Valor Econômico
Função pública exige o máximo de
transparência sobre fontes de rendas e negócios de quem a exerce
A política oferece incontáveis benefícios
para aqueles que conseguem passar pelo apertado funil eleitoral, em meio a
dezenas de partidos e a centenas ou milhares de candidatos, em pleitos
realizados em Estados muito grandes ou populosos, que exigem campanhas
geralmente milionárias.
Uma vez eleitos, políticos contam com uma estrutura de pessoal que lhes permite contratar dezenas de assessores, além de verbas de gabinete para cobrir despesas com passagens aéreas, aluguel de veículos e combustíveis, material gráfico e impulsionamento de postagens nas redes sociais.
A legislação também garante a autoridades
públicas foro privilegiado, que na prática funciona como uma proteção judicial
enquanto duram seus mandatos. Entre as moedas de troca de nosso
presidencialismo de coalizão, costumam também ter controle sobre quantias
expressivas do orçamento público, além do poder de indicar apadrinhados para
ocupar cargos na administração direta e estatais.
Ao longo do exercício de seus mandatos,
parlamentares frequentemente deliberam sobre assuntos que envolvem interesses
vultosos, como regras tributárias, regulações para os mais variados setores,
benefícios creditícios e autorizações para empreendimentos privados e operações
financeiras.
Nas últimas décadas, uma sucessão de
escândalos de corrupção expôs o potencial de enriquecimento ilícito de políticos
por meio do exercício distorcido desses poderes em benefício próprio.
Caixa dois de campanha, tráfico de
influência, superfaturamento de obras e compras públicas, nepotismo,
“rachadinhas” e o recebimento de subornos e propinas permeiam dezenas de casos,
de PC Farias de Collor a Fabrício Queiroz do clã Bolsonaro, passando por
privatizações suspeitas de FHC, o mensalão e o petrolão de Lula e Dilma e o
“Joesley Day” de Michel Temer. Já no Congresso são incontáveis os desvios
envolvendo parlamentares, como os anões do Orçamento, os sanguessugas e a máfia
das ambulâncias e a farra do orçamento secreto.
Embora tenhamos feito inegáveis avanços nas
últimas décadas com legislações promovendo maior transparência no processo
eleitoral e no sistema orçamentário, a criação de órgãos como o Coaf e a CGU e
a aprovação de uma Lei Anticorrupção (Lei nº 12.486) que está prestes a
completar dez anos, os retrocessos ocorridos após a Operação Lava-Jato são
evidentes.
Na reação do sistema político àquela que no
auge foi chamada de maior ação contra a corrupção do mundo, decisões do Supremo
Tribunal Federal e normas aprovadas pelo Congresso Nacional fizeram o Brasil
regredir algumas casas na busca por um ambiente institucional menos propenso a
desvios de recursos públicos.
A decisão do STF de retirar da Justiça
comum a competência para julgar crimes de caixa dois e lavagem de dinheiro
praticados durante campanhas gerou uma avalanche de anulações e prescrições. No
âmbito legislativo, a Lei de Improbidade Administrativa foi completamente
desvirtuada, tornando a impunidade praticamente a regra quando se refere ao mau
uso do dinheiro público.
A recente aprovação, na Câmara dos
Deputados, do PL nº 2.720/2023 representa um novo ataque proferido por aqueles
interessados em eliminar amarras e controles contra a corrupção. De autoria da
deputada Dani Cunha, filha do deputado cassado Eduardo Cunha, que dispensa
apresentações, a proposta vai na contramão das boas práticas internacionais e
das evidências científicas.
Num estudo realizado em 2009 pelos
economistas Simeon Djankov, Rafael La Porta e colegas, ficou demonstrado que,
numa amostra de 175 países, há uma forte correlação negativa entre normas que
determinam a divulgação de informações relativas a pessoas politicamente
expostas, seus ativos financeiros e participações societárias e a percepção de
corrupção na sociedade.
A ideia central do projeto de Dani Cunha é
tipificar como crime de discriminação os procedimentos realizados por
instituições financeiras para reduzir riscos de envolvimento em práticas de
lavagem de dinheiro em operações realizadas por autoridades públicas (definidas
nos acordos internacionais como “pessoas politicamente expostas”) e seus
parentes próximos.
Nas últimas décadas, organismos e fóruns
multilaterais têm proposto o endurecimento de regras de transparência, de
intercâmbio de informações e de controle de fluxos para aumentar os custos e as
dificuldades para que políticos utilizem o sistema financeiro para transferir
os frutos de atos ilícitos praticados durante o exercício de sua função
pública, utilizando muitas vezes familiares e assessores próximos.
Denúncias recentes apuradas pela imprensa,
como o caso da fortuna acumulada pelo ministro Alexandre Silveira e não
informada ao Tribunal Superior Eleitoral, ou que emergem de investigações
oficiais semelhantes à do braço-direito do presidente da Câmara Arthur Lira,
revelam como deveríamos aprimorar, e não afrouxar as regras de controle.
A classe política brasileira precisa
entender que para o exercício de função pública há um preço a se pagar: e ele
deveria ser a máxima transparência sobre suas fontes de rendas e negócios.
*Bruno Carazza é professor associado da Fundação Dom Cabral e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro” (Companhia das Letras)”.
Artigo jornalístico importante, este. Vale muito a leitura!
ResponderExcluirCaixa 2 e mensalão não é corrupção,quer dizer,pode até ser,mas não enriquece quem pratica.
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