistema de governo que só piorou na última década. O conflito programado entre Executivo e Legislativo agravou-se com o resultado das últimas eleições, que não deu a lado algum peso decisivo para impor uma agenda política.

Mas o “clinch” institucional vivido por Arthur Lira e Lula não explica tudo, pois existe um largo espaço para a atuação de indivíduos. A de Lira tem sido a exploração brutal do que ele entende como prerrogativas de poder irrevogáveis do Parlamento. Seu maior problema é coordenar forças políticas fracionadas, que não obedecem a um comando central.

A atuação de Lula sofre devido à incompreensão das mudanças de poder, além de achar que suas vontades prevalecem sobre os fatos. Ele não desenvolveu até aqui um plano coerente de governo e de ação política, e está improvisando nas duas esferas. Obrigou-se ao microgerenciamento de infindáveis minicrises, deixando a sensação de que, quanto mais fala, menos se sai do lugar.

As principais pautas de interesse imediato para o País estão sendo empurradas, mas não conduzidas com um senso de horizonte um pouco mais amplo (seria mesmo uma utopia). A do arcabouço fiscal agrada ao desejo de gastar compartilhado entre Congresso e Executivo, mas, de maneira perversa, está dependendo em parte substancial do Judiciário para garantir aumento de arrecadação.

A reforma tributária será um grande sucesso se corrigir distorções. Ocorre que “distorções” é um eufemismo pelo qual se descreve como os mais variados interesses regionais, econômicos ou de segmentos criaram e defendem seus “direitos”, cuja acomodação via cofres públicos a crise fiscal impossibilita.

O mais dramático de um enredo desse tipo é a constatação de que o tamanho dos problemas supera a estatura e a capacidade de compreensão dos principais personagens políticos sobre o que está envolvido em termos de futuro do País. É um soberbo material para roteiristas de séries no “streaming”, sustentaria muitas temporadas e dezenas de capítulos. Infelizmente não se pode relaxar e assistir comendo pipoca. O que está em jogo não é apenas o destino dos personagens. É o de todos nós.

 

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