segunda-feira, 3 de julho de 2023

Alex Ribeiro - BC quer virar uma corporação financeira

Valor Econômico

Instituição já apresentou ao TCU esboço do modelo da autonomia administrativa seguindo um dos modelos recomendados pelo FMI

Os funcionários, diretores e até o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estão em uma campanha para combater o esvaziamento da instituição. Querem o reajuste dos salários, acompanhando o que foi concedido a outras carreiras de Estado, como a Receita Federal, e a abertura de um concurso para repor o quadro de pessoal. A solução mais fácil seria simplesmente atender às reivindicações. O melhor, porém, é resolver o problema estrutural: conceder autonomia administrativa e orçamentária ao BC e aprovar uma ampla reforma administrativa para todo o funcionalismo.

O Banco Central apresentou ao Tribunal de Contas da União (TCU) um esboço do modelo da autonomia administrativa, que tornaria a autoridade monetária uma “corporação financeira”, seguindo um dos modelos recomendados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Para ter autonomia administrativa, seria preciso mudar a Constituição para acabar com a sua subordinação ao Orçamento Geral da União.

De fato, está ocorrendo um desmonte do Banco Central, mas seria exagero atribuí-lo a uma suposta perseguição do presidente Lula, um crítico da independência operacional concedida em lei. O esvaziamento do Banco Central é resultado de décadas de descaso, incluindo o governo anterior, de Bolsonaro.

O Banco Central fez reiterados pedidos para contratar pessoal ao então ministro da Economia, Paulo Guedes, que nunca autorizou. Ele estava empenhado num ilusório ajuste fiscal com a corrosão do salário do funcionalismo e o represamento de contratações de pessoal. A fórmula não era sustentável e, agora, apresenta-se como uma verdadeira herança maldita.

O problema é mais amplo. Afeta todo o setor publico, e não só o Banco Central. Ajudaria muito a aprovação de uma reforma administrativa, que o liberal Guedes não teve apoio de Bolsonaro para fazer. O corporativismo petista dificilmente levará adiante.

No Banco Central, o salário médio dos analistas foi de R$ 26,8 mil em 2022, o que não é pouco. Mas a diferença de ganhos entre o início e o final da carreira é mínimo, de cerca de R$ 7 mil. O salário é alto para quem está apenas começando na carreira e baixo para quem acumula conhecimentos técnicos e responsabilidades ao longo de décadas de serviço público. Os diretores e o presidente do Banco Central ganhavam R$ 17,3 mil. Muito pouco para desestimular que ocorra, de forma acelerada, a porta giratória entre o BC e o mercado financeiro.

Havia 3.391 funcionários ativos ao fim de 2021, dos quais 310 poderiam se aposentar. Em média, 18 funcionários pedem demissão por ano para trabalhar em outros lugares. Se o quadro estivesse completo, deveria haver 6.470 funcionários. Desde 2013 não são realizados concursos.

Para reajustar salários ou contratar pessoal, o Banco Central precisa de autorização da área econômica do governo. Tem um lado democrático, porque o BC compete com os demais órgãos pelos recursos do Orçamento. Mas, por outro lado, isso significa que o Banco Central não é autônomo do governo, na prática.

Em tese, um governo que não gosta do que o BC está fazendo na política monetária ou na regulação financeira pode estrangulá-lo com um severo contingenciamento de despesas. Também pode, de forma deliberada, negar concursos para a reposição de funcionários aposentados ou reduzir salários reais para provocar desligamentos em massa. O risco seria o Copom definir a Selic mas não ter ninguém para executá-la na mesa de juros no dia seguinte

Para evitar que isso ocorra, os bancos centrais de outros países costumam ter autonomia orçamentária. A nota técnica elaborada pelo Banco Central cita os exemplos da Espanha, Chile, Canadá, Estados Unidos, México e Nova Zelândia, que têm os seus orçamentos desvinculados dos orçamentos dos governos.

Nesses casos, os bancos centrais encaminham diretamente os orçamentos para o Legislativo, e as propostas são aprovadas por conselhos nos próprios BCs. Muitos bancos centrais cobrem as despesas administrativas com receitas próprias de serviços prestados - no caso brasileiro, o Banco Central não tem muitas formas de arrecadação, mas costuma ter ganhos em outras operações.

Um modelo muito comum de organização dos bancos centrais é sob a forma de uma corporação financeira, prevista nos manuais do FMI. Nessa condição, deixam de fazer parte do setor público consolidado para fins de apuração do resultado primário e da dívida pública. Mas seus lucros são transferidos ao Tesouro, e os prejuízos, cobertos pelo fisco, seguindo algumas regras.

O modelo de corporação, se adotado, teria algumas implicações para o cálculo da dívida bruta. O FMI já trata o nosso Banco Central como se, de fato, fosse uma corporação financeira. Por isso inclui na dívida bruta os títulos do Tesouro que estão na carteira do Banco Central. Na dívida bruta calculada pelo BC, a autoridade monetária faz parte do governo, por isso são incluídos apenas os títulos públicos usados em operações compromissadas. Se o BC virar uma corporação financeira, haverá apenas o conceito de dívida bruta do FMI, que é 10 pontos do Produto Interno Bruto (PIB) maior.

 

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