Correio Braziliense
O Estado brasileiro, com suas instituições, é uma “democracia
ampliada”, inscrita na Constituição de 1988, que não resulta apenas da eleição
direta do presidente da República
A inelegibilidade do
ex-presidente Jair Bolsonaro, aprovada por 5 a 2 pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), ainda não transitou em julgado, pois lhe cabe o direito a
recurso no Supremo Tribunal Federal (STF), mas já está valendo e tem impacto na
conjuntura política do país, principalmente na oposição ao governo Lula.
Entretanto, Bolsonaro continuará sendo um grande eleitor nas eleições
municipais, mesmo sem o controle da máquina federal, porque exerce uma
liderança de natureza política e ideológica de massas, tem aliados estratégicos
em governos estaduais e forte presença das redes sociais.
Bolsonaro não é um simples produto midiático nem o bolsonarismo desaparecerá a curto prazo. As contradições sociais que o levaram ao poder continuam existindo, com a revolução digital, as mudanças na estrutura de organização do trabalho, a crise de representação dos partidos, a desagregação familiar, a violência, o machismo e a homofobia, entre outras causas. A agenda de Bolsonaro permanecerá viva nas eleições municipais e isso fará dele um político influente, mesmo impedido de disputar eleições.
Especula-se que a decisão da
Justiça Eleitoral antecipa a disputa de 2026, saltando as eleições municipais,
que teriam um papel secundário nas articulações políticas. Estariam dadas as
condições para surgimento de outra outra liderança de direita, mais esclarecida
e moderada, capaz de mudar o eixo da oposição, da extrema-direita para o
conservadorismo político, em aliança com o centro liberal. Nesse caso, da
oposição nos estados poderia emergir nova alternativa de poder.
As principais lideranças de
direita do país hoje são o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil),
uma liderança tradicional de direita; o governador de Minas, Romeu Zema (Novo),
que emergiu na onda antissistema do tsunami eleitoral de 2018; e o governador
de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), eleito na aba do chapéu de
Bolsonaro, mas com seus próprios méritos, pelos vínculos que estabeleceu com a
elite política e econômica paulista. Este é o jogo a ser jogado no campo do
bolsonarismo: encontrar um candidato de direita que a unifique, o que é
impossível sem o consentimento, e, portanto, o apoio eleitoral do
ex-presidente.
Nesse contexto, setores de
centro que apoiaram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno e
estão descontentes, seja pelo rumo político adotado, seja meramente por falta
de espaço no governo federal, começam a se movimentar com objetivo de
ressuscitar a terceira via. A maior dificuldade que encontram é o fato de que
tiveram um papel decisivo no segundo turno, mas não têm força suficiente para
construir uma alternativa de poder no curto prazo.
Ao lado do vice-presidente
Geraldo Alckmin (PSB), ministro do Desenvolvimento Econômico, e de Marina Silva
(Rede), ministra do Meio Ambiente, Simone Tebet, se encaixou plenamente na
equipe econômica liderada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cuja
atuação vem recebendo apoio crescente dos agentes econômicos. Não há a menor
possibilidade desse pacto político ser rompido antes das eleições municipais.
Só quem poderia implodir essa aliança é o presidente Lula, se estivesse
descontente com os rumos da política econômica.
Iliberalismo
Fora do governo, os nomes que
poderiam articular a terceira via são o governador do Rio Grande do Sul,
Eduardo Leite (PSDB), e o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT). O primeiro
está às voltas com a gestão de um estado com dificuldades financeiras crônicas,
sem condições de sustentar um embate com o governo federal nos mesmos patamares
de SP, MG e GO. Seria uma estratégia de alto risco se colocar como pré-candidato
desde já. O segundo, está desgastado por sucessivas derrotas em eleições
presidenciais, não tem apoio do seu partido para fazer oposição e, por ser
nacional-desenvolvimentista, também não é um nome que unifique as forças de
centro.
Por tudo isso, é meio
incompreensível o movimento errático que o presidente Lula resolveu promover,
principalmente na política externa, que não tem um amplo consenso na sociedade,
como a boa diplomacia exige. O mais preocupante, porém, é a narrativa em
relação aos países autoritários da América Latina, que extrapola a política de
boa vizinhança para recuperar mercados. Ao classificar a democracia como
relativa e afirmar que dela gosta porque pode se eleger presidente, para
justificar o regime venezuelano, Lula flertou com o mesmo “iliberalismo” que se
criticava em Bolsonaro.
A democracia não se restringe às eleições. O erro mais crasso de Bolsonaro foi não compreender que o Estado brasileiro, com suas instituições, é uma “democracia ampliada”, inscrita na Constituição de 1988, que não resulta apenas da eleição direta do presidente da República. Essa concepção também explica o fenômeno da “subsunção” da sociedade civil pelos governos petistas, o que foi uma das causas das manifestações de 2013 e do tsunami eleitoral de 2018. A esquerda tradicional brasileira precisa ultrapassar suas concepções anti-imperialistas, que veem os Estados Unidos como inimigo principal. E resistir ao poder de atração da China como potência, que não se restringe ao comércio; seu modelo de capitalismo de estado é sedutor, como via de acelerado desenvolvimento.
Verdade.
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