O Globo
Felizmente Lula parou de chamar uma parte
dos empresários do agronegócio de “fascistas”, constrangendo aqueles que o
apoiaram contra a facção troglodita que seguia Bolsonaro
Na quinta-feira o novo Brasil e seu desafio
estavam na vitrine. Uma fotografia de Danilo Verpa mostrava o pátio da
montadora Volkswagen empanturrado com milhares de carros. No mesmo dia
noticiava-se que a empresa havia suspendido sua produção e que o governo
ampliaria o socorro ao setor, com facilidades para os compradores.
Noutra ponta, os números do Censo de 2020
informaram que a região Centro-Oeste, onde está boa parte do agronegócio, teve
um crescimento populacional de 1,2% ao ano, o dobro da média nacional. Isso
durante o governo de Luiz Inácio da Silva, o Lula, filho de “Seu” Aristides e
Dona Lindu.
Lula tinha 7 anos em 1952, quando Lindu e o Tio Dorico subiram com as crianças num caminhão, com destino a Santos. Eles eram guiados pela esperança dos brasileiros dos anos 1950. Aristides era um nordestino da grande migração. Estava em Santos e carregava sacos de café no porto. Desde o Império, a riqueza nacional estava naqueles sacos. Lula nunca carregou café. Fez um curso no Senai, tornou-se torneiro mecânico e orgulhava-se ao circular com o macacão sujo de graxa. O Brasil de Juscelino Kubitschek produzia automóveis.
Passou o tempo e a história de Lula é
conhecida. Com ele no Planalto, os carros das montadoras estão encalhados e há
um fluxo migratório para o Centro-Oeste. Muitos Aristides de hoje vão para
Goiás e os dois Mato Grossos.
No primeiro trimestre deste ano, o
agronegócio cresceu 21,6%, enquanto a indústria encolheu 0,1%. Há um ano, na
ponta da produção, o tempo de espera por uma colheitadeira de soja e milho
estava em seis meses, agora está em três. Na última safra o plantio rendeu mais
de 50%, em dólares. Na próxima deverá render 25%.
Um setor tornou-se internacionalmente
competitivo, enquanto o outro continua competindo por proteção e benefícios.
O Brasil precisa dos dois, mas uma parte
dele não lida direito com a novidade. Felizmente Lula parou de chamar uma parte
dos empresários do agronegócio de “fascistas”, constrangendo aqueles que o
apoiaram contra a facção troglodita que seguia Bolsonaro.
Os grandes empresários do agronegócio não
são os velhos coronéis do Nordeste do século XX, nem os agrotrogloditas do XXI.
Por artes de Asmodeu, acabaram no mesmo panelão.
(Ao tempo de JK era irrelevante registrar
que Schultz-Wenk, o presidente da Volks brasileira, que desfilava num Fusca ao
lado do presidente, havia sido um moço entusiasta da Juventude Hitlerista,
filiado ao partido nazista dois anos antes de sua chegada ao poder.)
A orfandade cultural do agro
Há algum tempo ridicularizavam-se os
conservadores do Parlamento, dizendo que existia a bancada do BBB, com o boi, a
Bíblia e a bala. O boi impulsionava a economia, a Bíblia era o livro mais
vendido no país e boa parte da população defendia a pena de morte para
bandidos. Em 2018 deu Bolsonaro.
O Brasil do século XX legou ao XXI uma
cultura capenga ao lidar com o país rural. Ele foi retratado pelas injustiças,
pelo sofrimento e pela exaltação vazia. Euclides da Cunha disse que o sertanejo
é antes de tudo um forte e, como repórter, estava alistado na tropa que
massacrou a gente de Canudos. Jorge Amado, Graciliano Ramos e João Cabral de
Melo Neto expuseram esse país, mas ele não é mais o mesmo. Guimarães Rosa
trouxe um sertão épico, porém inerte.
Como um penetra que se enfia numa festa, o
Brasil rural instalou-se na música e há décadas o gênero sertanejo está nas
paradas. Em janeiro deste ano ele foi o mais tocado nas rádios do país. Em
segundo lugar vinha o forró.
Enquanto a questão esteve no campo da
cultura, esse problema teve bom tamanho, mas estava circunscrito. Hoje ele está
na vitrine e nas estatísticas.
A encarnação do poderoso senhor do
agronegócio nada tem a ver com os clássicos proprietários rurais da literatura.
Ele é um colono do Sul do Brasil, cujo pai não lhe deixou um tostão. Subiu para
Goiás, Mato Grosso e chegou a Roraima. Ralou como o Severino de João Cabral.
Diferenciando-se dele, na parte que lhe coube do latifúndio, plantou soja.
Culturalmente órfão, está vivo, educou bem o filho e não se importa com isso.
Serviço
Há tempo, está nas livrarias, “Alimentando
o mundo — O surgimento da moderna economia agrícola no Brasil”, de Herbert
Klein e Francisco Vidal Luna. Para quem opina a respeito do agronegócio com
conhecimentos superficiais, é uma aula. Responde a todas as perguntas.
Os números do IBGE
Com governos preocupados com o que
acreditam ser “um problema de comunicação”, o IBGE deu uma aula de competência
ao divulgar os números do Censo. Tinha números para informar e tornou-os
disponíveis, sem adjetivos. Parece fácil, mas é raro.
A teoria da relatividade
Na quinta-feira, ao tratar do regime
venezuelano, Lula disse o seguinte:
“O conceito de democracia é relativo.”
Em 1977 o presidente Ernesto Geisel disse a
mesma coisa. Apanhou que nem boi ladrão. Não mudou de opinião, mas nunca mais
voltou publicamente ao tema.
Lula disse no Fórum de São Paulo que a
esquerda precisa rever seu discurso. Podia começar revendo o seu, que num dia
manda sinais de fumaça ao agronegócio e no outro carrega a bola de ferro do
regime venezuelano.
Sem Bolsonaro
Sem Bolsonaro, o conservadorismo nacional
fica livre de uma liderança primitiva, catapultada ao poder em 2018 por
diversos fatores, entre os quais esteve a soberba do consulado petista.
Na sua história, antes de Bolsonaro, a
direita só chegou ao poder pelo voto com um histrião, mas pode-se acusar Jânio
Quadros de tudo, menos insinuar que durante uma epidemia ele viesse a encrencar
com as vacinas.
Essa direita terá dois anos para levar aos
eleitores um quadro vacinado contra o estilo de seus antecessores.
Ministério da Saúde
A turma que pretendia capturar o Ministério
da Saúde (com suas verbas) entrou em recesso. Apenas um recesso.
CPI do 8 de janeiro
Pelo andar da carruagem, a CPI do 8 de
janeiro vai a lugar nenhum. O governo não a queria. Instalada, ele espera
apenas que ela acabe.
Carlos França no Canadá
Com uns três meses de atraso, no fim de
maio, o governo do Canadá concedeu o agrément ao embaixador Carlos França,
ex-chanceler de Bolsonaro (nada a ver com seu antecessor, Ernesto Araújo).
Para quem conhece os minuetos da
diplomacia, isso aconteceu também porque o governo fez saber que sua escolha se
deu pelos méritos profissionais de França. Jogo limpo.
Do alto de sua importância, em 2021,
Bolsonaro resolveu mandar o ex-prefeito Marcelo Crivella para a embaixada na
África do Sul. Quando o agrément começou a demorar, Bolsonaro tentou
destravá-lo num telefonema para o presidente Cyril Ramaphosa.
A gestão era impertinente, o agrément continuou encalhado, e Crivella voltou às suas origens na política do Rio de Janeiro.
Excelente
ResponderExcluirMuito bom.
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