O Estado de S. Paulo
A política extrapola o Orçamento, excedendo os seus limites e comprometendo o próprio funcionamento da economia, em prejuízo do pagador de impostos
O cidadão, o pagador de impostos, foi o grande ausente dos debates da reforma tributária. Afinal, é ele que financia o Estado, devendo ser, por via de consequência, o seu destinatário. Discute-se como aumentar os impostos, distribuir fatias do Orçamento para assegurar votações legislativas, setores da economia são privilegiados com reduções de alíquotas, enquanto outros são prejudicados, sem que tenha entrado em discussão o ponto central, a saber, uma redução da carga tributária ou uma melhor avaliação dos gastos em cada ministério, nos diferentes Poderes e nas esferas estaduais e municipais. A coisa pública, a do cidadão, é considerada como a coisa de alguns.
Não se trata de desconsiderar os ganhos
desta reforma no que tange à simplificação tributária, à transparência, à não
cumulatividade de impostos e contribuições, mas de ressaltar o significado de
uma reforma interna ao bolo dos contribuintes, uma nova repartição entre
diferentes atores econômicos, sociais e políticos, que mostram, assim, a sua
força. Não entra na ordem do dia a necessária discussão do destino do bolo e
daqueles que serão os seus comensais.
No imediato, entrou em pauta uma série de
exceções de alguns poucos eleitos por sua força, enquanto outros ficaram na
posição de financiar a festa dos outros.
Ademais, os formuladores da reforma vieram
a criar um “imposto seletivo”, que muito apropriadamente veio a ser chamado de
“imposto do pecado”. Caberia, portanto, aos governantes determinarem o que é
pecado ou não, obrigando os contribuintes a pagarem por isso. Não somente devem
pagar, mas devem ser punidos por suas escolhas, numa espécie de furor
religioso. Se uma pessoa qualquer exerce a sua liberdade de escolha fumando,
optando por bebidas alcoólicas ou ingerindo refrigerantes açucarados, deverá, para
estes reformadores tributários/religiosos, ser castigada. Aos governantes
caberia determinar o que é ou não bom e saudável para o cidadão, como se fosse
este uma criança incapaz de discriminar e decidir por si mesma. E outros
setores, num ardil, terminariam sendo favorecidos por essa seletividade, como
se fossem os virtuosos!
Consoante também com um espírito
supostamente favorável ao meio ambiente e contrário ao agronegócio,
considera-se a possibilidade de tributar o que se chama, inadequadamente, de “agrotóxico”.
“Agrotóxicos” são agroquímicos, remédios para plantas e lavouras, de modo que,
desta maneira, pragas são combatidas. São os equivalentes dos remédios para a
saúde humana. Não ocorre a ninguém empreender uma guerra contra os remédios ou
obrigar os que deles necessitam a pagarem impostos seletivos. O problema não
está na sua existência, mas em seu excesso. Doses desproporcionais de remédios
podem causar dano à saúde das pessoas, da mesma maneira que doses
desproporcionais de agroquímicos podem prejudicar o meio ambiente.
A situação fica ainda mais gritante, porque
aqueles que detêm um maior poder na máquina estatal estão em melhores condições
de fazerem valer seus benefícios, quase como se fossem detentores de um direito
natural sob a forma de direitos adquiridos ou de invenção de novos direitos. A
recente discussão acerca de penduricalhos de promotores e juízes, que
extrapolam impunemente o teto constitucional dos salários, com seus agentes
legislando em causa própria, apenas exacerba a desigualdade social. Enquanto
alguns contam os trocados, outros, auferindo muito, reclamam de ganharem pouco.
E procuram aumentar o seu quinhão na distribuição do bolo tributário.
No Brasil, o Orçamento é tratado como uma
formalidade, devendo ser rearranjado segundo as conveniências do governo de
plantão, sempre mais voraz em seus gastos, sem se preocupar com o mérito de
seus dispêndios. Verbas se eternizam, porque não são objeto de nenhum tipo de
avaliação. Déficits são sempre considerados como algo normal, que será
financiado por uma dívida pública crescente, a ser paga pelas gerações
vindouras, a saber, pelos contribuintes vivos e pelos que ainda nascerão. O
governo atual é pródigo em inventar novos gastos, criando, inclusive, um
vocabulário específico: tudo se tornaria, por passe de mágica, investimento.
São novos reis Midas!
Uma política verdadeiramente democrática
significaria levar o debate para dentro de um Orçamento elaborado com
responsabilidade fiscal, de modo que a luta pelo poder se efetuaria numa nova
repartição interna sua, e não na criação de mais impostos e contribuições para
o financiamento de novos gastos. Ou seja, a política extrapola o Orçamento,
excedendo os seus limites e comprometendo o próprio funcionamento da economia,
prejudicando o pagador de impostos. Ora, é ele que deve, então, pagar pelo
acréscimo do bolo, não estando à mesa senão de uma forma secundária, sendo mero
observador externo.
Deve, quando muito, se contentar com
promessas, que muito dificilmente serão pagas.
*Professor de Filosofia na Ufrgs
E quem mais fumam são os pobres,não é o sobrepreço que eliminarão seus vícios.
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