terça-feira, 11 de julho de 2023

Carlos Andreazza - Emendas e emendas

O Globo

O orçamento secreto continua — eis o mantra desta coluna

Não há qualquer problema, per se, na existência de emendas parlamentares; na distribuição de dinheiros provenientes de emendas às regiões de deputados e senadores.

Os legisladores têm a previsão formal de destinar recursos à ponta; ao governo cabendo a gestão do tempo sobre a liberação desses valores. Ante agendas-votações de seu interesse, como a reforma tributária, vício nenhum haverá — conceitualmente — no encaminhamento das granas; mecanismo que compõe a gramática da atividade política, especificamente a dinâmica da linguagem parlamentar. É do jogo.

A criminalização do pagamento de emendas resulta, já resultou, em Jair Bolsonaro.

Nem toda emenda, porém, obedece aos princípios que valorizam — e mesmo justificam — o exercício legislativo.

Em 2022, o STF declarou a inconstitucionalidade da emenda do relator — o orçamento secreto — conforme pervertida pelo governo Bolsonaro. Durante a campanha eleitoral, Lula bateu firme na prática. Ao final do ano, já eleito, abençoou uma costura que, articulando as aprovações da PEC da Transição e da Lei de Diretrizes Orçamentárias, pactuou formalmente a continuação — deslocado e camuflado — do sistema operacional do orçamento secreto.

Estava desenhada, na LDO, a arquitetura; postas as bases a que o orçamento secreto encontrasse os trilhos da permanência sob Lula. E houve um acordo para que metade dos bilhões originalmente designados às emendas do relator migrasse para sob as asas dos ministérios — com a condição de que esses dinheiros se mantivessem como propriedade dos parlamentares, o rumo das granas respeitando a partilha entre padrinhos na forma combinada antes da decisão do Supremo.

O acordo demorou a ser cumprido, os elmares reclamaram muito; mas começou a andar. No momento mais dramático, decisivo, do semestre, o trem se moveu. E, enfim, a execução do orçamento secreto, nos termos firmados em dezembro, pelo governo Lula. A cama estava feita. Havia meses. Era só deitar.

(Também disparados bilhões, nos últimos dias, em emendas Pix, aquelas que caem direta e difusamente nos cofres dos municípios, sem a exigência de atrelamento a um programa — mecanismo forjado para inviabilizar qualquer fiscalização.)

A revista piauí, na pena de Breno Pires, publicou (em 7 de julho) reportagem dedicada exclusivamente à liberação de emendas — relativas a volume remanescente do orçamento secreto — pelo Ministério da Saúde. Somente, frise-se, pelo Ministério da Saúde.

Tem método no arranjo. Arthur Lira e seus liristas fizeram, nas últimas semanas, poderosa carga pelo controle da pasta. Levaram — levarão — a Funasa, a ser recodevasfizada, e garantiram a derrama de R$ 679 milhões do espólio do orçamento secreto; dos quais R$ 197 milhões para Alagoas, dos quais R$ 18 milhões para o hospital cuja diretora financeira é prima de Lira.

Isto é o orçamento secreto. Emenda empregada autoritariamente. Que privilegia os donos do Parlamento e seus aliados. Os R$ 197 milhões para o estado do presidente da Câmara representando 29% de tudo que a Saúde soltou do saldo do orçamento secreto. Alagoas, de Lira, o estado mais beneficiado do Brasil. E o hospital Veredas, de que Lira cuida com esmero, longe de ser o maior filantrópico da capital, ademais todo enrolado em dívidas, levando mais recursos — apenas o hospital, ressalte-se — que 18 estados brasileiros.

Isto é o orçamento secreto. Emenda distribuída obscuramente. Para que seja quase impossível rastrear o destino dos dinheiros e seus patronos. (Pode ser qualquer um entre os presentes no cruzeiro do Safadão.) No caso do Veredas, o Ministério da Saúde de Nísia Trindade — como fazia o governo Bolsonaro de Pazuello — não detalhou para onde foram os milhões. Informação que a piauí só obteve por meio de consulta à secretaria municipal de Maceió.

O orçamento secreto não ataca somente os princípios da transparência e da equidade na gestão pública. É estrutura perfeita à constituição de esquemas de corrupção; como aquele que, por meio do FNDE e com dinheiros das emendas do relator, transformou a aquisição de kits de robótica por municípios alagoanos (compra feita a empresa de gente chegada a Lira) em episódio de superfaturamento e lavagem de dinheiro. Caso cuja investigação o STF, que declarou a inconstitucionalidade do orçamento secreto, não quer que ocorra.

O orçamento secreto continua — eis o mantra desta coluna.

De modo que: sendo certo que não se deve criminalizar o conceito republicano de emendas parlamentares, certo igualmente é que a defesa da legitimidade das emendas não pode encobrir o fato de que Lula as está pagando sob a mesma engrenagem concebida e consagrada por Bolsonaro.

Não convém esperar por produtos diferentes.

 

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