sexta-feira, 7 de julho de 2023

Claudia Safatle - Avanços na definição da meta de inflação

Valor Econômico

Tirou-se do horizonte a sofreguidão que ficava a cada mês de junho, quando, de forma casuística, o governo, mediante o CMN, decidia qual seria a meta de inflação a ser perseguida

A decisão, tal como ficou, não foi só que a meta para a inflação será contínua, aferida a cada mês com base na inflação acumulada nos 12 meses anteriores. Mais do que isso: a decisão foi de que a meta, agora, é permanente, de 3% com uma banda de variação de 1,5 ponto para cima ou para baixo. Tornou permanente uma meta que era decidida a cada ano. Isso sim foi um grande avanço, embora nada tenha a ver com prazos. Tirou-se do horizonte a sofreguidão que ficava a cada mês de junho, quando, de forma casuística, o governo, mediante o Conselho Monetário Nacional (CMN), decidia qual seria a meta de inflação a ser perseguida pelo Comitê de Política Monetária (Copom). E, como consequência, qual seria a taxa de juros necessária para levar a inflação para a meta.

O Copom já não trabalhava com ano calendário quando, por algum choque de preços, a inflação se descolava da meta.

Vamos aos prazos: 1) O prazo que o Banco Central terá para trazer a inflação, medida pelo IPCA, para a meta, deverá ser definido pelo próprio BC. Isso dependerá de um cardápio de circunstâncias, do tipo de choque que produziu o desvio, se ele é persistente ou não, da situação da economia no momento que o choque aconteceu.

A lástima é que toda vez que se reclama da atuação do BC ou dos rigores pretensamente excessivos do regime de metas, é sobre isso que se está pensando: que o Banco Central, por conta da especificação das metas para anos gregorianos, estaria comprometido com trazer a inflação para a meta no ano calendário. Razão pela qual a instituição operaria com taxas de juros muito elevadas.

Isso é uma tolice, uma ficção sobre como o Banco Central funciona.

Entende-se que o BC não está perseguindo a inflação no ano, mas estará perseguindo-a para o ano seguinte. O BC não precisa estar fixado em um ano gregoriano.

O prazo que o BC se concede para levar a inflação para a meta pode ser de 18 meses.

Outra questão relativa ao tempo se refere ao prazo que se calcula a inflação para saber se ela está ou não na meta. Questão esta que se divide em duas: a frequência com que se calcula e a janela que cobre com o seu cálculo.

Hoje calcula-se uma vez por ano para um período de 12 meses acumulados. Uma vez por ano coincidindo com o ano calendário. A proposta, agora, é de fazer uma periodicidade mensal e a janela de 12 meses. Esse é o modelo convencional da meta contínua. A janela de 12 meses é a mais natural.

Assim, tira-se a ênfase indevida no ano calendário e torna o regime mais homogêneo independente de quando ocorre o choque.

Essas são, portanto, duas questões que deverão estar explicitadas no decreto presidencial. Há, porém, um terceiro aspecto que exigirá definição: diz respeito à satisfação que o Banco Central terá que dar ao público em caso de fracasso no cumprimento da meta de inflação que lhe foi atribuída.

Hoje também temos isso no ano gregoriano. A cada ano, se estiver dentro da meta, o BC encerra a discussão com os ritos formais: o relatório trimestral de inflação, as atas do Copom, idas do presidente do BC ao Senado, as entrevistas da diretoria do BC.

Há, porém, um rito adicional, que é a carta aberta que o presidente do BC tem que enviar ao ministro da Fazenda para explicar porque não cumpriu a meta que, com o intervalo de tolerância, será de 1,5% a 4,5% a partir do próximo ano. Na carta, o BC tem que detalhar, também, o que pretende fazer para enquadrar a inflação no intervalo citado.

Há quem defenda que o regime não precisa disso, dado que já tem os ritos naturais. Mas é importante e útil como mecanismo disciplinador do BC. Qual deve ser a periodicidade da satisfação que a autoridade monetária deve dar ao público? Isso, que também deverá constar do decreto, não está definido. Mas pode continuar sendo anual, para não banalizar o rito e manter o seu impacto, apesar da aferição da inflação ser mensal.

No fim de cada ano, o BC explicitaria quanto tempo a inflação de 12 meses ficou fora da banda e, se ela ainda não voltou, o que será feito para que a taxa de inflação convirja para a meta.

O que é mais importante, no entanto, é ficar a critério do Banco Central o horizonte de convergência da inflação para a meta. Não se trata apenas de prerrogativa, já que essa é a principal decisão da política monetária.

Aliás, esse era o grande temor do mercado: o governo tentar fixar prazos de retorno da inflação a meta.

Muitos dos críticos do regime de metas para a inflação se insurgiram contra o inimigo imaginário - que era a suposta fixação do BC no ano gregoriano - e acharam que uma solução para essa suposta fixação era tornar a aferição mensal, contínua, e não mais anual como é hoje.

Está se propondo para um problema que não existia um remédio que talvez não fosse o mais indicado.

Acabou sendo mais um exercício de simbolismo do que uma mudança no regime de metas. Tal com anunciado, ficou bom. Representou um avanço institucional.

Agora, é esperar o decreto para ver se ele traz tudo o que foi anunciado.

 

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