terça-feira, 18 de julho de 2023

Daniela Chiaretti - Roma, 42ºC. E o clima no conflito geracional

Valor Econômico

Juventude se divide entre debater o problema climático e se sentir impotente para a participar da solução

Roma, 42ºC. Parece filme, mas é a previsão de temperatura para esta terça-feira, 18. Faz um calor infernal na capital da Itália neste verão, e em boa parte da Europa. O continente já viveu a estação mais quente dos registros em 2022, segundo estudo da Organização Meteorológica Mundial e do European Union’s Copernicus Climate Change Service. A temperatura está 2,3ºC acima dos níveis pré-industriais. O nível do mar bateu recordes e o derretimento dos glaciares foi sem precedentes. Na Europa morreram 16.365 pessoas no ano passado por conta do clima, a maioria pelas ondas de calor. Inundações e tempestades causaram US$ 2 bilhões em prejuízos. A Bloomberg praticamente desenhou o que está acontecendo e disse mais: há forte probabilidade de 2023 ser o ano mais quente nos registros globais.

A Europa é o continente que aquece mais rápido no mundo. O Canadá está esquentando duas vezes mais rápido do que o resto dos países. Nos Estados Unidos, a previsão de dias de intenso calor para esta semana colocou em alerta um terço da população - mais de 113 milhões de pessoas -, da Flórida à Califórnia e subindo até o Estado de Washington. O Serviço Nacional de Meteorologia pediu às pessoas que não subestimem os riscos à vida. No sábado, termômetros da cidade de Phoenix, Arizona, registraram 48ºC.

Soa como roteiro de série catástrofe, mas é o que o mundo está maratonando agora. Se os cientistas climáticos continuarem certos, só vai piorar. A seguir nesta toada, o futuro será difícil. Os jovens já entenderam.

Os 60 líderes reunidos em Bruxelas, para a III Cúpula Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e União Europeia, foram precedidos de encontros da sociedade civil e da juventude das duas regiões. Pesquisa feita pelo Unicef e UE com 20 mil jovens da América Latina e do Caribe revela que suas principais preocupações são ter pouco acesso à tecnologia, temas sociais (educação, saúde e emprego), e mudança do clima.

Quatro entre cada cinco jovens ouvidos disseram que os líderes políticos têm de prestar mais atenção neles e considerar suas necessidades. “A União Europeia acredita que os jovens deveriam ter assentos em mesas de tomada de decisão”, disse Jutta Urpilainen, comissária europeia para Parcerias Internacionais. Foram dois dias de eventos com painéis sobre clima, transição justa, desigualdades nas cidades, como financiar as mudanças.

A jovem colombiana Nathalia Alexandra Acero Pérez, representante das juventudes da América Latina e Caribe, foi incisiva. “A ambivalência do conceito de juventude não é uma questão menor para nós. Nos atribuem a responsabilidade de influenciar as mudanças necessárias ao progresso, ao mesmo tempo em que somos afastados dos espaços de decisão devido à nossa falta de experiência”.

A moça vive em Bogotá, cuida da avó, trabalha e faz política sem receber salário, apenas por gosto. “Lembrem-se que somos os que sonham que a vida nos dê oportunidades que não deu às nossas famílias”, seguiu. “Para poder combater a mudança climática, primeiro precisamos garantir nossos meios de subsistência. Não vamos perder a batalha contra a mudança do clima por não se garantir o pão na mesa de cada família e de cada jovem trabalhador e trabalhadora”.

Ela ressaltou o que dizem os censos demográficos da região: que a juventude latino-americana ocupará um percentual importante na pirâmide populacional do bloco, sendo uma das faixas etárias com o maior número de pessoas, e é hora de aproveitar, mais que nunca, esse bônus demográfico. “A transição justa, ecológica, digital será com os jovens e as jovens ou não vai acontecer. Jovens decidindo e não jovens demais para decidir”, seguiu. “Precisamos deixar de ser consultados para nos tornamos obrigatórios. Deixar de ser espectadores para sermos protagonistas”.

O engenheiro mecânico Alessandro Di Pietro é especialista de notório saber que tem colaborado em três universidades de Roma e Siena e percebe uma situação peculiar entre jovens de 18 a 25 anos. De um lado, há interesse disseminado em relação a questões sociais e climáticas - como diz o estudo da Unicef. “Há a percepção que o problema é relevante e os estimula a ir às ruas. Mas o que surpreende é perceber em muitos jovens que eles não se sentem como parte da solução”.

Di Pietro explica que muitos jovens sentem uma impossibilidade de mudar o mundo. “Querem compartilhar a sensação de que não podem fazer nada, que estão em um cenário de impossibilidade, de paralisia”. O especialista fala a estudantes de engenharia, e diz que essa é uma grande contradição. “O aluno de engenharia é alguém que estuda e se prepara tecnicamente para fazer algo. Não somos teóricos. Pegamos um problema e buscamos a solução”. Ele segue: “Quando os jovens compartilham frustração pelo sentimento de impossibilidade de mudar o mundo, parece uma patologia social. Muitos se sentem perdedores antes de começar”.

A crise climática exige que se refaça tudo - que se usem novos materiais, que se criem design diferentes, que mudem hábitos de produção e consumo. “Soa absurdo, porque a perspectiva, para um jovem, poderia ser revolucionária. É preciso fazer a revolução dos materiais, das fontes de energia, dos comportamentos, da sociedade, da economia. Estão diante de cenários claros de que é preciso reescrever as coisas de forma relevante. Isso poderia ser excitante para os jovens. Mas não é assim. Em parte, pela dimensão do desafio. Em parte, por um sentimento de inadequação”, continua.

Di Pietro tem se debruçado sobre o tema. Alguns jovens, diz, buscam a causa de suas dificuldades. “E nos dizem, ‘vocês nos estragaram o mundo de tal forma que nos deixaram incapazes de consertar o dano. Não podemos fazer nada, por culpa vossa. Vocês nos jogaram em uma situação que não podemos resolver. Muitos jovens estão adotando uma atitude passiva no trabalho e na vida, uma busca pelo caminho de menor dor possível”. A crise climática alimenta um conflito geracional. Há sinais claros de que precisamos levantar do sofá, desligar essa série-pesadelo, e, urgentemente, fazer alguma coisa.

 

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