terça-feira, 25 de julho de 2023

Carlos Andreazza - A PEC do Esculacho

O Globo

Uma Proposta de Emenda à Constituição que consistirá, prosperando, no maior perdão da História a partidos políticos no Brasil. Algo sem precedentes até para a cultura corporativista brasileira.

A melhor representação — o mais preciso rosto — do Congresso Lira, com seu rito-ritmo atropelador do Parlamento, está na chamada PEC da Anistia, a PEC do Esculacho, como prefiro; uma Proposta de Emenda à Constituição que consistirá, prosperando, no maior perdão da História a partidos políticos no Brasil. Algo sem precedentes até para a cultura corporativista brasileira.

Protocolada em março na Câmara, passou largamente — em maio — pela Comissão de Constituição e Justiça, 45 x 10, e só não teve comissão especial instalada em julho, antes do recesso, por gestões proteladoras do PSOL, que se valeu dos instrumentos de obstrução ainda restantes à atividade legislativa, combinadas sobretudo à imposição da ordem do dia do Congresso Nacional, que fez soar o gongo e determinou o adiamento da sessão.

É questão de tempo, porém. Pouquíssimo. E não será surpresa se a cousa andar já em 1º de agosto. Andará rapidamente — dúvida não há. Logo, acelerado por urgências artificiais, chegará ao plenário. A matéria é prioritária — muito mais que a apreciação da LDO — para os deputados; especialmente para os donos dos partidos. É fácil compreender as razões.

A PEC tem somente três artigos, aos quais concedo o mérito da clareza. Não há o mais mínimo pudor. Nenhum rubor. A proposta de esculacho é objetiva. Concentrada. Focada. Obra-prima da concisão. Tentarei ser igualmente conciso para resumi-la.

1. Estende ao período da última eleição — a de outubro de 2022 — a anistia a partidos que descumpriram a cota mínima de repasses de recursos públicos a candidaturas de mulheres e negros.

Estende porque, em abril do ano passado, o Congresso — com o estadista Pacheco e outros alcolumbres — já aprovara e promulgara emenda à Constituição que anistiava os partidos por ignorarem as cotas em eleições passadas. É legislação em causa própria sobre legislação em causa própria — essa sucessão de desmandos se dando sob a forma de puxadinhos inscritos, como quem bebesse água, na Carta.

Não vi barulho, certamente não um alto, dos ministérios do governo Lula que cuidam dos direitos iguais para mulheres e negros. Decerto houve constrangimento, já que o PT — de braços dados com o PL de Bolsonaro e Valdemar — apoia a PEC. Espero que tenha havido vergonha.

Tenho certeza de que haverá negócio. E intuo que esse — por mais midiaticamente escandaloso — seja o artigo negociável. Abrandado, flexibilizado, em nome da manutenção do próximo — o que verdadeiramente fará a rapaziada lavar a égua.

2. Estabelece que — e veja-se o grau de inconstitucionalidade admitido pela CCJ da Câmara, instância tornada mera carimbadora dos interesses liristas — “não incidirão sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução e recolhimento de valores, multa ou suspensão do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, nas prestações de contas de exercício financeiro e eleitoral de partidos políticos que se derem anteriormente à promulgação desta alteração de emenda constitucional.”

Preferi reproduzir o texto, entre aspas, para não parecer que exagero ao apontar a gravidade do troço. Propõe-se anistia geral, absoluta, sem senões, a cobrir mesmo, para além do que seria um marco tangível, a eleição de 2022, o futuro — o que se faz agora e o que se fará, com dinheiros públicos, até a promulgação da lei. É um convite, cheque em branco, a que se barbarize ainda mais e imediatamente — um estímulo a que partidos adquiram aviões, renovem a frota de automóveis e comprem toneladas de carnes para churrasco. Serão anistiados. E — a história indica, arrombada a porteira — de novo e de novo.

Aprovada a PEC, seus efeitos equivalerão a anular todo o trabalho de análise da Justiça Eleitoral sobre as contas dos partidos. Para que se tenha a ordem de grandeza da tunga: só no último pacote de julgamentos das prestações partidárias, o TSE determinou a devolução de R$ 40 milhões aos cofres públicos.

Foram 19 as contas reprovadas. Dezesseis as aprovadas com ressalvas. Não à toa tão unidos, com raras exceções, partidos cujos discursos apregoam visões de mundo de todo diversas — menos na hora de proteger o tesouro (para geri-lo sob lógica privada) proveniente de fundos públicos.

3. Permite que os partidos voltem a receber dinheiro de empresas “para quitar dívidas com fornecedores contraídas ou assumidas até agosto de 2015” — uma afronta, indisfarçada, à decisão do Supremo Tribunal Federal (de setembro de 2015) que proibiu financiamento empresarial a partidos e campanhas.

Aprovada, a PEC do Esculacho formará — ao lado da institucionalização do orçamento secreto, que continua — como símbolo das lideranças de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco no Congresso Nacional.

 

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